Fugas - Vinhos

Casalobos, um vinho feito por estrelas do futebol

Por Alexandra Prado Coelho

Manuel Sanchís, antigo jogador do Real Madrid, reuniu um grupo de amigos para fazerem um vinho. Convidaram o enólogo Ignacio de Miguel, construíram uma adega e escolheram uma região não-vinícola e as castas que entenderam. Querem que o Casalobos seja um vinho “diferente de todos”.

Quando Manuel “Manolo” Sanchís terminou a sua carreira como jogador profissional de futebol pensou que não gostaria de perder o contacto com os amigos que tinha feito ao longo dos anos que jogou no Real Madrid e na selecção espanhola. Pensaram num projecto que gostariam de fazer juntos e não foi preciso muito para chegarem a uma conclusão: iam fazer vinho.

Assim, primeiro vieram os membros da Quinta del Buitre, grupo de jovens futebolistas que se tornou famoso nos anos 1980 e 90: Emilio Butragueño, Michael Gonzalez “Michel”, Rafael Martin Vázquez e Aitor Karanka. A estes juntaram-se o futebolista Miquel Soler, o basquetebolista Antonio Martín, os tenistas Emilio Sánchez Vicario e Pato Clavet, e ainda o cantor Miguel Bosé e o modelo Andrés Velencoso, e outros (no início eram 14, hoje são já 23).

Faltava, contudo, uma figura essencial: o enólogo. A escolha recaiu sobre Ignacio de Miguel, que se tornou também sócio. E foi ele quem recentemente acompanhou Manuel Sanchís numa visita a Lisboa para apresentar, num almoço no restaurante Eleven, o vinho Casalobos, que pretendem agora lançar em Portugal.

A proposta que Ignacio de Miguel recebeu inicialmente do grupo de ex-futebolistas poderia ser encarada como um sonho ou um pesadelo: podia fazer o vinho que quisesse, onde quisesse, com as castas que quisesse. O enólogo encarou-o como um sonho, e escolheu a região de Montes de Toledo, ao sul de Madrid. “Não é uma zona tradicional vinícola, apesar de ficar no limite norte da Mancha”, explica Ignacio de Miguel. “Tem solos ácidos, muita altitude, alta pluviosidade.” Fez esta escolha pouco óbvia porque, diz, “queria fazer um vinho diferente de todos”.

Plantaram 19 hectares de vinha com quatro variedades: Syrah, Cabernet Sauvignon, Petit Verdot e Tempranillo. Precisamente por não ser uma área vinícola, não havia nos Montes de Toledo castas locais, pelo que mais uma vez a liberdade de escolha foi total. Em 2004 fizeram a primeira colheita e em 2007 colocaram o Casalobos no mercado.

“Podíamos ter escolhido qualquer lugar do mundo e qualquer casta, e decidimos fazer este vinho”, diz o enólogo, orgulhoso do resultado. “Quisemos dar-lhe um marcado carácter de fruta, com notas de madeira em segundo plano. Procurámos um vinho concentrado, saboroso, mas elegante.”

Fazem (pelo menos por enquanto) um único vinho — o Casalobos — e por isso colocam nele todo o esforço. A vindima dura quase dois meses, porque as uvas são colhidas parcela a parcela na altura mais indicada. A arte depois está no blend, explica, com “cada variedade a cumprir uma função diferente”. A maior percentagem é de Syrah e Cabernet Sauvignon, mas “cada ano” são feitos “pequenos ajustes para chegar ao equilíbrio” que querem. Quanto ao trabalho da madeira, Ignacio de Miguel define-o assim: “Costuma dizer-se que há uma diferença entre os enólogos carpinteiros e os enólogos fruteiros. Nós somos claramente dos segundos.”

Para a prova no Eleven, trouxe os vinhos de 2004, 2005, 2006 e 2007, sendo o último o que está actualmente no mercado, e também o que vai ser vendido em Portugal. O destaque foi para o de 2004, e depois novamente 2006 e 2007, com o próprio enólogo a reconhecer que a colheita de 2005 tinha evoluído menos bem. Quando foi servido o de 2004, Ignacio de Miguel não escondeu a satisfação. “Não é normal em países quentes manter vinhos com tanta vivacidade ao fim de dez anos”, comentou.

Outra grande aposta dos amigos foi a construção de uma adega, um projecto do atelier de arquitectura Sancho-Madridejos, com uma fachada a fazer lembrar as dobragens dos origamis japoneses, e que foi finalista do prémio Mies van der Rohe em 2009. A ideia é que a adega seja em si mesma uma atracção para os visitantes que vão até Montes de Toledo e que queiram conhecer melhor o projecto Casalobos.

E a aposta em Portugal? Porque é que se viraram para um país que é um grande consumidor do seu próprio vinho? É um mercado interessante? “Sabemos que é um mercado complicado, mas com pouca concorrência exterior. Há poucos vinhos espanhóis aqui”, afirma Xavier Serra, que está na direcção do projecto. “A oportunidade para o nosso crescimento é conseguirmos alianças fiáveis.” Não vão colocar muitas garrafas — a estimativa é de cerca de 10 mil por ano (a produção actualmente é de 150 mil) — mas querem colocá-las nos lugares certos, nos restaurantes e nas lojas que as “tratem com carinho” e que consigam explicar o projecto aos clientes. A grande distribuição e a grande escala não lhes interessa.

“Este não é um projecto puramente empresarial”, sublinha Xavier. “Todos os sócios são amigos, e por isso a primeira prioridade não é o benefício económico.” Antes de tudo, o Casalobos é um pretexto para se reunirem algumas vezes por ano (uma delas na altura das vindimas), estarem todos juntos e divertirem-se. E dão muitas opiniões? Influenciam a forma como o vinho é feito? Sim, Ignacio de Miguel ouve-os a todos, com muita atenção. E depois? “Depois faz exactamente o que ele pensa”, responde Manuel Sanchís, com um grande sorriso.

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