Fugas - Vinhos

  • Nelson Garrido
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Gran Cruz compra Quinta de Ventozelo

Por Pedro Garcias

O negócio do vinho do Porto está muito longe da pujança que demonstrou no final da década de 90 do século passado. Os agricultores durienses ganham cada vez menos e nem o boom dos vinhos do Douro tem conseguido inverter a quebra de rendimentos. Mesmo assim, os principais grupos do sector nunca investiram tanto como agora.

Os tempos vão difíceis para os viticultores durienses, que, além da constante degradação do preço das uvas, perderam só na última década cerca de 140 milhões de euros com a diminuição da produção de vinho do Porto. Mas, curiosamente, no mesmo período de crise os principais grupos do sector têm reforçado as suas posições, aumentando de forma considerável o seu património. Tanto o grupo Symington, como a Fladagte Partnership e a Gran Cruz, os três maiores players, realizaram nos anos mais recentes investimentos avultados na compra de quintas, empresas e reabilitação de imóveis.

Depois de em 2006 terem adquirido a Cockburn’s, naquele que foi o maior investimento da empresa nas últimas décadas, a família Symington comprou entretanto as quintas do Curval (situada no Pinhão e onde está a ultimar um centro de vinificação e de recepção de visitantes), Sabordela (Pinhão), Síbio (Tua) e Gafaria (Carrazeda de Ansiães), somando já 27 quintas em toda a região (um pouco mais de 1000 hectares de vinha). Pelo meio, renovou completamente as caves da Graham’s, transformando-as num dos principais centros de visitas de Gaia. A Fladagate Partnership, além de ter construído um hotel de luxo em Gaia, o Yeatman, comprou também em Gaia a Quinta dos Barões (21 milhões de euros) à Real Companhia Velha, onde instalou uma moderna linha de engarrafamento, e, no Verão de 2013, adquiriu a Wiese & Krohn, uma exportadora de vinho do Porto fundada em 1865 e cujos stocks de vinhos estavam avaliados em mais de 20 milhões de euros. Por sua vez, a Gran Cruz, empresa do grupo francês La Martiniquaise, investiu nos últimos anos perto de 40 milhões de euros na criação do Espaço Porto Cruz (na marginal de Vila Nova de Gaia), na construção de um modelar centro de vinificação em Alijó e, já no final de 2014, na compra da Quinta de Ventozelo, uma das maiores propriedades do Douro (cerca de 400 hectares, dos quais 198 são de vinha).

Se em relação aos Symington e à Fladgate é notória uma clara aposta no sector do vinho do Porto, no caso da Gran Cruz a estratégia passa por aprovisionar matéria-prima para as categorias especiais de vinho do Porto e, ao mesmo tempo, “ por colocar também um pé nos vinhos do Douro”, sublinha Jorge Dias, o administrador do grupo francês em Portugal. A compra da Quinta de Ventozelo aos espanhóis da Proinsa (por cerca de 15 milhões de euros) foi o último grande negócio e fecha um ciclo de actuação da Gran Cruz em Portugal.

A empresa lidera o mercado do vinho do Porto, com uma quota de 23%, facturando cerca de 75 milhões de euros, mas o grosso da operação tem estado concentrado nas categorias mais baixas. Durante muitos anos, a Gran Cruz limitou-se a comprar vinho do Porto, a estagiá-lo e a vendê-lo. A empresa era conhecida por ser agressiva nas compras, usando a sua capacidade financeira para obter preços baixos na produção, sobretudo junto das adegas cooperativas, a maioria das quais nunca saiu de uma situação de endividamento crónico. Mais tarde, começou também a produzir vinho do Porto de acordo com as suas necessidades a partir da compra de uvas a agricultores. Com Ventozelo, a empresa vai passar a produzir vinhos com as suas próprias uvas, podendo agora desenvolver um negócio de nicho de alta qualidade e não apenas de volume.

O grupo francês chegou a ter uma quinta no Douro, a Granja, situada mesmo junta à Quinta da Leda, da Sogrape (perto de Almendra, Foz Côa), mas a história não é grande motivo de orgulho. A maioria da vinha foi plantada de forma ilegal e a Gran Cruz só a conseguiu legalizar graças, diz-se, ao envolvimento do governo francês. Influenciado ou não, o Governo português, liderado na altura por António Guterres, acabou por aprovar uma portaria de legalização de vinhas à medida das necessidades da Gran Cruz e que vigorou apenas um dia. Em 2005, a Quinta da Granja, com cerca de 100 hectares de vinha, foi vendida à Sogrape. A propriedade só estava autorizada a produzir vinho do Douro e esse segmento, na época, não era estratégico para a empresa francesa.

Com a morte do administrador histórico da Gran Cruz, Rocha Pinto, e a entrada, em 2009, de Jorge Dias, académico com passagem pelo Governo e pelo Instituto do Vinho do Porto, a estratégia e o comportamento da Gran Cruz começaram a mudar. O novo administrador pôs fim à parceria com Manuel Mateus, um conhecido intermediário de vinhos do Douro, renovou a cara da empresa em Gaia, lançou os primeiros vinhos do Douro e alguns vinhos do Porto branco extraordinários, construiu o mais moderno centro de vinificação do sector (ocupando o espaço deixado em aberto pela Adega Cooperativa de Alijó, em tempos uma das maiores do Douro e hoje em estado vegetativo) e comprou a Quinta de Ventozelo. Tudo em apenas cinco anos. Agora, o desafio não passa apenas por vender mais do que qualquer outra empresa. Passa também por disputar a liderança de qualidade nos vinhos do Douro e Porto e, havendo oportunidade, por continuar a ganhar músculo, razão pela qual Jorge Dias não fecha a porta a novos investimentos. Apesar de o sector do vinho do Porto ser dominado por cinco grandes grupos (Gran Cruz, Symington, Fladgate, Sogrape e Sogevinus), “continua a haver uma necessidade de concentração no sector do vinho do Porto”, face à cada vez maior pressão das grandes superfícies, defende. Os viticultores do Douro, esses, nunca estiveram tão indefesos.

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