Não foi uma vitória por KO, longe disso, mas uma masterclass em torno dos vinhos da Dão Sul, realizada no passado sábado na Quinta de Cabriz, em Carregal do Sal, confirmou os brancos e os tintos de Santar como os melhores daquela empresa. Em mais uma iniciativa do grupo Dão Wine Lover, provaram-se algumas dezenas de vinhos da Quinta de Cabriz, Casa de Santar e Paço dos Cunhas de Santar, alguns dos quais anteriores à criação da própria Dão Sul, em 1989, e no final sobrou uma evidência, pelo menos para nós: os vinhos tintos e brancos oriundos de Santar são mais elegantes, complexos e frescos do que os de Cabriz.
Isto não quer dizer que uns sejam bons e os outros maus. Se há vinhos que valem mesmo a pena conhecer e seguir com atenção no grupo Global Wines — que, além do Dão, está presente no Douro, Alentejo, Bairrada, Vinhos Verdes e Brasil — são os da Dão Sul, sejam de Santar ou de Cabriz. Em pouco mais de duas décadas, a empresa tornou-se no principal produtor do Dão, e o seu grande erro talvez tenha sido querer globalizar-se e estender-se a outras regiões, algumas sem qualquer viabilidade para a vinicultura de qualidade, como é o caso do vale do rio São Francisco, em Pernambuco, Brasil. Hoje, a Global Wines é uma espécie de gigante com pés de barro que tenta agora, empurrada pela crise, um regresso às origens, redireccionando o foco de novo na região que melhor conhece (ver entrevista de Osvaldo Amado).
A prova de sábado provou que o potencial é enorme. Os vinhos do Dão podem não estar na moda, mais por culpa própria do que por tendências de mercado, mas um dia vão voltar a dar que falar. Porque, tirando a Bairrada, não há outra região portuguesa com vinhos tão finos, tão frescos e tão longevos. A Dão Sul tem alguns, mesmo que os tenha herdado. São os casos dos tintos Casa de Santar 1965, 1975 e 1983. Três vinhos extraordinários e ainda inteiríssimos, em especial o 1983, muito iodado e com uma frescura inacreditável. A má notícia é que nenhum destes vinhos está à venda.
Quem começou a prova por esses três vinhos pode ter passado ao lado de outros tintos mais novos e igualmente magníficos, como o Cabriz Touriga Nacional 2003 ou, ainda mais, o Casa de Santar Touriga Nacional 2000, verdeiro epítome da magnificência que aquela casta atinge no Dão. Dos tintos mais recentes e de lote, há três vinhos que merecem um destaque especial: o Conde Santar 2009, o Paço dos Cunhas de Santar Vinha do Contador 2008 e o Maria João Private Collection 2008. O primeiro (48 euros) é um Dão clássico (finesse, elegância, contenção, complexidade, frescura) com potencial para durar décadas; o segundo (43 euros) é um espelho do primeiro mas mais musculado; e o terceiro (28 euros) é um vinho algo paradoxal, porque não possui nada de feminino, destacando-se antes pela sua “brutalidade”, mostrando uma intensidade aromática, uma estrutura tânica e uma acidez enormes (é proveniente da Quinta de Arcediago, um outro terroir situado entre Cabriz e Santar).
O estilo repete-se no Maria João Private Collection Branco 2012 (20 euros), um vinho algo excessivo e ainda muito marcado pela madeira. Um típico branco de Inverno, na mesma linha do (ainda mais pesado) Four C 2010 (28 euros), Vinha do Contador 2011 (23 euros) e Condessa de Santar 2011 (23 euros), todos a precisarem de tempo para poderem chegar ao nível do fantástico Condessa de Santar 2006. Nesta fase, mais interessantes e mais baratos são os brancos Cabriz Encruzado 2012 (5,99 euros) e, ainda mais, Casa de Santar Reserva 2012 (8,99): directo e viperinamente fresco o primeiro; muito mineral, complexo e vibrante o segundo. Dois vinhos com o mesmo nervo e frescura que encontramos no fabuloso Condessa de Santar Extra Bruto Espumante 2010, um dos melhores espumantes portugueses da actualidade (27 euros).
Entrevista a Osvaldo Amado
“Queremos continuar a ser líderes do Dão”
Os valdo Amado lidera a equipa de enologia da Dão Sul desde 2011, substituindo no cargo Carlos Lucas, um dos fundadores. Nesta entrevista fala sobre os desafios que se colocam ao Dão e traça o rumo da empresa, que está a desinvestir noutras região para se concentrar no território de origem.
Para onde vai o Dão?
A resposta não é fácil. Neste momento, a região passa por caminhos menos agradáveis, mas acredito que em breve vai retomar o rumo e a dignidade que merece. O Dão tem vinhos distintos, nobres e sem comparação, mas na realidade os factos mostram que tem andado por caminhos tortuosos.
E porquê?
Em parte por ausência de divulgação, mas precisamos também de ser uma região mais unida e com mais entreajuda entre todos os agentes, para assim sermos mais fortes e podermos fazer-nos ouvir mais rapidamente. E necessitamos também de fazer aquilo que os outros têm feito, que é divulgar o que de muito bom se faz nesta região.
O que falta ao Dão para deixar de ser uma eterna promessa?
Apoios institucionais mais fortes, mas também empresários mais arrojados e enólogos extrovertidos, mais comunicadores, expostos ao mundo e capazes de dar o corpo às balas. É que já não somos só uma região de promessa, somos uma região com vinhos. Isso temos! As pessoas não falam, o consumidor não compra, mas quando os damos a provar as pessoas reconhecem que são vinhos ímpares. Tanto os tintos como alguns brancos. A região é versátil e faz também licorosos ou vinhos de sobremesa e espumantes distintos. Há poucas regiões em Portugal com essa versatilidade. Notoriamente, o que nos falta aqui é divulgação. Precisamos de chegar ao consumidor, fazer ver que esta é uma região de tradição. Não se ouvia falar de outras regiões há 15, 20 anos. Havia os vinhos do Dão, os vinhos da Bairrada e havia o vinho do Porto. Quem é que ouvia falar das outras regiões, quem é que ouvia falar do vinho Douro? Chamavam-lhe ‘vinho de pasto’ e agora é o que é. E o mesmo passa-se com o Alentejo. O Dão e a Bairrada estão hoje notoriamente menos bem, mas foram estas regiões que deram grandes nomes e grandes marcas aos vinhos portugueses.
Qual é o rumo da Dão Sul?
O objectivo é continuarmos a ser líderes no Dão, sem qualquer tipo de ruptura ou mudança de conceito. Tudo aquilo que é feito nas propriedades fora do Dão continua, obviamente, a merecer a nossa atenção, mas estamos a centrar-nos cada vez mais no Dão, na região das Beiras.
É um regresso às origens?
Numa linguagem mais corrente, diria que sim. O nosso foco central é o Dão, é o nosso caminho e onde sentimos que conseguimos fazer a diferença no resto do mercado. Porque decididamente não somos alentejanos, não somos durienses, dominamos mal aqueles mercados, conhecemos mal aquelas vinhas e aqueles locais, enquanto aqui é o nosso berço e a nossa raiz