São uma espécie de primos e irmãos, que ora se fundem ora se repelem. O vinho e o chocolate são produtos cuja grande riqueza está na diversidade, quase sempre marcada pelos lugares que lhes dão origem. Os terroirs, como dizem os especialistas. A força aromática, texturas, estrutura e complexidade são características que lhes definem a identidade e até na forma de as apreciar e descobrir os caminhos são gémeos. Daí que uma prova que junte vinhos e chocolates é sempre um desafio enriquecedor e estimulante.
Foi por iniciativa da Poças Júnior, companhia que desde 1918 se dedica à produção de vinhos do Porto, que se juntou, nas suas instalações, um conjunto de interessadas cobaias, precisamente à procura de novos estímulos e sensações. A ideia passava por testar a combinação de alguns vinhos da casa com os produtos da Hotel Chocolat, uma empresa britânica que também há muito se dedica à produção e comercialização de chocolates.
As duas companhias mantêm desde há dois anos uma estreita colaboração, da qual já resultou a elaboração de dois vinhos do Porto, um Tawny e um Ruby, para venda exclusiva na rede de lojas da Hotel Chocolat e associada e a chocolates específicos.
Além de jornalistas com rotinas de prova, o grupo incluía ainda o chef Hermínio Costa (restaurante Egoísta), cozinheiro de grande sensibilidade, a experiente marketeer Ivone Ribeiro (Garage Wines) e também os responsáveis da Poças pelas áreas da comercialização e enologia, Pedro e Jorge Pintão.
Para lá da clássica harmonização, o desafio passava pela procura de novos estímulos e sensações que a conjugação dos dois produtos pudesse proporcionar. Ou seja, algo que fosse para além da harmonia entre as características dos dois produtos, mas que resulte em novas e diferentes sensações. O chocolate, explicaram, deve ser quebrado de um golpe, com a ponta dos dedos, para que se libertem os aromas que são fundamentais na sua apreciação.
De início, os sabores mais leves e adocicados, com chocolates onde predomina o leite elaborados com cacaus provenientes de plantações em Java e no Equador. Começou-se com um Equador, com 70% de leite, cacau intenso e profundo, aroma suave a café torrado e apenas 16% de açúcar. Testou-se com dois Tawny de diferentes idades (10 e 40 anos) e a experiência é absolutamente estimulante.
Exemplar a forma como dois vinhos da mesma linhagem podem encerrar tanta diferença, consoante o grau de evolução. O mais curioso é constatar que, no caso do mais novo, há como que um efeito de integração e fusão, enquanto com o mais velho vinho e chocolate como que nem sequer se tocam.
Com o Tawny 40 anos, vinho e chocolate como que se digladiam. A sensação de boca é que primeiro só se sente o vinho, como que come o chocolate, sendo que este acaba por sobreviver e reaparece depois para se impor sobre o vinho. Precisamente o contrário do que aconteceu com a personalidade do Tawny 10 anos. Primeiro evidencia-se com a força dos aromas da sua juventude, para se envolver em seguida com o chocolate, como que explodindo em novos sabores e sensações. Notas de toranja, tangerina e raspas de casca de laranja que em ambos eram insuspeitas antes do casamento.
Uma espécie de magia criativa que se manifestou depois também no cruzamento entre o LVB 2009 e um chocolate 80% preto à base de cacau produzido no delta do Mekong, no Vietname, que se caracteriza pela evidência de aromas e sabores de frutos vermelhos. Da conjugação salta um sabor mentolado, longo e estimulante, que antes não existia.
Interessante foi perceber também como funcionava este chocolate, não com um vinho do Porto mas com o DOC Douro Vale de Cavalos, igualmente caracterizado pela sedução das sensações de frutos vermelhos. Chocolates amargos deveriam, em princípio, funcionar com o tanino do vinho, também ele um elemento amargo. A questão é que a ausência de doçura abafa a fruta, que desaparece, e com ela toda a sedução que antes existia tanto no vinho como no chocolate.
Doçura é fundamental
E nem mesmo com um vinho mais rico e estruturado como o Símbolo 2010, que se cruzou a seguir com um chocolate 100% preto oriundo do Equador. Seco, terroso e intenso, com o efeito de desestruturar o vinho. Como que o decompõe, mostrando na boca todas as suas características mas de uma forma desgarrada, sem ligação entre si.
Estimulante, pelo contrário, a associação deste mesmo chocolate com o Porto Vintage 2011. Uma harmonia clássica onde tudo parece perfeito e estar no seu sítio.
Outra constatação foi a de que um vintage mais novo como o de 2011, que preserve mais fruta e açucares, funciona melhor no cruzamento com o chocolate que o extraordinário vintage 2006. Mesmo que o chocolate seja fresco, macio e convidativo como era o Pichanaki 100% preto originário do Peru.
Apesar das diversas sensibilidades, no final todos concordavam que foi com o Tawny 10 anos e com o Vintage 2011 que se fizeram as mais vibrantes e estimulantes combinações. O primeiro para os chocolates menos densos, o segundo para os mais opulentos e complexos. Clássicas e perfeitas as associações com o LVB 2009 e também com o Vintage 2006, um vinho que está fabuloso mas para o qual o chocolate já não é a sua praia.
Em jeito de conclusão, há que concordar que para o confronto com os chocolates mais secos e amargos, doçura é fundamental. É por isso que os vinhos de mesa dificilmente poderão entrar neste tipo de campeonato.
Pelo meio, e em jeito de provocação de enólogo, Jorge Pintão ainda introduziu o seu Porto Pink, na conjugação com os chocolates com características mais frutadas. Apesar da falta de consenso, serviu para mostrar que o vinho do Porto precisa de coisa novas como os Pink e os Tónic para atrair novos consumidores. “O Douro é um comboio cuja locomotiva é vintage e os Porto; as carruagens são os vinhos do Douro, mas são precisos os Pink e Tonic para abrir novas portas de entrada”, sintetizou Jorge Pintão.