No final da prova que, pela quarta vez consecutiva em menos de dois anos, reuniu o painel da Fugas, passou pelo ar uma pergunta à qual poucos tiveram dificuldade de responder: haverá no mundo algum país onde se possam beber tantos e tão excelentes vinhos por aproximadamente dez euros? Não há, nem haverá nunca, uma maneira objectiva de encontrar uma resposta para a interrogação, mas a dúvida é por si só suficiente para sublinhar o entusiasmo que a prova de vinhos tintos com preços entre os 8.95 e os 11 euros suscitou entre os provadores.
No final, ganhou o surpreendente (por pouco conhecido) Quinta do Escudial Vinhas Velhas de 2008, uma pequena marca do Dão que tem merecido sucessivos elogios nas páginas da Fugas. Mas, entre todos ficou a certeza de que qualquer um dos vinhos em prova justificava o preço que lhe estava implícito. Ou, por outras palavras, por cerca de 10 euros é possível em Portugal dispor de uma ampla gama de oferta de vinhos tintos capazes de brilhar no mais requintado jantar entre amigos ou, por que não, na sempre exigente ceia de Natal.
Como tinha acontecido em três momentos anteriores, o objectivo da prova semestral da Fugas é registar o estado da arte de alguns dos mais relevantes segmentos do vinho produzido no país.
Na Fugas especial Verão, tratamos de brancos; com o tempo mais frio aquecemos as nossas páginas com propostas de vinhos tintos. Desta vez, regressámos à gama dos dez euros e procurámos explorá-la com base em três requisitos prévios: por um lado as escolhas deviam exprimir a diversidade dos vinhos nacionais, indo ao encontro das ofertas das diferentes denominações de origem (Douro, Dão, etc…); deviam manter um equilíbrio entre vinhos com marcas facilmente identificadas pelos consumidores com outras mais raras ou menos conhecidas; e, terceiro, os vinhos eleitos não teriam como limitação a vindima de um determinado ano, mas seriam a expressão do que é possível encontrar no mercado.
Esta tarefa foi, uma vez mais, cumprida através de um diálogo entre os jornalistas da Fugas e a equipa do El Corte Inglés de Vila Nova de Gaia que trata do vinho. Luís Calvão e Jesus Caridad gerem uma garrafeira reconhecida pela sua variedade e qualidade, mas a sua intervenção neste processo é especialmente valiosa porque são capazes de identificar alguns dos gostos/padrão dos seus consumidores desta gama média/alta do mercado.
Todos os vinhos em prova saíram das prateleiras do supermercado e da Loja Gourmet do El Corte Inglés a preços situados no intervalo fixado previamente, o que não quer dizer que não possam ser encontrados em outras garrafeiras ou supermercados com preços diferentes. Assim, principalmente os leitores do Porto e de Lisboa (onde há lojas da cadeia), podem facilmente replicar a prova organizada esta semana pela Fugas.
Como acontecera na última edição com vinhos brancos, a prova foi dividia em dois momentos: de manhã, a seco, e ao almoço, com comida. Em ambos os casos a prova foi cega e os vinhos sujeitos a dois momentos de pontuação. A ideia é explorar a sensação cada vez mais consensual de que um determinado vinho tem um valor sem comida e outro, por vezes completamente diferente, com comida.
A experiência mostra que, de manhã, sem o palato tomado de assalto pelos condimentos ou pela gordura da refeição, os vinhos mais planos, mais redondos têm mais facilidade em impor-se; com o almoço, alguns exemplares que haviam evidenciado um grau maior de acidez ou uma maior rugosidade de taninos ficam a ganhar no confronto com a comida. Uma vez mais, a tese de que a sensibilidade dos provadores varia com e sem comida ficou comprovada.
O painel voltou a contar com os “suspeitos do costume”, mas desta vez teve uma estreia absoluta: Joe Álvares Ribeiro, administrador do grupo Symington, que, além de provar, desempenhou as funções de anfitrião. Regressaram às lides Luís Costa, jornalista da RTP, Ivone Ribeiro, com anos de provas no sector e proprietária da garrafeira Garage Wine, em Matosinhos, Beatriz Machado, Mestre em Ciências de Viticultura e Enologia pela Universidade da Califórnia e directora de Vinhos do Hotel The Yeatman, em Gaia, Álvaro Van Zeller, enólogo e produtor de vinho e Lígia Santos, a primeira vencedora do Masterchef Portugal e proprietária da empresa Mastercook. Pedro Garcias e José Augusto Moreira remataram o painel de provadores em representação da Fugas.
Nesta edição, a prova mudou de lugar e realizou-se no restaurante Vinum, nas caves Graham’s, em Gaia, que o grupo Symington reconverteu para o turismo. As fichas de prova obedeceram ao modelo da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho), com uma pontuação entre os 0 e os 100 pontos. Os copos utlizados foram da Riedel, modelo Touriga Nacional. O almoço consistiu em entradas variadas (alheira, salada com queijo chèvre, nozes e maçã, croquetes de cogumelos) e o prato principal foi um estufado de rabo de boi, com cozedura longa. Todos os vinhos foram antecipadamente abertos e confirmado o seu bom estado.
Com dois vinhos do Douro, dois do Alentejo e um do Dão, Bairrada, Tejo, Lisboa e Península de Setúbal em prova pautou-se por um razoável equilíbrio. O que quer dizer que todos os vinhos variavam entre o muito bom e o excelente.
O vencedor foi, já se escreveu, um Dão Vinhas Velhas, feito com as castas Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen e Tinta Roriz. E foi-o nos dois momentos da prova: com e sem comida. Surpreendentemente (ou não), o Herdade de Portocarro, da Península de Setúbal, conquistou o segundo lugar. Nos comentários à prova, o painel apreciou a sua complexidade e equilíbrio – é um vinho de 2009, com boas notas de evolução e maturação. Curiosamente, este vinho foi relativamente melhor avaliado a seco do que no momento da refeição.
Com a Herdade dos Grous a ocupar o terceiro lugar, o Douro, que vencera a anterior edição da prova, ficou nesta série remetido para a quarta posição – o Duorum de 2012, que o Pacheca Superior de 2011 ficou na oitava. O painel ficou entusiasmado com o aroma intenso do vinho duriense de José Maria Soares Franco no primeiro momento da prova – as suas notas de violeta, intensamente durienses, justificaram a devoção. Mas à hora do almoço o Duorum sucumbiu à sua juventude e rugosidade. É, concluiu o painel, um vinho que há-de mostrar o que realmente vale após dois ou três anos de evolução em garrafa.
Em termos gerais, a maioria dos vinhos subiu de pontuação da prova da manhã para o segundo round com almoço. Foram excepção o Duorum, como se notou, o Herdade dos Grous, o Escudial e o Herdade de Portocarro. A maior subida entre os dois momentos da prova foi conquistada pelo Dory, da região de Lisboa. E a maior descida foi a do Escudial, logo seguida, a curta distância, pela da Herdade de Portocarro.
Como média, o vinho vencedor obteve 77.3 pontos e o menos votado, o Dory, ficou-se pelos 67.5 pontos. Nenhum vinho entre os presentes foi alvo de especial crítica do painel – pelo contrário a qualidade global da prova mereceu, como se disse, razoável consenso.
Fora da agenda, o painel acabou a sessão, já na hora da sobremesa, com um Porto Dow’s Vintage de 1977. Mas, a essa hora, já se estava noutro campeonato. Talvez um dia o painel se aventure numa prova de vinhos do Porto. Talvez.