Colares foi uma das regiões vitivinícolas que mais cresceram em Portugal nos últimos anos. A área de vinha passou de mais ou menos oito hectares para 12 a 15 hectares! Não é uma brincadeira. Existir ainda vinha em Colares é, por si só, algo admirável, porque estamos a falar de um lugar sujeito a enorme especulação imobiliária e onde fazer viticultura é tarefa de titãs.
Resistir à fúria dos ventos marítimos e ao poder corrosivo das partículas de sal e extrair vinho da areia é uma heróica teimosia que perdura desde a chegada dos árabes a Sintra. Heróica porque, além de terem de lutar contra os elementos, os viticultores têm que suportar elevados custos de plantação e manutenção para obterem produções inferiores a duas toneladas por hectare. O primeiro grande desafio começa com a plantação. Esta exige que, numa primeira fase, seja retirada a areia até ser encontrado, a vários metros de profundidade, o solo argiloso, onde as varas são “unhadas” (entaladas na argila para enraizarem). As videiras crescem horizontalmente, coladas ao chão, num rendilhado de madeira, e são protegidas da influência marítima através de paliçadas de cana seca e muros de pedra solta. É muito trabalho para tão pouco vinho.
A zona demarcada de Colares compreende a praia da Adraga, parte de Almoçageme e Colares, Mucifal, Banzão, Rodizio, Azenhas do Mar, Fontanelas, Magoito, Casal de Pianos e praia da Samarra. Toda esta área foi um dia tomada pelo mar e com o recuo das águas marítimas sobraram terrenos cobertos de areia. Os vinhos de Colares, provavelmente sucedâneos dos vinhos da Azóia (Cabo da Roca), famosos em toda a Europa na Idade Média, devem a sua notoriedade e existência à casta tinta Ramisco, que terá sido introduzida na região no século XIII por ordem do rei D. Afonso III, talvez trazida de França.
É uma casta que origina vinhos de baixo teor alcoólico, com alguma complexidade aromática e bastantes taninos, cuja adstringência se vai esbatendo com o estágio em madeira e em garrafa. Para diminuir a sua agressividade, o regulamento da Região Demarcada de Colares permite a incorporação de 20% de outras castas da zona, de preferência Molar e João Santarém. Nos vinhos brancos, a casta principal é a Malvasia de Colares.
Cresceu graças à filoxera
O apogeu desta região começou a desenhar-se com a chegada a Portugal da filoxera, o insecto que, ao atacar a raízes das videiras, dizimou grande parte dos vinhedos do país. Antes mesmo de a praga ter sido controlada com a importação de porta-enxertos americanos, imunes ao insecto, verificou-se que as castas instaladas em chão de areia resistiam à filoxera, o que levou ao incremento da viticultura em Colares.
No início do século passado, quando o rei D. Manuel II concedeu a Colares o estatuto de região demarcada (1908), a área plantada de Ramisco rondava os dois mil hectares. Hoje, só restam os tais 12 a 15 hectares (os valores variam consoante se conte ou não toda a área afecta à vinha, como os muros de pedra). A produção anual é pouco superior aos 20 mil litros e está concentrada em quatro produtores: Adegas Beira Mar, Adega Regional de Colares, Adega Viúva Gomes e Fundação Oriente. O engarrafador oficial é a Adega Regional de Colares, que fornece a maioria do vinho.
É tudo feito numa escala liliputiana, mas basta provar os vinhos para percebermos a grandeza e singularidade de Colares. É um caso único no universo vitivinícola nacional. Os vinhos de Colares – que Eça de Queirós considerava “os mais franceses” do reino – são raros e inconfundíveis. Aos brancos, salgados e de acidez viva, não há enófilo que fique indiferente. Os melhores são mesmo extraordinários.
Aos tintos, menos consensuais, é necessário dar-lhes tempo e ter gosto por vinhos pouco alcoólicos, frescos e bastante tânicos, sobretudo em novos. Provar um Ramisco com quatro ou cinco anos é capaz de causar algum desconforto, mas beber um Ramisco bem apurado pelo tempo, com algumas décadas, pode ser uma experiência exaltante e inesquecível. O Viúva Gomes 1934, por exemplo. No nariz, já não mostra muito: alguma especiaria, uma ou outra nota mais química. Porém, na boca ainda revela garra tânica, frescura e subtilezas que só o cinzel do tempo pode criar. Não há muitos vinhos tintos tranquilos no mundo que consigam aguentar-se assim, vivos e inteiros, durante tantos anos. Colares resiste porque os seus vinhos resistem. É a teoria de Darwin aplicado ao vinho.
