Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
  • Duorum O.Leucura Cota 200, 2008 - recomenda Manuel Carvalho
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  • Quinta das Bágeiras Garrafeira Tinto 2008 - recomenda Pedro Garcias
    Quinta das Bágeiras Garrafeira Tinto 2008 - recomenda Pedro Garcias
  • Ataíde Semedo Espumante Millésime Bruto 2011 - recomenda Pedro Garcias
    Ataíde Semedo Espumante Millésime Bruto 2011 - recomenda Pedro Garcias

Devemos ou não abrir os melhores vinhos da garrafeira na noite de Natal?

Por Manuel Carvalho, Pedro Garcias

As opiniões dividem-se, sobretudo porque os melhores nem sempre são os mais consensuais. A Fugas apresenta-lhe duas opiniões distintas — mas iguais são os votos de festas felizes.

Um jantar para memória futura
Manuel Carvalho

O Natal é a melhor altura para bebermos os melhores vinhos das nossas garrafeiras. Ao contrário do que defende Pedro Garcias, é difícil encontrar no calendário gastronómico e enófilo melhor oportunidade para ser exigente e, literalmente, para apostar a cave. Porque a escolha de grandes vinhos associa-se a um espírito de celebração e poucas vezes durante o ano se celebra algo tão importante como no Natal. Porque o ambiente solene que a quadra invoca deve ser compensado por uma escolha exigente e igualmente solene dos vinhos. E ainda porque a paleta gastronómica que nos é oferecida na ceia da Consoada parece ter sido pensada para exaltar a grandeza dos vinhos tintos e ainda mais especialmente dos velhos Porto tawny.

Se para as entradas não é difícil escolher um espumante ou um branco que combine bem (que “harmonize”, como agora se diz) com a doçaria da época ou até com polvo frito em ovo que é tradição em muitas mesas, a tarefa de escolher um tinto para se articular com o bacalhau requer um exercício mais judicioso. Note-se que quando se fala de bacalhau fala-se de bacalhau cozido, acompanhado com batatas do interior de Portugal (daquelas sujas de terra, irregulares no formato e tantas vezes feias), com um azeite alentejano ou, de preferência, transmontano e com couve penca adocicada pelas geadas. Esqueça as fronteiras regionais das demarcações que não faltam opções do Norte a Sul para se encaixarem nesta manifestação da simplicidade e grandeza da gastronomia nacional.

Tenha em atenção, sim, a idade e o perfil dos vinhos que escolhe. Se optar por um alentejano, opte por um tinto com um máximo de cinco ou seis anos — exceptuando um Mouchão, por exemplo. Na Bairrada, no Dão ou no Douro poderá recuar um pouco mais na data da colheita, mas tenha atenção à patine que a gordura do azeite e do bacalhau criam no palato. Só um tinto com uma estrutura firme, uma acidez consistente e uma certa exuberância aromática conseguem equilibrar a relação na boca. No caso de dúvida, deixe os seus vinhos mais velhos para pratos mais planos e considere uma boa opção situar as suas escolhas algures entre 2005 e 2010. Não tenha receios em desiludir comensais que eventualmente estejam habituados a vinhos mais espaventosos no nariz e mais doces e redondos na boca. Quando um tinto genial se equilibra com a comida é fácil gerar consensos à mesa.

Finalmente, na parte das sobremesas, a escolha é fácil — pelo menos para quem segue uma certa tradição nortenha ou, mais concretamente, alto-duriense: um Porto velho envelhecido em casco. Se a mesa for grande e houver adeptos de uma tábua de queijos, tudo bem, abra-se uma excepção e um vintage — por exemplo dos anos 90, que começam a ficar em boa forma. Mas numa festa tão portuguesa como a Consoada a opção correcta é um Colheita ou um Tawny com indicação de idade (20 anos, 30 anos, etc). São vinhos que mantêm uma boa estrutura, que revelam raça e complexidade para se conjugarem com frutos secos, com as rabanadas e respectiva canela, com o leite-creme. E são vinhos que além de iluminarem o palato dão igualmente brilho ao espírito e alimentam uma boa conversa serão fora. Haverá certamente quem prefira regressar mais tarde aos espumantes, quem aposte em colheitas tardias, quem procure refrescar a boca com um Riesling ou, simplesmente, quem opte por uma aguardente velha ou um bom malte. Mas essas são já outras conversas.

