Fugas - Vinhos

  • Dentro de um barril a percorrer a The Scotch Whisky Experience
    Dentro de um barril a percorrer a The Scotch Whisky Experience
  • Sala de provas na destilaria de Glenkinchie
    Sala de provas na destilaria de Glenkinchie
  • The Scotch Whisky Experience
    The Scotch Whisky Experience
  • Caroline Martin, master blender da Logan
    Caroline Martin, master blender da Logan
  • Destilaria de Glenkinchie
    Destilaria de Glenkinchie
  • No arquivo da Logan podem ver-se os anúncios antigos da marca
    No arquivo da Logan podem ver-se os anúncios antigos da marca
  • James Logan Mackie, o produtor que deu o nome ao whisky Logan
    James Logan Mackie, o produtor que deu o nome ao whisky Logan
  • As garrafas da Logan pouco mudaram ao longo dos tempos
    As garrafas da Logan pouco mudaram ao longo dos tempos
  • Exposição sobre a história do whisky escocês na destilaria de Glenkinchie
    Exposição sobre a história do whisky escocês na destilaria de Glenkinchie
  • Exposição sobre a história do whisky escocês na destilaria de Glenkinchie
    Exposição sobre a história do whisky escocês na destilaria de Glenkinchie
  • Exposição sobre a história do whisky escocês na destilaria de Glenkinchie
    Exposição sobre a história do whisky escocês na destilaria de Glenkinchie
  • Edimburgo visto a partir do castelo
    Edimburgo visto a partir do castelo
  • Os jardins de Edimburgo
    Os jardins de Edimburgo
  • Tocador de gaita de foles no centro de Edimburgo
    Tocador de gaita de foles no centro de Edimburgo

O whisky que os anjos não bebem..

Por Alexandra Prado Coelho

… é o que fica para nós. Na Escócia, vamos por Edimburgo e uma Whisky Experience, entrámos numa barrica, provámos especialidades - incluindo um novíssimo Logan, apresentado pela mestra que o criou.

São muitos anos dentro de uma barrica, e, inevitavelmente, o whisky vai-se evaporando pelos poros da madeira: 2% no primeiro ano, 6% em três anos, 18% em dez anos, 40% em 25 anos. Diz-se na Escócia que foi “perdido para os anjos”. E o que sobra dessa “parte dos anjos” é o whisky que nós, simples mortais, bebemos. E quanto mais anos quisermos esperar, quanto mais desejarmos uma bebida complexa e surpreendente, maior é o tributo que temos que pagar. É justo.

Estamos em Edimburgo, capital da Escócia, o país que, dizem-nos logo à chegada, tem cinco milhões de habitantes, nove milhões de ovelhas e vinte milhões de barricas onde vai envelhecendo o whisky que se produz nas cerca de 100 destilarias espalhadas por diversas regiões. Não podemos, por isso, deixar de imaginar que sobre a Escócia — e portanto neste momento sobre as nossas cabeças — paira uma imensa nuvem de whisky, da qual os anjos vão retirando o seu quinhão.

Para quem não souber nada de whisky, uma das melhores formas de entrar neste mundo muito mais complexo do que se imagina é visitar The Scotch Whisky Experience, no centro da cidade, na célebre Royal Mile, a dois passos do castelo de Edimburgo. Sentamo-nos dentro de barricas e, como se estivéssemos num comboio fantasma de uma feira popular, somos transportados pela história da produção da famosa bebida, rodopiando, enquanto à nossa volta surge primeiro a cevada, depois a água, os dois elementos fundamentais, juntamente com a levedura, para se fazer whisky.

Vemos a água ajudar a cevada a germinar, num processo que é interrompido a certa altura através do calor da turfa, um carvão vegetal. Obtém-se assim o malte, que é triturado e misturado com água quente e fica a macerar. Quase mergulhamos para dentro de um dos recipientes onde decorre a maceração, antes de sermos projectados para a fase seguinte, a fermentação, na qual entra já a levedura. A seguir surgem à nossa frente os enormes alambiques de cobre onde é feita a destilação (diz-se que cada destilaria tem um alambique com uma forma diferente e que isso faz toda a diferença no resultado final do whisky que produz). Acabamos a viagem nas adegas onde a bebida, inicialmente transparente como água, fica a envelhecer, ganhando outro tom e outros sabores.

Quem preferir uma experiência um pouco mais real pode, em alternativa (ou em complemento), visitar uma destilaria. Estas têm visitas muito bem organizadas, nas quais se pode ver todo o processo. A Fugas fê-lo na destilaria Glenkinchie, uma das poucas na zona das Lowlands (a maior parte está situada no Norte do país, nas Highlands), que tem a vantagem de ficar relativamente perto de Edimburgo, e que produz um dos seis Maltes Clássicos da Escócia, identificados por um painel de especialistas.

Aí caminhamos entre os recipientes de fermentação, podemos perceber as diferenças nos cheiros à medida que as horas de fermentação vão passando e vemos os alambiques a funcionar (a única coisa que não se vê é a fase de produção do malte, que actualmente é, na grande maioria dos casos, feita em fábricas próprias, fora das destilarias).

A master blender

Regressemos então à The Scotch Whisky Experience. É altura de provarmos os whiskies. O nosso guia explica-nos que inicialmente a visita centrava-se mais na história do whisky ao longo dos tempos na Escócia, a maneira como a produção evoluiu, o tempo em que era um negócio sobretudo ilegal, o aparecimento dos “barões” que criaram as marcas hoje famosas e por fim a fase em que estas marcas se concentraram nas mãos de poucas grandes empresas.