DEZ VINHOS, UMA REGIÃO
Em dez vinhos e menos de uma hora prova-se toda a região de Colares (não todas as colheitas, claro). Cinco brancos e cinco tintos, com preços que variam entre os 25 e os 30 euros, são o que o consumidor pode encontrar no mercado das colheitas mais recentes. Raridades, portanto.
Os brancos
Casal Sta. Maria Malvasia 2011
Notas de frutos secos, mel, algum tostado da madeira, grande austeridade e secura, acidez pungente, toque salgado delicioso. Um vinho extraordinário.
Fundação Oriente 2012
Um belo branco da Fundação Oriente, a entidade que mais tem investido na recuperação das vinhas de chão de areia de Colares. Nesta fase, lembra um fino de Xerês, seco, salgado e vivo, mas não tão vivo e fresco como o Casal Sta. Maria, por
exemplo.
Viúva Gomes 2011
Um grande vinho com um rótulo lindíssimo. Um verdadeiro ícone de Colares. Passou seis meses em barrica de madeira exótica. Possui uma acidez fantástica e
tudo o resto que caracteriza os brancos da região: nervo, toque salgado, mineralidade, corpo enxuto e austero.
Arenae Malvasia 2011
Branco da Adega Regional de Colares cujo vinho base está na origem da quase totalidade dos brancos da região (o que muda de casa para casa é o tipo de estágio que é dado ao vinho). É magnífico, embora não cause tanto impacto como Casal Sta.
Maria ou o Viúva Gomes.
Monte Cascas Malvasia 2011
Um Colares original criado pela empresa Casca Wines a partir de uvas compradas a pequenos produtores. As uvas são prensadas suavemente e sujeitas a um processo de hiperoxigenação controlada. O mosto decanta a frio e fermenta depois totalmente em barricas usadas de carvalho francês, a que se seguem 11 meses de batonnage. O método contraria a tradição local e o vinho também foge um pouco do perfil da região, apesar da sua soberba acidez e textura salgada. Tem mais ou menos o mesmo volume alcoólico dos outros (11,5%), mas é mais gordo e estruturado. Possui potencial para durar muitos anos. Custa 35 euros, mas vale-os bem.
Os tintos
Arenae Ramisco 2006
O vinho base deste Arenae alimenta todos os engarrafadores da região. Feito pelo processo clássico de curtimenta, com desengace de 70% das uvas, fermenta primeiro em cubas de inox e estagia depois em grandes tonéis, numa primeira fase, e em barricas mais pequenas, numa fase posterior. O aroma está pouco efusivo (tem as notas típicas de ginja, resina de cedro e algum iodo) e o que marca a prova ainda é a agressividade dos taninos, a par de uma acidez volátil alta, também típica dos tintos de Colares (dizem que a volátil do Ramisco já nasce com as uvas). Com o tempo, os tintos de Ramisco tendem a refinar e a ganhar um bouquet mais rico, ao mesmo tempo que vão ficando mais elegantes e suaves.
Colares Chitas 2006
Tinto de Ramisco (90%) feito a partir do vinho base da Adega Regional de Colares ao qual o produtor Paulo da Silva junta um pouco de vinho próprio das castas Molar e Parreira Matias. Além de diferenciarem o vinho, estas duas castas amaciam um
pouco os taninos do Ramisco e ajudam a antecipar o seu consumo. Já se pode beber sem fazer cara feia.
Casal de Sta. Maria Ramisco 2006
Vinho da Adega de Colares com fermentação e estágio diferentes. Está mais complexo, tanto no nariz como na boca. Termina cheio de garra e de frescura. Promete.
Viúva Gomes 2006
Está na linha do Arenae, de que descende, embora apresente uma fruta mais viva e cintilante.
Fundação Oriente Ramisco 2009
Provém de uvas próprias e é o mais novo, o mais maduro, o mais ácido, o mais macio, o mais moderno e o mais apetecível de todos nesta fase.