Fugas - Vinhos

Radek Mica/AFP

Os novos mundos dos vinhos exóticos e improváveis

Por Rui Falcão

Mapa-múndi dos vinhos improváveis: de vinhas a escassa distância da linha polar ártica e um microclima que muito deve a uma central nuclear a vinhas entre coqueiros no Taiti... E outras surpresas

Enquanto sociedade orgulhamo-nos de ser um dos países menos chauvinistas do planeta, assumindo com frequência a postura literalmente oposta de admiradores profundos e idólatras de tudo o que seja ou pareça estrangeiro.

Quando chegamos ao vinho e aos produtos agrícolas primários passamos porém a assumir um estranho e raro comportamento nacionalista assumindo a condição imediata e preconceituosa de “melhores do mundo”. Quando pensamos em vinho lembramo-nos quase instantaneamente do Douro, Alentejo e Vinho Verde, regiões a que alguns juntam a Bairrada, Dão, Vinho do Porto, Vinho da Madeira, Lisboa, Setúbal, Tejo ou restantes denominações nacionais.

Com uma frequência demasiado rotineira sem sequer nos lembramos da existência de outros países produtores de vinho. Quando alertados para esse esquecimento pensamos mais amiúde nos países que nos ficam mais próximos, Espanha, Itália ou França, aqueles com que partilhamos maiores afinidades.

Com algum esforço alguns dos enófilos mais atentos à realidade internacional poderão reconhecer outros países menos conhecidos da actualidade portuguesa lembrando-se que a Alemanha, Áustria, Hungria ou Grécia também produzem vinho, beneficiando frequentemente de uma reputação internacional bem superior à notoriedade nacional. 

Será seguramente difícil que alguém invoque países e realidades mais distantes das que nos cercam alertando para os países produtores do leste europeu e do mediterrâneo, nações como a Eslovénia, Roménia, Bulgária, Chipre ou Croácia.

Para nem falar dos países chamados do novo-mundo, a maioria dos quais no hemisfério sul, países como a Austrália, Nova Zelândia, África do Sul, Chile ou Argentina. Curiosamente países que se instituíram como referências mundiais com índices de reconhecimento bem superiores ao de Portugal, potências internacionais que continuam a mostrar um crescimento e notoriedade verdadeiramente invejáveis.

E surge ainda um trio de países que podem ser já considerados como medianamente exóticos, como a China, Canadá ou Brasil. Poderia até parecer exótico colocar a China neste barco, mas o contexto fica muito menos excêntrico quando descobrimos que a China é o quinto maior produtor de vinho do mundo e que o crescimento continua a revelar números avassaladores.

E não se pense que é apenas uma questão de dimensão do mercado e da população, porque alguns dos vinhos chineses começam também a ganhar medalhas e louvores emocionados em alguns dos concursos de maior reputação mundial.

Mas, será que existe vinho para além desta pequena mão-cheia de países produtores que dominam o mercado mundial? Existirão outros vinhos excêntricos e desconformes com a realidade factual das doutrinas vigentes? A resposta é um rotundo e vigoroso sim. Existem vinhos de todas as procedências e de todos os estilos incluindo algumas paragens insólitas e inimagináveis.

Alguns não passam de simples curiosidades, de excentricidades fruto do entusiasmo e teimosia de alguns visionários. Outros são a consequência de paixões desmedidas ou de imaginativas acções promocionais. Outros, ainda, constituem esforços genuínos para fazer um bom vinho.

Vinhos provenientes de vinhas plantadas em todos os climas possíveis, de paragens tropicais a paisagens geladas, de terras áridas a terras húmidas, de pequenas ilhas a paisagens infinitas, do hemisfério norte ao hemisfério sul… quando não mesmo da linha que divide o equador. Alguns destes vinhos chegam ao ponto de serem produzidos em países ou regiões onde a religião dominante proíbe terminantemente o seu consumo.

A bacia mediterrânica de que estamos tão próximos oferece a primeira surpresa quando nos confrontamos com a existência de vinhos marroquinos, argelinos, tunisinos, libaneses, cipriotas e israelitas. A surpresa pode ser ainda maior quando descobrimos que três dos produtores libaneses conseguiram alcançar um estatuto e reconhecimento internacional de qualidade que os transformou em heróis num nicho de mercado que reúne alguns dos enófilos mais apaixonados do mundo.

Produtores valentes que, mesmo durante o longo e feroz período de guerra civil que devastou o país, nunca chegaram a interromper vindimas ou a produção, inclusivamente quando as suas vinhas, vindimas e adegas foram bombardeadas pelo fogo cruzado que fustigava o vale de Bekaa. As ilhas mediterrânicas também não deixam os seus créditos por mão alheia e países liliputianos como Malta dedicam esforço considerável na elaboração de vinhos diferentes mas aceitáveis.

Apesar dos tabus e da condenação muçulmana inflexível sobre o consumo de álcool, existem produtores no Egipto e Jordânia suficientemente afoitos para elaborar vinho… ainda que em condições filosóficas e materiais longe das ideais. Não serão vinhos extraordinários na qualidade pura, mas são seguramente notáveis pela tenacidade e coragem demonstrada.

