Fugas - Vinhos

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Como se deve tomar um Moscatel?

Por Alexandra Prado Coelho

Casa Agrícola Horácio Simões quer promover o consumo do Moscatel, e organizou um jantar para explicar quais as melhores formas de tirar o melhor partido deste vinho.

Pedro Simões, produtor de vinhos Moscatel da Casa Agrícola Horácio Simões, da Quinta do Anjo, Palmela, teve uma ideia: por que não fazer uma refeição acompanhada, do início ao final, por este tipo de vinho generoso, que é feito através da interrupção da fermentação pela adição de aguardente vínica? A ideia foi posta em prática, com o apoio da empresa D-Wine, que ajuda a escolher vinhos para jantares em nossas casas, e com os pratos criados pelo chef italiano Augusto Gemelli. O jantar, no Hotel Evidência Belverde, na Amora, foi o pretexto para se falar sobre os hábitos de consumo de vinho Moscatel em Portugal.

“Aqui na Península de Setúbal, onde se consome Moscatel a sério, este foi sempre apontado como um vinho para o final da refeição, inicialmente com o café, e mais recentemente a acompanhar as sobremesas”, explicou Pedro Simões. “Mas nós, produtores de Moscatel, achamos que ele tem potencial para ser consumido de outra forma”. Sugere, por exemplo, que se experimente acompanhado por “um queijo de pasta mole e com alguma exuberância de sabor”. Nessa combinação, diz, “o amargo e o salgado do queijo fazem o contraponto com o doce do vinho, e ele consegue mostrar a sua plenitude”. É uma opção muito melhor do que, por exemplo, tomá-lo com uma sobremesa doce “porque se torna enjoativo e muito fechado em termos de sabores”.

Outra possibilidade é tomá-lo como aperitivo no início da refeição. “O Moscatel novo substitui plenamente um vermute, que é muitas vezes consumido dessa forma”. Deixa ainda outro conselho: quer se esteja a beber um Moscatel mais jovem ou um mais velho, “não se deve consumir acima dos 20 graus”. Este é um vinho que tem que ser tomado mais fresco, precisamente para que não se torne demasiado doce, afirma, sublinhando que “as temperaturas são uma das coisas mais importantes” para quem queira apreciar o vinho na sua plenitude. Os Moscatéis mais velhos da Casa Horácio Simões têm “uma oxidação puxada ao máximo, o que faz com que os aromas primários e secundários, que geralmente são os mais fortes, desapareçam, deixando que apareçam os terciários e quaternários, que têm mais graça.”

O hábito de consumir Moscatel ainda não está espalhado por todo o país. Segundo Pedro Simões, é sobretudo na zona da Grande Lisboa, do Grande Porto e em Braga que há mais consumo. No Alentejo bebem “mas só Moscatéis novos”, e o grande problema é o centro do país, onde “há ainda necessidade de um trabalho muito para se dar a conhecer” este produto.

Mas começam a aparecer sinais encorajadores. “Com o trabalho que tem havido da parte dos produtores, com o surgimento de Moscatéis diferenciados, com os restaurantes de topo a usá-lo, como acontece no Algarve, as pessoas começam a querer descobrir outras coisas. Julgo que há meia dúzia de anos, o Moscatel entrou na moda.”

E como é que os Moscatéis se posicionam em relação ao Vinho do Porto? “Se compararmos com um Porto novo, um Moscatel novo é mais fácil de tomar, e as pessoas têm mais facilidade em provar e usufruir dele. No caso de um Porto novo, só pessoas com alguma experiência conseguem perceber como vai ser daqui a uns anos. O Moscatel, sendo uma bebida em que os aromas estão normalmente sempre mais presentes, é mais fácil.” Talvez por isso entrou muito bem no consumo através dos jovens que frequentam discotecas, afirma. “O Porto é consumido por uma faixa etária mais elevada, e tem preços um pouco mais elevados que os Moscatéis.” E quem começa a consumir, acaba por interessar-se depois por vinhos um pouco mais complexos, como os Moscatéis Roxos.

Para o jantar feito por Augusto Gemelli, a Casa Horácio Simões, fundada em 1910 por José Carvalho Simões e que se mantém como um negócio de família há já três gerações, trouxe um conjunto dos seus vinhos para mostrar as diferenças entre eles. “Trouxemos um Moscatel de Setúbal novo, de 2012, para entrada, como vinho de aperitivo”, explica. “Depois, um Roxo, de 2009. O Moscatel Roxo é uma casta que só existe na nossa região, tem a particularidade de ser uma casta tinta num mundo de castas brancas, e em termos aromáticos é totalmente diferente, vem muito mais cedo do que as outras, dá muito menos produção, e em termos do paladar vai buscar aromas totalmente diferentes, como os frutos secos, um aroma floral que o Moscatel convencional não tem.”

Para acompanhar este Moscatel Roxo foi servido um raviolo crocante de castanha com alecrim, maracujá e chouriço (todo o jantar foi pensado para oferecer sabores fortes que não “morressem” perante a intensidade de álcool, entre os 17 e os 19 graus, e açúcar do Moscatel). O vinho seguinte foi um Moscatel de Setúbal 10 Anos Superior, “um entrada de gama que compreendemos sempre como um dos grandes Moscatéis feitos lá em casa, e do qual decidimos deixar envelhecer uma parte”. Tendo ficado guardado por 15 anos (a denominação só permite referir de 10 em 10, e é isso que aparece no rótulo), “já não tem os aromas primários, mas sim os aromas de evolução”. Para este vinho foi servido um camarão em “casca” de choco, funcho, toranja e farinheira.

O quinto vinho foi um Bastardo, feito a partir de uma casta que se encontrava extinta na região. Pedro explica: “Não se pode chamar-lhe Moscatel porque a casta Bastardo não está englobada nos DOP Setúbal, mas é feito da mesma forma que os Moscatéis, e nós consideramos que vem complementar uma franja no mundo dos Moscatéis que é a dos vinhos com mais acidez”. Aconselha-o para comidas fortes ou foie-gras. Neste caso acompanhou um risotto de cogumelos.  

Seguiu-se, com a sobremesa, o Moscatel Excellent, “um blend, em percentagens diferentes, das três melhores barricas da década de 2000”. Trata-se, diz Pedro Simões, “de um vinho de família, e um tributo a todos os que gostam de Moscatel.” 

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