Os vinhos do Porto vintage continuam a ser o grande fenómeno do sector, principalmente por estes anos em que se vive ainda a euforia da colheita prodigiosa de 2011, mas é oficial que estão a ceder parte do seu protagonismo aos vinhos que passam décadas a envelhecer em cascos nas caves sombrias de Gaia. Para empresas com uma forte herança portuguesa como as que integram o grupo Sogevinus, essa é a melhor notícia possível. Porque muito antes do padrão de gosto anglo-saxónico ter imposto o culto dos vintage, era nas categorias tawny que gestores e enófilos das famílias Cálem, Barros ou os Burmester, alemães com sotaque do Porto, apostavam. Gonzalo Pedrosa, o galego que está à frente da Sogevinus, pode dizer que tem uma enorme fé no futuro do sector porque tem à sua disposição um enorme passado.
Uma prova de alguns dos vinhos das marcas da Sogevinus é um delicioso regresso a essa herança. Como o grupo resulta de um processo de aquisições que se iniciou em 1998 com a compra da Cálem e acabou em 2006 com o controlo da Barros e da Kopke (2003 foi o ano da compra da Burmester e da Gilbert a Américo Amorim), o seu património de vinhos é muito diferenciado entre si. No cúmulo dos Colheita ou dos tawny com indicação de idade (10 anos, 20 anos, etc.) é fácil constatar que os Cálem são vinhos mais contidos nas suas expressões aromáticas do que, por exemplo, os Kopke. O culto dessas diferenças continua hoje a ser alimentado pela equipa de enologia coordenada por Carlos Alves e Ricardo Macedo.
Se ao nível dos vintage a crítica continua a eleger as produções dos Symington ou da Fladgate Partnership (Taylor’s, Croft e Fonseca), ao nível dos Colheita e dos tawny qualquer escolha tem de considerar as propostas da Sogevinus. O 40 anos da Cálem é seguramente um dos grandes vinhos desta categoria. O 1965 da Kopke é sem dúvida prodigioso. E os brancos da Kopke, de 20 ou 40 anos, proporcionam uma experiência rara. O que falta, então, para que estes vinhos saiam do leque apertado das discussões entre especialistas e se tornem em casos de devoção pública? Duas razões. A primeira é que a Sogevinus só agora começa a sair de uma tempestade financeira que a levou ao limite em 2010/2011; e a segunda é porque o fenómeno dos vinhos velhos, frágeis e isentos do fulgor da novidade ainda não se consolidou.
Gonzalo e a sua equipa têm pela frente uma dura tarefa para alterar a vaga de fundo. A sua estratégia passa por vender menos quantidade e recentrar o grupo nas gamas mais altas. Com essa preocupação, o gestor traça um objectivo ambicioso: “Nos vintage queremos ser reconhecidos, mas nos Porto brancos e nos colheita queremos ser a referência”, avisa. Para lá chegar, toda a empresa foi redesenhada. A força de trabalho reduziu-se de 200 para 137 trabalhadores, centros e linhas de engarrafamento foram encerrados, a dívida, colossal, foi reestruturada. “Hoje produzimos menos, mas os resultados são melhores”, diz Gonzalo Pedrosa.
A lógica do vender menos mas mais caro obriga a empresa a refocar os seus alvos e a olhar mais atentamente para os stocks de 17 milhões de litros de vinho do Porto que a empresa tem distribuídos por sete armazéns – o vinho mais antigo remonta a 1890. Até 2010, as empresas da Sogevinus vendiam em média 15% dos seus produtos para marcas brancas, nas quais os preços são baixos e as margens de lucro reduzidas. Hoje, sobra um cliente que representa 1% do total. Como era impossível encontrar alternativas para uma tão grande quantidade de vinho, o grupo fez cortes nas compras de vindima. Como consequência, o grupo, que facturava 45 milhões em 2010, factura hoje apenas 40 milhões; se há cinco anos produzia 6,2 milhões de litros de vinho do Porto, este ano deve ficar-se nos 5,6 milhões de litros – em 2012, no auge da reestruturação, vinificou apenas três milhões de litros de vinho do Porto.
O projecto consolidado na empresa desde que Gonzalo Pedrosa assumiu a sua gestão, em Novembro de 2011, prevê o lançamento de três ou quatro colheitas por ano, para lá de manter as suas ofertas em termos de tawnies com indicação de idade. Nos casos de colheitas raras, o número de garrafas colocadas no mercado pode chegar às duas ou três. Vinhos que estão nos seus 50 anos (como o Kopke 1965) ou, no ano passado, uma edição especial de um colheita de 1974 para comemorar as quatro décadas do 25 de Abril são o essencial da estratégia – que, aliás, outras empresas, como a Taylor’s ou o grupo Symington, estão igualmente a desenvolver. Depois há ainda um topo de gama feito a partir de um lote com uma idade situada entre os 55 e os 60 anos, o Barros 101 Very Old Tawny.
