Mesmo entre aqueles que os elogiam e que não sentem qualquer desconforto perante os vinhos brancos, é raro encontrar alguém que aceite que o preço de um grande vinho branco possa ser equivalente ao preço de um grande vinho tinto, tal como é raro encontrar alguém que aceite que um vinho branco se transforme na estrela maior de um jantar, papel que por tradição e convicção a maioria reserva para os vinhos tintos.
Por muito que insistamos no contrário, os vinhos brancos continuam a viver sob um manto de equívocos e preconceitos que teimam em afastar muitos consumidores deste estilo de vinho. Os mais palavrosos consideram-no demasiado tecnológico, palavrão de veracidade duvidosa que garante que os vinhos brancos estarão dependentes de uma adega moderna e equipada com a tecnologia mais avançada, realidade facilmente desmentida por vinhos como Quinta das Bágeiras Garrafeira, Soalheiro Primeiras Vinhas ou Quinta de Foz de Arouce, elaborados em adegas modestas e sem qualquer aporte de modernidade ou tecnologia. Os mais preocupados com as questões médicas garantem que só os vinhos tintos podem assegurar os benefícios para a saúde de um consumo moderado, raciocínio que, apesar de não ser suportado por nenhuma evidência científica, ganhou peso no imaginário colectivo.
Outros limitam-se a afirmar que os vinhos brancos são por natureza simples e directos… tendo como papel principal uma função mais refrescante que verdadeiramente prazenteira, esquecendo-se que muitos dos grandes vinhos do mundo são brancos e sem essa capacidade refrescante tão associada aos vinhos brancos mais simples. Outros garantem que a melhor forma de atestar a inferioridade dos vinhos brancos é a sua longevidade inferior, especialmente quando comparados com os vinhos tintos… esquecendo-se que a maioria dos vinhos mais longevos do mundo é branca, como o asseguram os vinhos alemães das regiões de Mosel e Rheingau na Alemanha, os brancos da Borgonha, os brancos do Bussaco ou os vinhos brancos doces de Sauternes, em Bordéus, os vinhos de Tokaji, na Hungria, ou os vinhos doces da região austríaca de Neusiedlersee.
Poucos o saberão, mas o vinho mais velho do mundo, com data de vindima de 1727, é alemão, é branco… e continua a maravilhar aqueles que têm a rara oportunidade de o provar. O vinho, o muito afamado Rüdesheimer Apostelwein 1727, nunca foi vendido e permanece em casco num imenso tonel de 3000 litros que se mantém selado nas caves do edifício antigo da Câmara Municipal de Bremen… na companhia de outros onze velhos tonéis dos séculos XVII e XVIII, conjunto que muito apropriadamente é conhecido como os doze apóstolos. Sabe-se que o tonel mais antigo alberga um vinho branco da colheita 1653, embora este já esteja, aparentemente, pouco adequado para consumo.
A verdadeira estrela da companhia é o Rüdesheimer Apostelwein 1727, nascido de uma das melhores colheitas do século XVIII e que por ordem expressa da Câmara de Bremen nunca foi engarrafado ou comercializado. Os raros engarrafamentos estão destinados a visitas também elas excepcionais, habitualmente membros de casas reais em visita oficial à cidade. Sempre que se engarrafa uma dessas exclusivas meias garrafas o tonel é atestado com igual quantidade de um vinho jovem de qualidade excepcional. Tendo em conta o escassíssimo número de meias garrafas enchidas ao longo dos quase três séculos de vida do vinho, podemos asseverar que o vinho original corresponde a mais de 95% do volume do tonel. Nenhum vinho tinto conseguiria sobreviver metade deste colossal ciclo de vida.
Porém, e apesar da magnificência de muitos vinhos brancos, apesar de os vinhos se adaptarem com facilidade a todas as estações do ano, o consumo dispara durante os meses de Verão, durante o período estival que se avizinha. Com ou sem razão, é no Verão que o vinho branco ganha verdadeiro protagonismo, sobrepondo-se à paixão pelo vinho tinto mantida durante o resto do ano. Essa maioria privilegia os vinhos mais fáceis e frescos, vinhos que proporcionem essa sensação de leveza e simplicidade que procuramos quando o calor aperta.
Poucas regiões conseguem satisfazer melhor esta causa que a região do Vinho Verde, denominação capaz de proporcionar vinhos minerais, frescos, tensos e com baixa graduação alcoólica. Claro que a região não se resume a vinhos simples e directos, sendo capaz de produzir alguns dos vinhos brancos mais sérios e complexos de Portugal. Mas é igualmente capaz de encantar no capítulo dos vinhos descomplexados, proporcionando alegria e viço. Num estilo relativamente semelhante, a região de Lisboa institucionalizou o género “vinho leve”, com direito a designação protegida, vinhos de baixa graduação alcoólica muito leves e prazenteiros que poderão ser irrepreensíveis durante os meses de estio.
Mas as facilidades estendem-se igualmente à Península de Setúbal, onde o Moscatel, tanto na versão extreme como em combinação com outras castas, pode fazer maravilhas, dando azo a vinhos apetecíveis e fáceis. A Bairrada, nomeadamente quando o protagonismo é cedido à casta Maria Gomes, também facilita vinhos perfeitos para o Verão, vinhos descomprometidos e de entendimento fácil, de apelo imediato e frescura garantida pela acidez tradicional da região. Embora sejam pouco conhecidos no continente, os vinhos regionais madeirenses são tal-qualmente perfeitos para acompanhar os meses de calor, sobretudo quando assentes na casta Verdelho e elaborados por produtores que não sintam medo de expressar a acidez natural da ilha da Madeira.