Fugas - Vinhos

  • PEDRO GRANADEIRO/NFACTOS

A que pode saber o cruzamento entre chocolates e vinho do Porto?

Por José Augusto Moreira

Há casos em que os dois produtos se digladiam, mas há também uma espécie de saborosa magia criativa nas combinações com os Tawny 10 anos e o Vintage 2001 da Poças Júnior.

São uma espécie de primos e irmãos, que ora se fundem ora se repelem. O vinho e o chocolate são produtos cuja grande riqueza está na diversidade, quase sempre marcada pelos lugares que lhes dão origem. Os terroirs, como dizem os especialistas. A força aromática, texturas, estrutura e complexidade são características que lhes definem a identidade e até na forma de as apreciar e descobrir os caminhos são gémeos. Daí que uma prova que junte vinhos e chocolates é sempre um desafio enriquecedor e estimulante.

Foi por iniciativa da Poças Júnior, companhia que desde 1918 se dedica à produção de vinhos do Porto, que se juntou, nas suas instalações, um conjunto de interessadas cobaias, precisamente à procura de novos estímulos e sensações. A ideia passava por testar a combinação de alguns vinhos da casa com os produtos da Hotel Chocolat, uma empresa britânica que também há muito se dedica à produção e comercialização de chocolates.

As duas companhias mantêm desde há dois anos uma estreita colaboração, da qual já resultou a elaboração de dois vinhos do Porto, um Tawny e um Ruby, para venda exclusiva na rede de lojas da Hotel Chocolat e associada e a chocolates específicos.

Além de jornalistas com rotinas de prova, o grupo incluía ainda o chef Hermínio Costa (restaurante Egoísta), cozinheiro de grande sensibilidade, a experiente marketeer Ivone Ribeiro (Garage Wines) e também os responsáveis da Poças pelas áreas da comercialização e enologia, Pedro e Jorge Pintão.

Para lá da clássica harmonização, o desafio passava pela procura de novos estímulos e sensações que a conjugação dos dois produtos pudesse proporcionar. Ou seja, algo que fosse para além da harmonia entre as características dos dois produtos, mas que resulte em novas e diferentes sensações. O chocolate, explicaram, deve ser quebrado de um golpe, com a ponta dos dedos, para que se libertem os aromas que são fundamentais na sua apreciação.

De início, os sabores mais leves e adocicados, com chocolates onde predomina o leite elaborados com cacaus provenientes de plantações em Java e no Equador. Começou-se com um Equador, com 70% de leite, cacau intenso e profundo, aroma suave a café torrado e apenas 16% de açúcar. Testou-se com dois Tawny de diferentes idades (10 e 40 anos) e a experiência é absolutamente estimulante.

Exemplar a forma como dois vinhos da mesma linhagem podem encerrar tanta diferença, consoante o grau de evolução. O mais curioso é constatar que, no caso do mais novo, há como que um efeito de integração e fusão, enquanto com o mais velho vinho e chocolate como que nem sequer se tocam.

Com o Tawny  40 anos, vinho e chocolate como que se digladiam. A sensação de boca é que primeiro só se sente o vinho, como que come o chocolate, sendo que este acaba por sobreviver e reaparece depois para se impor sobre o vinho. Precisamente o contrário do que aconteceu com a personalidade do Tawny 10 anos. Primeiro evidencia-se com a força dos aromas da sua juventude, para se envolver em seguida com o chocolate, como que explodindo em novos sabores e sensações. Notas de toranja, tangerina e raspas de casca de laranja que em ambos eram insuspeitas antes do casamento.

Uma espécie de magia criativa que se manifestou depois também no cruzamento entre o LVB 2009 e um chocolate 80% preto à base de cacau produzido no delta do Mekong, no Vietname, que se caracteriza pela evidência de aromas e sabores de frutos vermelhos. Da conjugação salta um sabor mentolado, longo e estimulante, que antes não existia.

Interessante foi perceber também como funcionava este chocolate, não com um vinho do Porto mas com o DOC Douro Vale de Cavalos, igualmente caracterizado pela sedução das sensações de frutos vermelhos. Chocolates amargos deveriam, em princípio, funcionar com o tanino do vinho, também ele um elemento amargo. A questão é que a ausência de doçura abafa a fruta, que desaparece, e com ela toda a sedução que antes existia tanto no vinho como no chocolate.

Doçura é fundamental

E nem mesmo com um vinho mais rico e estruturado como o Símbolo 2010, que se cruzou a seguir com um chocolate 100% preto oriundo do Equador. Seco, terroso e intenso, com o efeito de desestruturar o vinho. Como que o decompõe, mostrando na boca todas as suas características mas de uma forma desgarrada, sem ligação entre si.

Estimulante, pelo contrário, a associação deste mesmo chocolate com o Porto Vintage 2011. Uma harmonia clássica onde tudo parece perfeito e estar no seu sítio.

Outra constatação foi a de que um vintage mais novo como o de 2011, que preserve mais fruta e açucares, funciona melhor no cruzamento com o chocolate que o extraordinário vintage 2006. Mesmo que o chocolate seja fresco, macio e convidativo como era o Pichanaki 100% preto originário do Peru.

Apesar das diversas sensibilidades, no final todos concordavam que foi com o Tawny 10 anos e com o Vintage 2011 que se fizeram as mais vibrantes e estimulantes combinações. O primeiro para os chocolates menos densos, o segundo para os mais opulentos e complexos. Clássicas e perfeitas as associações com o LVB 2009 e também com o Vintage 2006, um vinho que está fabuloso mas para o qual o chocolate já não é a sua praia.

Em jeito de conclusão, há que concordar que para o confronto com os chocolates mais secos e amargos, doçura é fundamental. É por isso que os vinhos de mesa dificilmente poderão entrar neste tipo de campeonato.

Pelo meio, e em jeito de provocação de enólogo, Jorge Pintão ainda introduziu o seu Porto Pink, na conjugação com os chocolates com características mais frutadas. Apesar da falta de consenso, serviu para mostrar que o vinho do Porto precisa de coisa novas como os Pink e os Tónic para atrair novos consumidores. “O Douro é um comboio cuja locomotiva é vintage e os Porto; as carruagens são os vinhos do Douro, mas são precisos os Pink e Tonic  para abrir novas portas de entrada”, sintetizou Jorge Pintão.

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