Fugas - Vinhos

David Guimaraens, herdeiro de uma longa tradição de enologia

David Guimaraens, herdeiro de uma longa tradição de enologia Adriano Miranda

Os novos tempos antigos da Fladgate

Por Manuel Carvalho

Firme e hirta, a dona de marcas como a Taylor’s ou a Fonseca mantém a sua devoção ao vinho do Porto e quer mudanças institucionais para pôr fim ao “privilégio” dos DOC Douro.

A Fladgate Partnership, que controla marcas emblemáticas do vinho do Porto como a Taylor’s, a Croft ou a Fonseca Guimaraens, tem uma visão singular sobre o seu futuro. Ao contrário das suas principais rivais, insiste em manter a sua actividade nos Porto de qualidade superior, deixando à margem qualquer ambição de entrar nos DOC Douro.

Para o conseguir, muniu-se de um saber nas áreas da viticultura e em competências na área da enologia que estão na vanguarda do sector, não apenas em Portugal, mas também a nível internacional. Mas a empresa sabe que o caminho que seguiu é estreito e exige reformas institucionais no Douro e no vinho do Porto paras as quais será difícil encontrar aliados.

O universo empresarial do vinho do Porto sofreu uma profunda mudança na última década e Adrian Bridge, o líder da Fladgate Partnership, acredita que a consolidação do sector “está quase no fim”. Hoje resistem cinco grandes conglomerados, a Fladgate, os Symington, a Porto Cruz, Sogrape e Sogevinus e uma rede de seis empresas de dimensão muito inferior – a Noval, Niepoort, Ramos Pinto, Rozés, Poças Júnior e Andresen.

O que agora vai acontecer em Gaia passará, essencialmente, pela redução de marcas no mercado, uma vez que “não há possibilidade de fazer marketing com tantas marcas”, afirmou Adrian Bridge num seminário para jornalistas que decorreu no Porto.

As principais mudanças que a Fladgate reclama para o vinho do Porto passam por alterações legais e institucionais no Douro. E, fundamentalmente, na “protecção” que hoje é concedida aos DOC Douro.

Adrian Bridge afirma que, após estes anos de afirmação que levaram os vinhos tranquilos a representar 21% do rendimento da produção vinícola do Douro, está na hora dos DOC deixarem de ser tratados como um filho com direito a cuidados especiais. Os DOC Douro são sujeitos a uma carga fiscal muito menor (a começar pelo IVA) e estão isentos de custos administrativos que a regulamentação actual impõe ao vinho do Douro.

“Uma nova época de ouro”

Para a Fladgate, a coexistência entre os dois vinhos produzidos na região demarcada implica ou uma liberalização do sector do vinho do Porto, ou a aplicação de regras semelhantes às do sistema de benefício (autorizações de produção de vinho do Porto de acordo com regras estritas) aos vinhos tranquilos. Bridge não acredita que a liberalização seja hoje possível. Por isso, admite a necessidade de alargar aos DOC Douro normas de produção e comercialização que reponham as condições de concorrência dos dois vinhos.

Apesar de acreditar que uma série de reformas no sector poderia abrir “uma nova época de ouro”, a Fladgate Partnership não vislumbra no futuro ameaças graves à sua estratégia actual. No ano passado o grupo facturou 59 milhões de euros e este ano a expectativa de crescimento é de 10%. O negócio de vinhos com alto valor acrescentado é a chave do futuro. É para aí que a empresa tem dirigido os seus planos.

O lançamento do Scion, um vinho de 1855 que foi colocado à venda a 2500 euros por garrafa, a aquisição da Wiese & Krohn, uma empresa conhecida pelo seu valioso stock de vinhos velhos, ou a aposta numa viticultura e enologia que combina o saber histórico da região com a ciência fazem parte desses planos.

A moderna geração de vintages das marcas Taylor’s, Croft e Fonseca são o resultado do trabalho de António Magalhães, um viticultor que conhece como poucos a história das vinhas e das videiras durienses, e de David Guimaraens, herdeiro de uma tradição de enologia que vai já na quarta geração.

A Taylor’s desenvolveu um sistema de armação do terreno e de plantação que é capaz de responder às exigências da mecanização mantendo ao mesmo tempo as altas densidades de videiras por hectare como no passado e a preservação da paisagem. É a “Segunda Geração do Socalco Pós-Filoxera”, com a qual as replantações nas vinhas do grupo estão a ser feitas – a área de vinha do grupo ultrapassa os 500 hectares.

A viticultura da Fladgate aposta numa combinação de castas cujo número vai muito para lá das escolhas da viticultura que dominaram o Douro nas últimas décadas. Uma espécie de regresso ao passado. “Nós lemos pouco as memórias dos séculos XVIII e XIX. Muitas vezes andámos a descobrir a roda”, afirma António Magalhães.

David Guimarães divide-as entre as “castas principais” que valem entre 60 e 80% do lote final (a Touriga Francesa, “a casta mais consistente que nós temos”, a Touriga Nacional, a Tinta Roriz e a Tinta Barroca), as “castas diferenciadoras”, que representam entre 20 a 30% do lote (Tinta Amarela, Tinto Cão, Tinta da Barca, que é a ex-libris da quinta de Vargellas, e a Tinta Francisca) e depois há um conjunto de “castas residuais” que apenas afinam o lote (inclui-se aqui o Rufete, a “alentejana” Alicante Bouschet, que era presença habitual nas vinhas pós-filoxéricas – vale perto de 3% das vinhas velhas da quinta da Roeda - ou a mais incompreendida Mourisco).

Os cuidados da viticultura estendem-se à enologia. A fermentação obedece hoje a modelos que exploram as características de cada casta e as relações que estabelecem entre elas nesta fase. É a “co-fermentação” que implica, por exemplo, a junção no mesmo lagar da Touriga Francesa (a equipa da Fladgate usa esta designação em detrimento da hoje mais vulgar “Touriga Franca”), cuja película é dura, com a Tinta Roriz, com uma película mais frágil. Ou da Tinta Barroca com a Tinta Roriz, castas com abundantes antocianinas (a Barroca) e taninos, ingredientes fundamentais para a fixação de cor.

Muitos destes saberes e destas práticas resultam, afinal, da “recuperação do conhecimento empírico”, que a Fladgate Partnership considera condição essencial para produzir um vinho que seja percebido como um bem sofisticado e capaz de reflectir a história, a tradição e a cultura da sua origem. 

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