Fugas - Vinhos

Paulo Pimenta

Quinta da Touriga-Chã, uma das histórias mais apaixonantes do Douro

Por Rui Falcão

A Quinta da Touriga-Chã encerra em si própria parte substancial das fundações históricas do Douro.

Porque falar da Quinta da Touriga-Chã é igualmente falar de uma das histórias mais apaixonantes do Douro, é também falar da Ramos Pinto, de um par de homens geniais que desbravaram uma região até muito recentemente adversa e inóspita. É sobretudo falar de homens visionários que encontraram no Douro a sua quimera pessoal desbravando uma natureza hostil que transformaram em terra prometida.

Apesar de quem hoje dar a cara pela Touriga-Chã ser Jorge Rosas, filho de José Rosas e bisneto de Adriano Ramos Pinto, fundador da casa homónima, a história da quinta começou com seu pai, José Ramos Pinto Rosas, mais conhecido na região sob o nome coloquial de “papa do Douro” tal a sua importância para o desenvolvimento e reconhecimento da região. Na verdade a história desta aventura começou com uma outra quinta, a Ervamoira, propriedade que entretanto se tornou famosa pelas mãos da Ramos Pinto.

José Ramos Pinto Rosas ficou célebre por ter sido um dos precursores do estudo da viticultura no Douro, por ter sido um dos primeiros a aperceber-se da importância primordial do conhecimento das castas do Douro, por ter sido um dos pioneiros no reconhecimento da importância fundamental da matéria-prima para a qualidade do vinho.

Foi um dos pioneiros no estudo das castas durienses mas a sua investigação não se limitou à observação das variedades existentes. Investigou e propôs alternativas para a mecanização da vinha, trabalhou no estudo de porta-enxertos, sugeriu formas alternativas de condução da vinha.

Foi igualmente um dos principais instigadores para o avanço na sub-região do Douro Superior, à época uma área inóspita, agreste, distante e quase abandonada do Douro. Passou meses debruçado sobre cartas topográficas da região perscrutando os mais leves detalhes, acompanhando as curvas de nível, exposições e orientações, analisando com olho clínico quais as áreas ideais para iniciar um projecto na região.

Depois de muitas horas, muitos dias e muitos meses a olhar para cartas topográficas encontrou o local idílico que procurava, aquela que se chamou Quinta da Ervamoira. Poderá parecer inacreditável mas a Quinta da Ervamoira foi realmente descoberta pela simples análise de cartas topográficas.

Para infortúnio de José Ramos Pinto Rosas a quinta não estava à venda. Vender terra era nesses tempos considerado como um pecado capital. Apesar da insistência a quinta não era negociável. Fascinado pela quinta, José Ramos Pinto Rosas chegou a disfarçar-se de pescador, acompanhado pelo actual mandatário da quinta, o filho Jorge Rosas, só para a estudar de perto.

A revolução de 25 de Abril de 1974 acabou por proporcionar a grande oportunidade de compra concretizada em pleno verão quente. Apesar do enorme risco de celebrar um negócio desta dimensão em plena revolução, tratando-se sobretudo de uma quinta do Douro Superior que à época distava dez horas de viagem do Porto, a negócio avançou.

As vicissitudes da vida implicaram que a empresa da família, a Adriano Ramos Pinto, viesse mais tarde a ser vendida a uma empresa francesa especializada em Champanhe, o grupo Roederer.

Apesar dos seus 72 anos de idade José Ramos Pinto Rosas não desistiu e voltou a procurar por uma quinta nova na mesma região. Desenterrou as cartas topográficas do armário, estudou-as afincadamente e, tal como tinha feito com a Ervamoira, voltou a encontrar uma quinta muito especial perto de Vila Nova de Foz Côa. Após uma vida intensa e recheado de peripécias, José Ramos Pinto Rosas voltou a encontrar energia para desbravar de novo um território mal explorado do Douro.

Preferiu desta vez uma quinta situada a uma cota um pouco mais alta, a sensivelmente 350 metros de altitude. Tentou conciliar o melhor de dois mundos socorrendo-se de uma altitude que permitisse obter o melhor compromisso possível entre maturação e frescura. Tal como o tinha feito na Ervamoira chegou a um local sem vinha e sem tradição na produção de vinho. Sabendo que a aposta de produção iria comprometer a próxima geração chamou o seu filho Jorge Rosas e família inquirindo sobre as motivações da próxima geração e sobre o interesse do filho pela quinta. A resposta entusiasta levou à concretização do negócio e à plantação da vinha subsequente.

Uma vinha que foi plantada de forma pioneira e pouco convencional para a época, em 1991, dividida por castas e quase em extreme com larga predominância para a Touriga Nacional e uma relevância menor para a Tinta Roriz. Por estar quase dependente da Touriga Nacional a quinta foi baptizada com o nome de Touriga-Chã. Acrescentaram-se ainda uns quantos pés de castas menos habituais, sal e pimenta que ajudam a condimentar o lote dos vinhos da Touriga-Chã.

Não é difícil sentir o amor que Jorge Rosas sente pela quinta, pelas vinhas e pelos vinhos, pela paisagem, pela herança, pela adega de estética apuradíssima e traços simples que já ganhou prémios de arquitectura.

Hoje a Quinta da Touriga-Chã pode orgulhar-se de produzir dois vinhos cobiçados apesar de ainda relativamente desconhecidos do grande público, o Quinta da Touriga-Chã e o Puro, vinhos cheios e musculados mas de extraordinário equilíbrio e distinção, vinhos harmoniosos e elegantes, consistentes e constantes. Vinhos finos e elegantes no nariz, atléticos e tensos na boca, vinhos que se alimentam da dicotomia entre nariz e boca, entre um universo de suavidade e doçura e um mundo de potência e vigor.

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