Até meados do século XIX, a maior parte do whisky vendia-se directamente da barrica. Depois começaram-se a fazer os blends, misturando whiskies de diferentes barricas, com diferentes características e graus de envelhecimento. E no final do século XIX estes blends já eram vendidos em mais de 100 países — ajudados pela crise em que tinha mergulhado a produção de vinho depois de a filoxera ter destruído grande parte das vinhas na Europa. Hoje, a esmagadora maioria dos whiskies vendidos são blends, mas os single malt continuam a fascinar os conhecedores e, claro, a ter preços bastante mais elevados.

Com o passar do tempo, a The Scotch Whisky Experience deixou de se centrar tanto na história e adaptou o seu discurso a algo que, segundo o nosso guia, interessa mais aos visitantes: a experiência de provar um whisky e, sobretudo, de perceber as diferenças entre os single malt produzidos nas várias regiões. Passamos, para isso, para outra sala, onde pequenos filmes nos mostram as diferenças entre as regiões produtoras das Terras Altas (Highlands), Terras Baixas (Lowlands), Speyside e Islay.

Para nos ajudar, é-nos dado um postal onde cada região corresponde a uma cor, que devemos esfregar com um dedo e cheirar. Não há dúvidas de que os cheiros são completamente diferentes, mais cítricos nas Lowland, mais florais nas Highlands, mais adocicados (com um claro aroma a banana) em Speyside e, indiscutivelmente, fumados na ilha de Islay. Para um principiante, o mais fácil é identificar um whisky fumado. Esta característica é dada por um uso muito mais intenso da turfa na fase de secagem do malte. Envolto em fumo, este nunca mais perde esse aroma, mesmo ao fim de anos numa barrica.

Mas para completar a nossa formação acelerada no mundo dos whiskies falta uma coisa essencial: conhecer um master blender. Caroline Martin é master blender da Logan e a responsável pelo whisky que a marca lançou em Portugal no final do ano passado, o Logan Heritage Blend, que vem substituir o Logan 12 anos. Caroline vai dar-nos a provar a bebida que demorou dois anos a criar e na qual combinou perto de duas dezenas de whiskies de diferentes características — um blend tem sempre whiskies single malt e os chamados whiskies de grão, que são destilados industriais de grãos, geralmente trigo, milho ou centeio.

Para um master blender, explica-nos Caroline, é mais interessante este trabalho de procurar os equilíbrios certos entre uma grande variedade de whiskies (incluindo os de grão, que são bastante mais discretos mas permitem aos single malt brilhar), de várias idades, destilarias e tipos de barrica, do que trabalhar num single malt, onde a margem de manobra é menor, o que reduz, necessariamente, o trabalho de autor. Num single malt pode-se, sobretudo, jogar com o tempo que o whisky passa na barrica e com o tipo de barrica usada.

Para que um destilado de cevada possa ser chamado de scotch whisky tem que passar pelo menos três anos em barrica, e esta só pode ser de carvalho americano (geralmente são aproveitadas as que foram usadas para bourbon, o que lhe dá notas mais adocicadas, de baunilha), ou de carvalho europeu (onde se usam as de xerez, vindas de Espanha, mas também se podem usar as de vinho do Porto, por exemplo).

É possível fazer envelhecer um whisky numa barrica de bourbon e depois “terminá-lo” durante mais alguns meses numa barrica de Porto ou de xerez. À medida que a produção de whisky se torna mais sofisticada e que se procuram novos sabores (sem desvirtuar o clássico), trabalha-se mais com este tipo de “afinações”. “Está a fazer-se muita pesquisa à volta das barricas”, confirma a master blender.

Mas o trabalho de Caroline com este Logan Heritage Blend foi mais de procura de equilíbrios, e a questão dos anos na barrica pode tornar-se até um problema. Para um master blender não é necessariamente mais interessante ter muitos whiskies envelhecidos para trabalhar. “Gostaria de poder provar e determinar o ponto certo entre o grau de maturação e o trabalho da madeira”, afirma Caroline. “Por isso, para nós o melhor é não ter um limite de idade mínima, como os 12 anos, por exemplo, e julgo que é para aí que a indústria está a evoluir.”

“Queríamos um whisky suave”, diz, explicando que começou com uma base de whiskies de grão, aos quais foi acrescentando as notas mais fortes dos single malt, até dar ao produto final um toque muito discreto, quase imperceptível de fumado, com um sabor frutado mas com alguma complexidade fornecida pelos maltes mais fortes. “Quando juntamos tudo — e isso nunca deixa de me surpreender — surge algo que não esperávamos, e que na maior parte dos casos é uma boa surpresa.”

Quanto à melhor forma de o apreciar, Caroline diz que não há regras. O gelo pode “fechar os sabores”, mas se aquecermos um pouco o líquido na boca eles regressam ainda mais pujantes. Se não se usar gelo, algumas gotas de água ajudam a abrir o whisky, baixando ligeiramente a força do álcool.

Sendo um blend, o Logan Heritage é criado e logo engarrafado, ou seja, já não evapora. É, portanto, um whisky para mortais — como nós. Os anjos, esses, tiveram acesso privilegiado a todos os single malt da Escócia e já fizeram o seu próprio blend, lá em cima, entre as nuvens.

A Fugas viajou a convite da Logan

 

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