Fugas - Vinhos

Loureiro, a outra grande casta branca nacional

Por Rui Falcão

A casta Loureiro produz vinhos com uma faceta floral expressiva, com incidência particular na flor de laranjeira. São vinhos magníficos que continuam à espera de outro reconhecimento.

A denominação Vinho Verde é seguramente uma das regiões nacionais com melhor aptidão natural para elaborar vinhos brancos de excelência, vinhos frescos e minerais carregados de personalidade, vinhos vibrantes e tensos como poucas outras regiões nacionais terão capacidade e engenho para arquitectar. Nas suas variadas sub-regiões, o Vinho Verde tem a fortuna de beneficiar de um riquíssimo património ampelográfico consagrando algumas das melhores castas brancas nacionais.

Entre as estrelas maiores da região, e de Portugal, encontra-se o Alvarinho, muito provavelmente uma das castas mais reconhecidas em Portugal e uma das mais consideradas entre as grandes castas brancas internacionais. Mas nem só de Alvarinho vive a região e entre as muitas outras castas brancas excelentes do Vinho Verde ressalta o Loureiro, variedade absolutamente notável que, apesar de alguma indiferença nacional, começa finalmente a ganhar algum espaço de conforto. Não deverá demorar muito até o Loureiro se afirmar como um dos nomes mais valorizados entre as castas brancas de Portugal.

Algo que por agora lhe escapa não só entre as demais denominações portuguesas como mesmo dentro da região do Vinho Verde. Na verdade, o Loureiro continua a ser uma casta tendencialmente regional, quase presa à sub-região do vale do Lima, único local onde ganha o estatuto de estrela incontestada. O que é estranho, sobretudo dentro da região, porque parece que poucos se aperceberam do potencial desta variedade de aromas estonteantes.

Se o Alvarinho passou a ser plantado em todo o território nacional, mesmo em locais onde a razão nunca o aconselharia, o Loureiro prossegue sem um rol de candidatos que se interessem pela variedade e que a queiram experimentar fora dos limites da sub-região do vale do Lima. Isto em Portugal, claro, porque alguém como o notável e ultra mediático viticultor e enólogo norte-americano Randall Graham não se cansa de elogiar o Loureiro até à exaustão, comparando-a com as melhores castas brancas internacionais e considerando-a como uma das mais promissoras para a Califórnia. Randall gosta tanto dela que não só a plantou no passado como pensa voltar a apostar nela no seu novo projecto vinícola californiano…

Por razões que a razão desconhece em Portugal ainda poucos lhe reconhecem este estado de excepção, mantendo muitas das falácias habituais sobre a casta. Poucos acreditam no potencial do Loureiro como casta capaz de dar corpo a vinhos longevos e com capacidade de guarda. A imagem tradicional, a ideia feita de quem repete lengalengas sem se dar ao trabalho de confirmar a sua veracidade, é que o Loureiro é uma casta exuberante e entusiástica na sua ostentação floral, uma casta copiosa e transbordante nos anúncios e prenúncios de fruta tropical e das notas citrinas, uma casta directa nos tiques aromáticos a folha de louro. Mas todos, ou quase todos, lhe pressagiam uma duração limitada no tempo, um prazo de vida saudável muito curto e de queda precipitada no tempo.

A melhor forma de contrariar o prognóstico tão depreciativo é provar os bons vinhos estremes de Loureiro com mais de dez anos de vida para recolher conclusões fundamentadas. Entre os grandes do Loureiro e os precursores da utilização da casta como variedade de elite para ser deixada a sós na garrafa encontra-se a Quinta do Ameal, produtor que se converteu na referência de facto da casta. E basta provar os Quinta do Ameal do presente e do passado, vinhos que nos vinhos mais velhos ultrapassam uma década de vida, para ganhar uma concepção diferente da realidade.

O Loureiro tem muito mais para oferecer que a verbosidade aromática inicial, tem muito mais para dizer que a alegria entusiástica dos primeiros meses. Provando os vinhos mais velhos não é difícil perceber que estamos perante variedade muito séria, uma casta superior, uma das estrelas de Portugal, uma das vantagens portuguesas na afirmação de um estilo próprio. Como sempre há que saber trabalhá-la, ter empenho e ser rigoroso. E curiosamente, mas não inesperadamente, a casta adapta-se igualmente muito bem à produção de vinhos ligeiramente doces, com algum açúcar residual… ou a vinhos marcadamente doces, do estilo passito ou de colheita tardia.

