Fugas - Vinhos

Quem conhece os vinhos portugueses?

Por Rui Falcão

A opinião de Rui Falcão: "Por impossível que tal possa afigurar-se para a maioria dos portugueses, os vinhos lusitanos continuam a ser eternos desconhecidos para a maioria dos enófilos ou consumidores ocasionais estrangeiros."

É muito provável que nós, portugueses, estejamos entre os povos menos chauvinistas da Europa, entre aqueles que menos sentem os beliscões de um bairrismo nacionalista que com frequência ultrapassa a racionalidade. 

Podemos mesmo afirmar que com frequência nos situamos precisamente nas antípodas deste comportamento, louvando à exaustão tudo o que soa a estrangeiro, endeusando e admirando tudo o que vem de fora… independentemente de falarmos de bens, produtos, tendências ou meras teses de opinião.

Desdenhamos o que é nosso, subestimamos os juízos e pareceres prestados dentro de fronteiras para abraçarmos com fervor o mesmo ideal se este for proposto a partir do estrangeiro. Em consequência da enorme falta de auto-estima que nos caracteriza, repudiamos o que se produz em Portugal, adoramos o que for forasteiro e surpreendemo-nos genuinamente quando alguém de fora aplaude e valoriza o que é nosso, quando alguém de fora aprova e louva o que temos ou produzimos em Portugal. Só depois desse elogio estrangeiro, só depois de uma validação vinda de fora, damos o devido valor ao que se produz, pensa ou cria em Portugal.

Se esta triste condição é mais ou menos transversal à sociedade como um todo, quando chegamos ao vinho esta realidade sofre uma reviravolta total, numa estranha metamorfose que subverte a condição por inteiro. No vinho assumimos todos os brios de uma nação e acreditamos piamente que os vinhos portugueses se encontram entre os melhores do mundo, entre os mais cobiçados e valorizados internacionalmente, confiando que poucos ou nenhuns outros países terão vinhos comparáveis aos nossos. Se por tradição sofremos de uma enorme falta de auto-estima em tudo o que nos rodeia, nos vinhos sofremos da maleita contrária, de uma crença quase infinita nas nossas capacidades e na qualidade e atractividade dos nossos produtos.

Não será fácil explicar os fundamentos para semelhante transformação, evidenciar os porquês deste comportamento tão extremado e tão bipolar, adivinhar as razões que levam a que a maioria dos portugueses esteja tão convicta da reputação dos vinhos nacionais. Uma relação de confiança quase cega nos vinhos portugueses, que, apesar de positiva para o sector e para o ego dos produtores, tem, infelizmente, pouco a ver com a realidade. Por impossível que tal possa afigurar-se para a maioria dos portugueses, os vinhos lusitanos continuam a ser eternos desconhecidos para a maioria dos enófilos ou consumidores ocasionais estrangeiros.

Por muito que isso nos doa, e dói, os vinhos portugueses como um todo ainda não ultrapassaram a fronteira do exotismo, a fronteira que nos prende aos vinhos étnicos consumidos por imigrantes e descendentes, a fronteira de respeito e credibilidade que leva anos a formar. Poderão parecer palavras duras ou exageradas, sobretudo quando tanto ouvimos falar do sucesso de exportação dos vinhos nacionais. Mas esquecemos que, salvo raras excepções, o grosso desses vinhos é exportado para países que mantêm connosco uma proximidade geográfica, cultural e linguística muito forte, com Angola e Brasil à cabeça, para além do Canadá e de um conjunto de países europeus onde a diáspora portuguesa é especialmente forte. A grande excepção a este fenómeno são os países escandinavos, onde a penetração dos vinhos nacionais é realmente original e sem contacto com estas premissas.

Para confirmar tal condição basta viajar um pouco pelo mundo, o que nos está mais próximo e o que queda mais distante, e visitar garrafeiras, supermercados, lojas de conveniência e demais pontos de venda para verificar que os vinhos portugueses raramente estão presentes. Basta visitar restaurantes, de todos os estilos e para todas as bolsas, e verificar que os vinhos portugueses raramente surgem na carta, raramente marcam presença mesmo nas propostas de cartas mais abrangentes e com uma vocação mais internacional.

Basta olhar para os Estados Unidos, o maior mercado de vinhos do mundo, um mercado onde a presença portuguesa é essencial, não só pela venda directa mas também pela pressão mediática que uma presença forte poderia ter junto daquela que é a crítica de vinhos mais influente do planeta, para descobrir a raridade da presença de vinhos nacionais nas cartas de vinho de qualquer restaurante. E se em Nova Iorque ainda conseguimos encontrar um ou outro caso de visibilidade, mesmo que muito esbatida, no resto do país podemos passar semanas a visitar restaurantes em grandes cidades sem encontrar uma única referência a qualquer vinho português O pior é que nesses mesmos restaurantes repetem-se sugestões de vinhos franceses, italianos, espanhóis, argentinos, chilenos, australianos, sul-africanos e neozelandeses, para além, claro, da presença esperada de vinhos locais.

O mesmo se passa em Hong Kong, em quase todos os estados do Canadá (para além das excepções de Ontário e Quebeque), na América Latina (com excepção do Brasil), em todo o continente asiático e em toda a Oceânia. Mesmo na Europa, a presença portuguesa continua a ser minimalista e sempre episódica e subalterna. Basta entrar em qualquer uma das muitas garrafeiras espalhadas pela Alemanha, Inglaterra, Dinamarca, Áustria, Irlanda ou qualquer outro país europeu para descobrir que enquanto países como França, Alemanha, Austrália, Chile e tantos outros dispõem de um expositor próprio, ou um grupo de expositores, os vinhos portugueses continuam a estar arrumados na prateleira inferior do expositor espanhol… ou em alternativa no expositor intitulado “outros países”, onde surgimos ao lado de Israel, Bulgária, Chipre, Geórgia ou Malta.

Perante tal realidade, só nos resta concluir que, apesar do esforço de promoção titânico que os vinhos portugueses têm realizado ao longo dos últimos anos, ainda temos muito caminho pela frente.

 

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