O que se pode dizer da generalidade destes vinhos é que, cada um à sua maneira, estão entre o que de mais extraordinário se faz na galáxia do vinho do Porto. Os lotes dos tawny com 20 ou 40 anos conseguem um balanço excelente entre a patine exótica e sofisticada dos ingredientes do tempo e um frescor jovem que lhe confere músculo e vivacidade. E o trabalho de acompanhamento dos Colheita mostra não apenas zelo, como sabedoria. “O vinho é um ser vivo. Precisa de arejamento, de correcções no seu teor alcoólico” diz Carlos Alves. O único trabalho a que são sujeitos antes do engarrafamento é “uma ligeira filtragem para lhes dar brilho”, acrescenta o enólogo.
Com um novo posicionamento que ajudou o sector do vinho do Porto a suspender o caminho perigoso em direcção ao comando das marcas brancas, a Sogevinus, detida a 100% pelos galegos da Abanca (uma instituição financeira galega que foi comprada pelo banco venezuelano Banesco), está em transição. O grupo, que, diz e repete Gonzalo Pedrosa, nunca esteve à venda, apesar de rumores insistentes que apontavam para essa possibilidade, sente-se agora em condições de apresentar resultados positivos e de encarar o futuro com outra tranquilidade. O magnífico acervo de grandes vinhos velhos que existem nas suas caves são a melhor garantia para essa ambição.
Seis vinhos para o estrelato
Cálem 40 anos
Sem dúvida um dos melhores vinhos desta categoria em todo o sector. “É o ícone da Cálem”, nas palavras do enólogo Carlos Alves, e não é difícil perceber porquê. Aromas intensos de fruta seca, especiaria, prenúncios de vinagrinho que lhe concedem graça e frescura. Na boca é um vinho cheio, com enorme complexidade, deixando no final um rasto de chocolate, de pimenta e uma concentração de aromas de fruta seca que se prolonga por uma infinidade de tempo. Um vinho do Porto de enorme classe. Preço: 130 euros
Cálem Colheita de 1961
Uma bomba aromática, um vinho sedoso e untuoso, quase mastigável, que deixa uma explosão de sensações na boca. Estão lá os atributos da categoria, muita avelã e amêndoa seca, notas de casca de laranja cristalizada, mas a acidez viva deste vinho, a sua profundidade, o seu balanço e a sua complexidade levam-no para outro patamar. O seu final de boca é longo e notável, no qual é impossível não notar uma certa mineralidade. Um Colheita do outro mundo por um preço que não dá para pagar um Bordéus ou um Borgonha de segunda divisão. Preço: 150 euros.
Kopke 40 anos Branco
Os brancos envelhecidos em casco estão a ganhar uma importância crescente, embora a disponibilidade de stocks destes vinhos esteja limitada – para lá da Kopke, a Dalva é a marca de referência nesta gama. Percebe-se que assim seja. Um branco velho tem um poder de sedução e de frescura extraordinário. Como este Kopke, cuja intensidade aromática, feita de notas cítricas, de onde se podem deduzir as impressões químicas dos brancos velhos, volume de boca e acidez vibrante são impressionantes. Preço: 130 euros (formato 37.5 cl)
Kopke Colheita 1965
Este vinho é, a todos os títulos, absolutamente notável. Os seus aromas contemplam uma vastidão de sensações onde cabe um prenúncio de vinagrinho que lhe dá graça e vestígios de iodo que lhe emprestam exotismo e complexidade. Na boca é todo ele um hino à elegância e à sofisticação. Sedoso, o que deixa sublinhar o impacto de notas de pimenta, com uma frescura notável, acaba com um rasto de aromas de avelã na boca que, balanceadas com uma acidez no ponto, ficam imenso tempo a pairar no palato. Um vinho extraordinário. Preço: 180 euros
Kopke Colheita 1941
Quando um vinho não tem nada de unidimensional, quando chega à boca e durante a experiência da prova se revela em diferentes andamentos como num concerto clássico, estamos perante uma obra de arte. É o caso. O aroma cítrico que revela é a prova da sua extraordinária frescura. A sedosidade, concentração e profundidade com que enche a boca mostram a capacidade dos grandes Porto para se prolongarem no tempo. Um vinho que surge discreto, cresce, varia, ora exibe uma das suas características, ora passa para outra, permitindo uma experiência sensorial extraordinária. Preço: 645 euros
Barros 101 Very Old Tawny
Um vinho de lote feito a partir de colheitas situadas entre 1930 e 1980 que é a prova acabada da equipa da Sogevinus para as difíceis artes da lotação. Notas cítricas no nariz, chá preto, com um admirável equilíbrio entre as sensações do tempo e o vigor de vinhos mais recentes, num registo de grande complexidade e intensidade. Um Porto muito velho que está em grande nível. Preço: 270 euros