Fugas - Vinhos

  • A juntar às notas cítricas e minerais, todos os vinhos apresentam carácter seco, fresco e intenso
    A juntar às notas cítricas e minerais, todos os vinhos apresentam carácter seco, fresco e intenso
  • Vinhas na ilha do Pico
    Vinhas na ilha do Pico Miguel Manso

Preciosos brancos dos Açores ainda pouco conhecidos

Por José Augusto Moreira

Aos históricos verdelhos do Pico junta-se agora uma nova geração de vinhos de carácter fresco, tenso e mineral. Falta-lhes apenas quebrar o efeito de insularidade para o merecido reconhecimento.

Será preciso recuar mais de cinco séculos para se conhecer toda a história dos vinhos do Pico, mas bastam apenas os últimos cinco ou seis anos para se perceber que tudo mudou e se abre agora um novo e promissor caminho para os brancos dos Açores. É claro que continuam a produzir-se os históricos Verdelho — vinhos únicos no mundo e autênticos fenómenos da natureza pela conjugação de elevados teores de álcool, açucares e acidez —, mas a recuperação de vinhas e os conhecimentos e cuidados enológicos que têm sido adoptados nos últimos tempos estão a dar origem a novos vinhos de mesa de qualidade e perfil singulares. Falta-lhes apenas quebrar o efeito da insularidade para o merecido reconhecimento.

É para mostrar a evolução e o contexto específico em que são criados os vinhos que os responsáveis locais promovem o Taste in Adegas, uma iniciativa que pelo segundo ano consecutivo convida a população e visitantes da ilha a provarem os vinhos e uma série de petiscos que lhes são associados, no ambiente único das adegas do Pico.

Antes de mais, há que esclarecer que entre os muitos encantos da ilha as tradicionais adegas têm um lugar muito especial. Desde logo porque vão muito além da função de produção e armazenamento de vinhos, sendo antes as verdadeiras salas de visitas dos picarotos, para onde invariavelmente arrastam amigos e visitantes. Muitas delas até já dissociadas da actividade vinícola e convertidas em espaços de férias e lazer, mas sempre vocacionadas para a apreciação dos vinhos, aguardentes e licores, em conjugação com as famosas sopas de peixe e outras preciosidades da tradição petisqueira local.

E nem só os vinhos e petiscos se deram a conhecer durante o passado fim-de-semana. Também espaços como o da Adega Buraca, onde o seu histórico Verdelho, aguardentes e licores partilham agora o ambiente com diversas salas musealizadas que dão conhecer todas as tradições, instrumentos, vestuários e acessórios ligados à longa história dos vinhos do Pico.

Tudo apenas com materiais locais, porque as ilhas açorianas foram também durante séculos uma história de isolamento. “Até pau de louro se chegou a usar para fazer pipas”, como explicou o orgulhoso Leonardo Silva, por entre cascos de várias dimensões e montados com diversos tipos de madeiras. É ele quem gere o secular negócio herdado da família, a que associou agora o enoturismo num claro exemplo da confiança que os locais depositam na evolução das actividades ligadas ao vinho e à sua produção e comercialização.

Também Fortunato Garcia, produtor do Czar, o outro histórico vinho do Pico, se associou à iniciativa, tal como os produtores responsáveis por todos os brancos certificados da ilha. Nove vinhos que, apesar das limitadas produções, bem mostram já todo o potencial de um terroir que, além de único no mundo, conjuga características de acidez e amadurecimento absolutamente invulgares.

Frescos e intensos

Os vinhedos crescem por entre pedra basáltica, muitos deles plantados mesmo nas fendas da rocha vulcânica e na proximidade do mar. É nesta conjugação entre o carácter quente do sol e da frescura marítima que se desenvolve a planta, a par das fracas variações de temperatura que lhe criam um muito específico microclima. O calor acumulado pelas rochas ao longo do dia equilibra o arrefecimento nocturno, ao mesmo tempo que provoca um fenómeno de condensação que a planta aproveita para se alimentar e regenerar.

A juntar às notas cítrica e marcadamente minerais, todos os vinhos apresentam  carácter seco, fresco e intenso. Ao aperfeiçoamento generalizado dos vinhos não é alheio o contributo de enólogos experientes e reconhecidos como Paulo Laureano, Anselmo Mendes ou António Maçanita, que têm trabalhado com alguns dos produtores açorianos. Em conjunto com a Comissão Vitivinícola Regional, Maçanita tem vindo a desenvolver um plano de recuperação da casta Terrantez do Pico, que estava em vias de extinção e da qual existiam já apenas à volta de uma centena de exemplares. É com ela que elabora um varietal de excepção e cuja degustação constitui toda uma experiência: seco e salino, cruza sensações de umami com frutos tropicais e até de algum tanino. A colheita de 2013 está no mercado por cerca de 40€, e não é só pela raridade. Do mesmo enólogo ainda outro varietal, de Arinto dos Açores, por cerca de metade do preço mas com a mesma intensidade mineral, salinidade e persistência de boca que o diferenciam.

Na mesma linha também os vinhos Ínsula e Curral Atlantis da mesma casta, igualmente de produções limitadas e que dificilmente se encontram fora da distribuição do arquipélago. Quanto a varietais, preciosos também os Verdelho Curral Atlantis e Cancela do Porco, com a particularidade de este último ser todo consumido no restaurante Ancoradouro, na vila da Madalena, que pertence ao produtor do vinho. Mas nem só por isso valerá a pena a visita, já que se trata da melhor casa do Pico, e provavelmente de todo o arquipélago.

É na associação entre o Verdelho e o Arinto dos Açores que se encontram os vinhos de maior consumo na região, de que o Curral Atlantis é um dos melhores exemplares. Juntando ainda um pouco de Terrantez do Pico, o Frei Gigante é de longe o vinho mais apreciado no arquipélago. A colheita de 2013, que agora provámos, supera claramente todas as anteriores, confirmando a perspectiva da enóloga, que apontava para a melhor colheita das últimas décadas.

Maria Álvares é responsável pela enologia da Adega Cooperativa do Pico, de onde saiu também este ano um surpreendente Terras de Lava, com um lote que mistura o Arinto dos Açores com Fernão Pires, Generosa e várias outras castas que existem pela ilha em escassas quantidades. Um vinho limpo, fresco e muito delicado, que cativa pela elegância e secura finais.

Apesar da crescente afirmação e evidente qualidade dos brancos do Pico, a questão é que grande parte da produção na ilha é ainda de tintos, manifestamente sem pé para andar em termos de produto. E o problema tem até uma dupla vertente, já que ao típico e tradicional vinho de cheiro se juntam vinhas recentes plantadas com algumas das mais castas internacionais. Já proibido em todo o lado, o vinho de cheiro resulta do encepamento americano, feito no final do século XIX na sequência da praga da filoxera. Além de ainda muito apreciado — apesar da qualidade abaixo do mínimo —, a questão nos Açores reveste-se de características culturais, já que é também muito utilizado como condimento em muitos do cozinhados tradicionais.

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