A Rússia, esse gigante adormecido, engarrafa hoje quase tanto vinho quanto Portugal, embora muito provavelmente muito desse vinho seja oriundo de países terceiros, desde a Espanha à Moldávia. Moldávia e Ucrânia encontram-se igualmente entre os maiores países produtores do leste europeu, apesar de se ter de tomar com algum cuidado e circunspecção as estatísticas oficiais destes países.

Talvez não seja fácil admitir o facto, mas tanto a Suíça como o Luxemburgo começam cada vez mais a afirmar-se como uma referência internacional nos vinhos de qualidade superior. Apesar de ter ignorado durante anos qualquer esforço para exportar ou dar a conhecer os seus vinhos, a Suíça ganha um reconhecimento cada vez maior pelos seus Pinot Noir, Riesling e Merlot, alguns dos quais, tal a inclinação das encostas das montanhas, têm de ser vindimados com o auxílio de helicópteros.

Como se estas distinções não bastassem, algumas das vinhas suíças fazem parte do grupo muito restrito das paisagens vinícolas identificadas como Património da Humanidade pela UNESCO, tal como o são as paisagens dos vinhos do Pico ou do Douro.

Talvez ainda mais surpreendente seja ouvir que a Bélgica produz vinhos, alguns dos quais bem interessantes, e que a Holanda conta com mais de uma dúzia e meia de produtores registados que se especializaram na produção de vinhos espumantes elaborados próximo das colinas da cidade de Maastricht.

Também a Inglaterra continua a fazer um esforço real para produzir vinhos agradáveis, embora não seja fácil descobrir verdadeiras preciosidades para além dos vinhos espumantes. A produção inglesa, porém, começa a dar cartas nesse mundo tão particular dos vinhos espumantes, recebendo elogios cada vez mais frequentes e arrebatados dos principais líderes de opinião internacionais.

Sei que será difícil acreditar pelo insólito e pela aparente impossibilidade material e natural, mas mesmo países como a Dinamarca já se lançaram na loucura de produzir vinhos. Surpresa das surpresas, até na Suécia e Finlândia se faz vinho, incluindo uma pequena produção de vinho tinto que surpreende pela escassa distância da linha polar ártica. No caso finlandês, a razão para tal milagre deve-se à localização da vinha na vizinhança de uma central nuclear que, graças ao calor das torres de arrefecimento, consegue derreter a neve e criar um microclima que permite o cultivo da vinha a latitudes tão nortenhas.

Mas se quisermos aumentar o grau de exotismo, assinale-se que também se faz vinho na Venezuela, no Peru ou na Bolívia.

Enquanto algumas vinhas venezuelanas permitem a produção de duas colheitas anuais graças ao clima tropical, as vinhas bolivianas esmagam recordes de altitude, chegando a atingir cotas de 3.300 metros acima do nível médio do mar, garantindo assim a sobrevivência da planta em condições semidesérticas. Numa pequena vinha venezuelana, um produtor tentou com sucesso obter três colheitas num só ano. O êxito das primeiras produções foi prontamente esquecido quando as videiras começaram a morrer de exaustão ao fim de pouco mais de cinco anos de produção.

No Uganda, em África, existe uma vinha plantada num dos locais mais improváveis do mundo, directamente na linha do equador. A plantação foi feita por missionários franceses que desejavam assegurar a produção de vinho para a eucaristia das igrejas locais. Por só existirem duas estações climáticas ao longo do ano, a estação seca e das chuvas, a videira acaba por produzir duas colheitas por ano tal como é tradicional nos países de clima tropical. E claro, o rol de países exóticos continua em crescendo quando nos abalançamos para longe da zona de influência europeia e nos dirigimos para a Ásia.

O Japão há muito que tomou a dianteira regional com registos do cultivo da vinha desde o século XIX. Se durante pouco mais de um século o vinho se manteve como um produto exótico, a produção local diversificou-se nos últimos vinte anos, começando a ganhar um protagonismo inesperado. Por sua vez a China despertou para o vinho há menos de uma década mas, como em tudo a que se dedicou durante os últimos quinze anos, o país assegura já o quinto lugar na produção mundial, mostrando um crescimento exponencial que o guiará prontamente ao topo máximo da hierarquia.

Depois segue-se uma lista infindável de paragens ainda mais excêntricas como a Índia, que produz um vinho espumante que a colocou no mapa, a Geórgia, que ganha cada vez mais relevância com o revivalismo dos vinhos produzidos em talhas de barro, a Tailândia, Coreia, Vietname e Camboja, país onde a vinha é plantada em ilhas artificiais de terra e canas que flutuam de forma livre pelo meio dos canais.

A ilha de Taiti e outros pequenos atóis do Pacífico atingem o patamar supremo do exotismo e excentricidade vinícola produzindo vinhos com vinhas plantadas directamente entre coqueiros em duas ilhas atol. Vinhas implantadas em solos arenosos e de conchas plantadas directamente no areal de coral de algumas ilhas paradisíacas.

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