Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Vinhos, resoluções de ano novo e outras considerações

Por Rui Falcão

É costume dizer-se que ano novo obriga a vida nova, força a um renovar de escolhas, compele à renovação, a um corte que se deseja final com o lado menos agradável e menos promissor do presente. E no caso dos vinhos?

Ainda que de forma marcadamente simbólica o rito de passagem temporal de mais um ano apresenta-se como uma oportunidade perfeita para algumas mudanças interiores, uma abertura para câmbios de postura e a adopção de atitudes diferentes. Poderá também ser uma oportunidade para alterar alguns dos maus hábitos do passado, para questionar alguns dos muitos lugares-comuns a que nos agarramos, tempo perfeito para alargar horizontes.

Entre as muitas resoluções vínicas exequíveis e desejáveis nesta mudança de ano contam-se algumas que se mostram prioritárias pela relevância do tema. Podemos começar por alertar para o actual monoteísmo da escolha de regiões e sugerir uma pequena mas gradual mudança de hábitos no momento de eleição das denominações de origem. Por estranho que tal se afigure num país que preza a diversidade, parece que o Portugal vinhateiro ultimamente ficou quase reduzido a duas denominações de origem, o Alentejo e Douro, as duas regiões que dominam as atenções da maioria dos enófilos… e críticos nacionais.

Ora uma das grandes vantagens competitivas e qualitativas dos vinhos portugueses é precisamente conseguir apresentar uma enorme diversidade de estilos, castas, perfis e personalidades divididas em dezenas de regiões quase antagonistas. O mundo não se resume a estas duas regiões, mesmo que nelas nasçam muitos dos grandes vinhos de Portugal. Mas felizmente também nascem dezenas de vinhos absolutamente brilhantes em regiões como Bairrada, Dão, Lisboa, Península de Setúbal, Tejo, Vinho Verde… ou mesmo fora de qualquer uma das regiões mais clássicas.

Prove com atenção o que alguns produtores estão a fazer na Beira Interior, Távora-Varosa ou mesmo Madeira e Açores. Irá ficar surpreendido! Não fique sequer preso às qualificações oficiais e aventure-se em alguns dos vinhos que estão a ser produzidos fora das regiões ou denominações legais, vinhos regionais ou ainda mais simplesmente os antigos "vinhos de mesa". Também por aqui há quem esteja a fazer grandes vinhos.

Por muito que se continue a promover a diversidade de estilos e que alguns sustentem que os vinhos brancos estão na moda a verdade é que a maioria dos enófilos nacionais infelizmente continua presa a velhos preconceitos que garantem que o vinho verdadeiro é o tinto… e que o momento certo na refeição só chega com o vinho tinto. Uma menorização de outros estilos que longe de se limitar aos vinhos brancos se estende irmãmente aos vinhos espumantes, rosados e doces. Uma realidade que a maioria de nós aceita implicitamente, seja consentindo e concordando que os vinhos brancos sejam vendidos a preços substancialmente inferiores aos vinhos tintos, seja acreditando que as castas tintas portuguesas são incomparavelmente superiores às castas brancas portuguesas.

Já todos perdemos a conta ao número de vezes que lemos e ouvimos acusações de menoridade às castas brancas portuguesas, queixas sobre o clima nacional que aparentemente seria incompatível com a elaboração de grandes brancos, denúncias sobre a falta de personalidade e frescura dos vinhos brancos portugueses. Que dizer então de castas como o Alvarinho, Loureiro, Avesso, Encruzado ou Bical, entre as melhores que conheço, só para mencionar cinco? Que dizer de alguns dos grandes Alvarinho do Monção e Melgaço, de alguns dos grandes brancos da Bairrada ou Dão, vinhos capazes de sobreviver mais de cinquenta anos em garrafa… contra os vaticínios dos pessimistas.

Não são muitos os exemplos de vinhos brancos excepcionais, vinhos capazes de se bater com os melhores do mundo? Talvez, mas infelizmente também não abundam os exemplos de vinhos tintos capazes de se bater com o que de melhor se faz no mundo. Para além dos vinhos brancos também merecem destaque e curiosidade os vinhos rosados bem interessantes, vinhos espumantes briosos e vinhos doces de colheita tardia capazes de despertar sorrisos.

E claro, como portugueses seria impossível deixar de mencionar os vinhos fortificados, os vinhos generosos de que somos especialistas mas que com frequência esquecemos e maltratamos. Vinho do Porto, Vinho da Madeira e Moscatel de Setúbal são vinhos únicos no mundo, vinhos que se situam no topo da hierarquia qualitativa mundial, mas infelizmente são igualmente vinhos que raramente bebemos e sobre os quais alimentamos pouca curiosidade.

Experimente e ouse saltar para além do óbvio, para além dos vinhos de supermercados corriqueiros que são propostos. Experimente um Porto LBV, um Porto Colheita ou um Porto com indicação de idade, 10, 20, 30 ou 40 Anos. Ou experimente um Madeira Colheita, um madeira Frasqueira ou um Madeira com indicação de idade, 10, 15, 20, 30 ou 40 Anos. Ou experimente um Moscatel de Setúbal sério, seja na versão clássica ou Moscatel Roxo… ou mesmo um Bastardinho, um dos ex-líbris de Azeitão de que já existem duas versões no mercado.

Os mais secos podem ser bebidos antes ou no início da refeição, os mais doces podem acompanhar a sobremesa… e os intermédios, tal como os mais doces, podem ser bebidos sozinhos, na companhia de uma boa conversa ou de um bom livro. A maioria é igualmente um excelente acompanhamento para queijos. É incompreensível que em Portugal se conheçam tão mal estes vinhos e que se bebam tão pouco. O preço não é seguramente o impeditivo até porque a maioria destes vinhos é muito mais barata que o equivalente em bebidas espirituosas, sejam elas garrafas de Whisky, Gin, Rum ou Vodka.

Que 2014 seja um ano proveitoso, um ano repleto de descobertas e emoções, um ano que permita descobrir um novo mundo de sensações e prazer.

--%>