Fugas - Vinhos

Nelson Garrido

Opinião: Vinhos, divisões e subdivisões

Por Rui Falcão

"Num país que conhece bem as suas regiões, a diferenciação regional poderá não ser perniciosa"

Ainda muito recentemente tive oportunidade de sustentar neste espaço a dificuldade de afirmação dos vinhos portugueses na cena internacional, a falta de reconhecimento por parte dos consumidores internacionais e da crítica.

Para tamanha má fortuna concorrem inúmeras condições e factores, nem sempre relacionados entre si. Para começar, a imagem global do país raramente ajuda, alternando em muitas ocasiões entre a simples falta de imagem e a existência de uma imagem pouco abonatória. Uma imagem que tem sido deteriorada pelas notícias recentes e recorrentes sobra a situação económica que Portugal viveu e ainda vive.

As particularidades únicas dos vinhos lusitanos também não facilitam a comunicação. Se por um lado ganhamos ao apresentar vinhos diferentes de tudo o que se faz no mundo, por outro lado essa diferença abissal torna a comunicação penosa, menos eficaz no curto prazo e consumidora de recursos. Ter vinhos elaborados com castas únicas que nenhum outro país usa, a maioria das quais baptizadas com nomes impronunciáveis para a maioria dos mortais que não fale português, é simultaneamente uma bênção e um obstáculo formidável.

Privilegiar os vinhos de lote em detrimento dos vinhos extremes é uma marca indelével, típica e intrínseca aos vinhos portugueses mas é igualmente uma realidade que colide com as práticas e a rotulagem da maioria dos vinhos do mundo, confundido uma grande parte dos consumidores internacionais. Que esses lotes mudem de acordo com os humores de cada produtor, que não existam lotes padrão para cada região e que estes sejam reconhecíveis por parte da crítica e dos enófilos internacionais é outra das grandes dificuldades dos vinhos portugueses.

Tal como é homilia habitual em Portugal, também outras regiões europeias vivem da arte do lote, da mistura de diversas castas no mesmo vinho. No entanto, a maioria dessas regiões mantém a identidade do lote ganhando coerência e permitindo uma identificação fácil com as variedades participantes no lote. Regiões famosas como Bordéus, Chianti ou Côtes du Rhône assentam quase exclusivamente em vinhos de lote… mas só muito raramente se afastam de um conjunto de castas padrão de cada região, variando mais na proporção de cada variedade que na constituição do lote. Para o bem e para o mal, em Portugal reina o caos, uma babel de variações e escolhas pessoais onde cada produtor elege o seu lote particular… que pode ser inteiramente diferente para cada casa e cada rótulo. Uma prática maravilhosa para a diversidade de estilos mas um estorvo tremendo para a promoção e para o reconhecimento dos vinhos nacionais junto dos consumidores.

A verdade é que a nossa originalidade e exotismo, mensurável na manutenção da pisa a pé ou na fermentação em talhas de barro que se pratica no Alentejo desde os tempos do império romano, é o que nos distingue de um vasto universo de países produtores. Comunicar Portugal e os vinhos portugueses não é tarefa fácil mas é um trabalho exequível e obrigatório que tem vindo a ser realizado com afinco ao longo de muitos anos, com um peso e entusiasmo muito especial ao longo dos últimos cinco anos. Dar a conhecer as castas nacionais, as regiões portuguesas e respectivas identidades, as muitas particularidades de Portugal, é um processo moroso, difícil e caro que implica esforços continuados no tempo.

Talvez por isso, pela enorme dificuldade de comunicar Portugal pela falta de reconhecimento dos seus vinhos e das suas regiões, tenha tanta dificuldade em entender uma das movimentações mais recentes do universo do vinho português. A promoção de sub-regiões ou de proto-regiões resolvida de forma mais ou menos dispersa por alguns dos agentes económicos de cada região. Num súbito arrebato de consciências brotaram associações para todos os gostos, por vezes patrocinadas pelos agentes certificadores de cada região, embora na sua maioria ao arrepio dos organismos centralizadores da certificação de cada denominação de origem.

Vemos assim o “Douro Superior” a pretender afirmar-se sozinho e autonomamente da região do Douro. Vemos alguns produtores do Alentejo a pretender assumir-se sob o chapéu-de-chuva “Vidigueira Wine Lands”, englobando exclusivamente produtores de uma sub-região que já se encontra consagrada nos regulamentos da região, enquanto outros aderiram ao movimento dos “Vinhos do litoral alentejano”, associação que estranhamente engloba não só produtores com vinhas junto à costa alentejana como produtores que estão situados administrativamente sob a alçada da denominação de origem da Península de Setúbal. Mas percebem-se igualmente sintomas de vontade de promoção separada por parte de algumas sub-regiões do Dão e do Vinho Verde… e de outras que por ora se encontram em agenda.

Quem sabe se uma estratégia deste tipo não terá resultados em Portugal? Num país que conhece bem as suas regiões, a diferenciação regional poderá não ser perniciosa, pelo menos numa análise superficial. Mas para quem luta por incluir Portugal no mapa, para os produtores que se lançam nos mercados externos conquistando espaço em prateleiras e cartas de restaurantes, esta divisão e ruído na mensagem só poderá lançar ainda mais confusão numa mensagem que se pretende o mais simples e funcional possível. A maior dificuldade do Portugal actual é conseguir que os mercados reconheçam o nome do Dão, Douro, Vinho Verde, Bairrada ou demais regiões. A maior dificuldade é que os mercados reconheçam e associem Portugal com algumas das suas castas essenciais como Touriga Nacional, Alvarinho ou Trincadeira.

Num futuro a médio ou longo prazo, quando os vinhos portugueses gozarem de um prestígio internacional impecável e os vinhos forem sobejamente conhecidos, talvez seja possível acentuar estas diferenças locais dentro de cada denominação de origem. Mas pretender afirmar estas diferenças locais e gastar recursos escassos, promovendo-as quando a maioria da crítica e dos consumidores internacionais ainda nem sequer sabe da existência dessas mesmas regiões, é, no mínimo, uma movimentação arriscada e precipitada no tempo.

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