Fugas - Vinhos

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Os tintos finos e austeros dos Serrano Mira

Por Manuel Carvalho

A Herdade das Servas, que estreou dois novos tintos no mercado, é uma casa alentejana que dispensa modas e facilidades. Os seus vinhos são vetustos e sérios, bons para a mesa e para a cave. São vinhos para adultos, que exigem atitude e, em alguns casos, reclamam tempo. Notícia de um Alentejo com personalidade e garra.

Há muito que o mito dos vinhos alentejanos confinados à doçura, à macieza e à fruta se desfez com a prova dos factos. Mas se houver alguém que duvide dessa mudança que consolidou a imagem da região nas gamas dos tintos clássicos nacionais, terá de experimentar as criações da Herdade das Servas.

Com uma gama dividida em três marcas (Herdade das Servas, Monte das Servas e Vinha das Servas) que vai de preços mais acessíveis até um tinto produzido a partir de vinhas velhas que custa 25,50 euros, a empresa da família Serrano Mira merece a atenção dos que gostam de vinhos sérios, sisudos até, com garra e personalidade própria.

Os seus brancos são volumosos e bem balanceados nas suas componentes de acidez e fruta e os tintos recusam facilidades e sustentam-se num carácter austero, com a fruta a não comprometer uma certa secura e um perfil de taninos e de utilização da barrica que lhes confere um enorme potencial para a mesa e para a cave.

Experimente-se o Reserva de 2009. Um tinto feito com dois lotes, Syrah (70%) e Touriga Nacional, vinificados em separado (“na Herdade das Servas todas as vinificações são feitas casta a casta”, diz Luís Serrano Mira) e sujeitos a um estágio de 14 meses em barrica. Um tinto com aromas de fruta madura, madeira bem integrada, notas de cassis e especiaria, belíssimo na boca, com taninos vigorosos mas bem integrados e um final de boca longo e intenso. Um vinho muito interessante (custa 16,60 euros).

O topo de gama da casa, o Vinhas Velhas da colheita de 2009, conserva esta personalidade, mas a sua estrutura e o volume de álcool (15%) recomendam mais alguns anos de espera. Feito com um lote no qual domina o Alicante Bouschet (50%), que se combina com Touriga Nacional e Aragonez, este tinto apresenta taninos ainda secos e sugestões vegetais no aroma que fazem lembrar uma certa escola enológica de Bordéus. Se no Reserva se pode começar já a notar as subtilezas de um tinto perto do acabamento, o Vinhas Velhas é actualmente um vinho mais controverso — apesar de Paulo Portas o ter apresentado ao ministro dos Negócios Estrangeiros do Japão como “o melhor vinho do mundo”. O ambiente redutor da garrafa talvez consiga domar este puro-sangue que ainda está muito fogoso e duro (custa 25,50 euros).

Além dos seus clássicos, a família Serrano Mira acrescentou este ano ao seu portefólio mais dois vinhos “experimentais”: um Alfrocheiro e um Petit Verdot. Há muito que a Herdade das Servas se dedica a monovarietais — vejam-se os bons exemplos com a Touriga Nacional em 2008. Desta vez a aposta passou por uma casta que brilha mais a Norte, no Dão, e uma casta francesa que continua a ganhar adeptos em Portugal pela sua capacidade de produzir tintos vigorosos e exuberantes no aroma.

O Alfrocheiro de 2010 (cerca de 3000 garrafas a 16,60 euros) é, entre todas as propostas da Herdade das Servas, sem dúvida a mais graciosa, leve e elegante, sem abdicar, contudo, de uma estrutura poderosa e afirmativa.

O Petit Verdot, também da colheita de 2010, é um tinto com um perfil original e muito interessante, com nariz de arbustos, notas de menta e um excelente volume de boca. Como o Alfrocheiro, custa 16,60.

Para se perceber a razão da qualidade dos Herdade das Servas tem de se atender às suas vinhas e ao seu estilo de enologia. Neste capítulo, é fácil perceber que a equipa formada por Carlos Serrano Mira (também responsável pela viticultura) e por Tiago Garcia está longe de partilhar as teses de vinhos fáceis e imediatistas. Apostam na depuração do lote e nos estágios longos. Mas para poderem fazê-lo com segurança dispõem de um património de vinhas raro no Alentejo. São ao todo 220 hectares divididos por quatro vinhas (Azinhal , Judia, Clérigo e Servas) onde se encontram plantadas 22 variedades brancas e tintas, desde o habitual Alicante Bouschet até à mais rara Sangiovese. As idades das vinhas estão compreendidas entre os 20 e 60 anos (excepto a Vinha das Servas, plantada há seis anos). É do potencial de cerca de 60 hectares de vinhas velhas, que “em alguns casos não produzem mais do 2500 kg por hectare”, como refere Luís Serrano Mira, que se obtêm os melhores vinhos da herdade.

Não sendo um gigante do sector, a Herdade das Servas é um actor de dimensão. Todos os anos produz, em média, 1,2 milhões de garrafas. Exporta para 20 mercados, mas é em Portugal que continua a sustentar a sua actividade. E sem passar pelas grandes superfícies. Fundada há 14 anos pelos dois irmãos, a companhia alentejana é o capítulo mais recente de uma linhagem de vinhateiros alentejanos. O bisavô materno foi um dos fundadores e o primeiro presidente da Adega Cooperativa de Borba e o avô paterno lançou uma das empresas pioneiras do vinho das planícies, a Sovibor.

Com este passado e este património, os Serrano Mira dedicam-se sem modismos nem manias a construir um projecto sólido e consistente. Os seus vinhos são o reflexo dessa simplicidade. São belos vinhos.

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