Fugas - Vinhos

  • Adriano Miranda
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Casa da Passarella, a raça e elegância dos históricos vinhos do Dão

Além das vinhas dessa época, a felicidade do enólogo – e de quem prova os vinhos, claro  – está no facto de poder contar com a sabedoria empírica daqueles trabalhadores, ou de seus descendentes a quem naturalmente a transmitiram. Embora reformados, alguns estão ainda activos e é com eles que o enólogo procura interpretar a vinha e os vinhos, tirando também natural proveito das técnicas, equipamentos e conhecimento actuais.

“Foi com um desses homens que ainda há dias conseguimos catalogar as parcelas de vinha velha”, conta. Aos 82 anos, António Domingues, que sempre trabalhou na propriedade conseguiu, a olho e em pouco dias, identificar todas as castas. As cepas lá estão com as braçadeiras de diferentes cores para as identificar. Foram assinaladas 15 castas principais, havendo ainda várias outras dispersas. E para se ter uma ideia da riqueza e variedade genética diga-se apenas que a de maior densidade é a Jaen, mesmo assim não ultrapassando uma décima parte da vinha.

“O fugitivo” da Borgonha

Para lá de as poder trabalhar separadamente, a ideia passa principalmente por recolher material genético e aplica-lo noutras parcelas da propriedade. O que Paulo Nunes está a fazer é uma espécie de trabalho de arqueologia, que lhe permite perceber e replicar aquilo que ditou a qualidade e o carácter muito particular dos vinhos da propriedade. Uma conjugação entre a natureza e o trabalho dos homens que foi testada a longo de quase século e meio. E com provas mais que certificadas.

Uma das coisas que o intrigava quando chegou era o facto de existir na propriedade uma parcela de Pinot Noir e desta casta nunca ter entrado nos lotes de vinhos da Passarela. Foi através dos trabalhadores antigos que percebeu que o que nesse tempo fazia “o fugitivo”, o tal judeu da Borgonha, era aproveitar os mostos apenas para induzir o arranque das fermentações. Como é uma casta precoce a atinge plena maturação na região antes das habituais chuvas de final de Verão, era assim que contornava os seus efeitos perniciosos. Paulo Nunes usa agora esse Pinot para fazer microbiologia, o que lhe permite utilizar exclusivamente leveduras naturais nos vinhos da Passarella.

É também com base nesse conhecimento com os tempos acumulado que está agora a plantar uma nova vinha, com castas diversas e sem alinhamento nem aramação, tal como os trabalhadores lhe referiam e o confirmam os documentos antigos da propriedade. Uma vinha “em asterisco”, ou seja na qual é determinado o centro da parcela e aí plantada a primeira videira, sendo depois todas a outras dispostas em círculo a partir desse ponto central.

Outra particularidade é a utilização da uva Cão, uma variedade branca quase desaparecida e sobre a qual Alberto Vilhena, nos seus célebres ensaios do Centro de Estudos Vitivinícolas do Dão, chegou a elaborar uma tabela fazendo corresponder a longevidade e capacidade de envelhecimento dos brancos do Dão com a percentagem (sempre mínima) de uva Cão que era utilizada no lote. Foi identificada nas vinhas velhas e foi com ele se procedeu à plantação de uma novos bardos para lotear segundo os ensinamentos do engenheiro Vilhena.

Respeito pela tradição

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