Herdade do Arrepiado - Velho Collection 2008
Para começar, há uma evidente apetência estética por este vinho — tem um dos mais originais e belos rótulos da produção nacional. Mas não há-de ser essa a principal atracção deste Arrepiado Collection. O seu maior interesse é uma boa conjugação entre poder e fineza, entre elegância e carácter. Com aromas a denotar ainda uma forte presença da barrica de carvalho francês onde estagiou durante 16 meses mas a começar a acusar notas terciárias, este vinho acusa no final da prova uma evidente doçura (mais da barrica que da fruta original), mas não é cansativo, apresenta um expressivo teor alcoólico mas não cai no torpor da falta de frescura, é na aparência um vinho fácil e evidente mas esconde uma boa profundidade gustativa, denota uma dimensão floral que acusa o predomínio da Touriga Nacional que não apaga o poder ou a dimensão mais vegetal das castas internacionais que integram o lote. Para quem preferir acompanhar o bacalhau com um vinho mais redondo, mas mesmo assim com garra e competência para o desafio, tem neste Arrepiado Velho criado por António Maçanita uma boa escolha. Até porque será difícil encontrar no mercado uma garrafa que fique tão bem no centro da mesa. Preço: 29€. (M.C.)

Quinta da Leda 2010
O regresso dos Quinta da Leda é sempre uma boa noticia para quem gosta de vinhos elegantes, refinados, complexos e com uma marca de fruta que exalta o melhor que o Douro tem para oferecer. A edição de 2010 cumpre essa expectativa com o brilhantismo do costume. A começar pela sua abrangente paleta de aromas, onde cabem frutas vermelhas, sugestões florais de esteva e rosmaninho, toques balsâmicos de cedro. Na boca é um tinto que exala calor das frutas vermelhas, profundidade e uma estrutura que lhe confere poder na boca, aptidão gastronómica e garantia de longevidade na cave. O Leda é um caso emblemático dessa estirpe de tintos portugueses que aliam o classicismo a uma inspiração no uso da fruta que lhe confere uma deliciosa adaptação aos nossos tempos. No seu vigor actual é uma boa opção para a Consoada e é, por natureza, uma opção fácil de agradar a pessoas com diferentes relações com o vinho. Os Leda de 2004, 2007 e 2008 são igualmente excelentes opções. Preço: 30€. (M.C.)

Ramos Pinto 30 anos
Não é difícil seleccionar um Porto de gala para o jantar da Consoada. Basta fixar um tecto orçamental para a compra, ir a uma garrafeira minimamente competente e escolher. Primeiro entre um Colheita ou um Tawny com indicação de idade. No primeiro caso, pode optar por um Andresen 2000 (27€50, aproximadamente) ou por um Niepoort 2011 (26€50). Os Poças são em geral muito bons na relação qualidade/preço, tal como os Kopke ou os Barros. Num patamar mais caro pode optar por Noval dos anos 70 ou 80 ou, para chegar perto da perfeição, escolher um Dalva Golden White de 1963 (105€) ou um extraordinário branco velho ou um Messias de 1963 (225€). Nos Porto com indicação de idade ficará bem servido com um 20 anos, mas subirá um degrau se chegar aos 30 anos ou aos 40. No caso dos 20 anos experimente os Sandeman, sempre exímios na construção de lotes, um Dow’s ou um Fonseca (este custa 40€). Se for para os 30 anos vale a pena experimentar o Ramos Pinto, um tawny com uma complexidade e uma frescura espantosos, uma profundidade admirável e um final de boca inesquecível. Preço: 70€. (M.C.)

Duorum O.Leucura Cota 200, 2008
A cada vindima nova José Maria Soares Franco vai conseguindo personalizar mais os seus vinhos. Chama-se a isto criação, embora uma criação muito mais neoclássica do que barroca. Nos seus tintos, José Maria Soares Franco consegue o mais difícil: fazer com que todas as componentes se revelem na proporção exacta, sem maneirismos nem carências. Os seus “vinhas velhas” (o 2007 está numa fase de acelerado crescimento) têm esse polimento na consistência dos taninos e na frescura que os recomendam para esta quadra. Mas se quiser (e puder) uma experiência ainda mais superlativa experimentem-se os dois O.Leucura, da vindima de 2008, um proveniente de vinhas velhas plantadas a uma cota de 200 metros e outro a 400 metros. São vinhos experimentais, de edição limitada, mas são vinhos geniais para a mesa. O Cota 200 apresenta uma estrutura mais imponente e é mais especiado na boca; o Cota 400 é mais fino, mais redondo e mais floral. Quer um, quer outro, são uma maravilha na boca. Preço: 80€. (M.C.)

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