Uma das vantagens do Loureiro é a facilidade de adaptação a diferentes estilos, aceitando com comodidade ser fermentada e estagiada em inox ou madeira, condição pouco comum no território do Vinho Verde.

A casta assume sem pudor a conotação minhota embora a sua paternidade seja reclamada conjuntamente por Portugal e a Galiza. Porém, e embora o Loureiro se encontre disperso pelos dois lados da fronteira, é em Portugal que assume o papel de estrela principal com alguma regularidade, sendo relegada para uma posição menos nobre do outro lado da fronteira, onde dificilmente ganha o estatuto de casta única.

Numa posição algo poética poderíamos afirmar que poucas castas têm um nome tão adequado como o Loureiro, já que a flor e folha do Loureiro é um dos seus principais descritores aromáticos. Caracteriza-se ainda por uma faceta floral particularmente expressiva e cristalina com incidência particular na flor de laranjeira, acácia e, embora nem sempre presente, pela folha de tília. Os vinhos de Loureiro apresentam distintas notas de maçã e pêssego, num estilo que curiosamente recorda as notas aromáticas de uma das castas brancas mais famosas e valorizadas do mundo, a Riesling.

Num passado ainda muito recente o Loureiro encontrava-se quase invariavelmente associado às castas Trajadura e/ou Pedernã, nome local para a variedade mais conhecida como Arinto, embora por vezes surgisse na companhia do Alvarinho. Hoje emerge como casta com direito próprio, com a benesse de estar sozinha na garrafa, sinal da sua qualidade inequívoca, sintoma de maioridade de uma variedade tão perfeita que não precisa da companhia de outras para dar fundamento a vinhos extraordinários.
Quem será o primeiro a interessar-se pelo Loureiro fora da região do Vinho Verde? E ainda mais difícil, quem será o primeiro a compor um vinho memorável desta casta fora da região do Vinho Verde… ou fora da sub-região do vale do Lima?

Cinco bons exemplos de uma boa casta

Quinta do Ameal 2013
Os vinhos da Quinta de Ameal são frescos, jovens, alegres e prazenteiros, exuberantes e entusiásticos, quase inebriantes na juventude floral da casta, na expressão feliz de uma parcela muito especial do território nacional. Os vinhos retratam de forma perfeita o Vinho Verde com um perfil acentuadamente mineral mantendo uma enorme consistência qualitativa ao longo dos anos. Desenganem-se quem os tomarem por vinhos brancos de consumo imediato, vinhos de caducidade rápida e senilidade mais ou menos precoce. Pelo contrário são vinhos que envelhecem com nobreza e dignidade extrema, ganhando com pelo menos um a dois anos de garrafa, vinhos com uma invejável e inesperada aptidão para o envelhecimento. Vinhos que aliam frescura com fruta citrina, aromas de erva seca e uma faceta mais floral que o convertem num branco supinamente atraente. A boca é fina, elegante, precisa na objectividade e no acerto.
Preço: 6.95

Aphros Loureiro 2013
Vasco Croft, arquitecto de formação, rege a propriedade e a sua vida pessoal pelos princípios filosóficos da antroposofia, praticando uma viticultura que segue à risca os preceitos da biodinâmica. A sua quinta no vale do Lima acolhe as duas castas absolutamente peremptórias para a região, o Loureiro e o Vinhão, com a certeza de que essas duas castas locais seriam as variedades mais adaptadas ao terroir e à harmonia com a natureza. E o Aphros Loureiro conta sobretudo uma história de harmonia, elegância, frescura e equilíbrio, aqui e ali temperadas por uma boa dose de irreverência que faz o vinho sobressair. Se nos primeiros anos foi o Vinhão a impor-se, existe hoje uma conformidade perfeita entre brancos e tintos à medida que o Loureiro ganhou consistência e sem-cerimónia. Vinhos puros e fragrantes que têm tudo para poder viver um bom par de anos em garrafa.
Preço: 7.50

Soalheiro Allo 2013
O nome Soalheiro é quase sinónimo de Alvarinho, a casta de eleição de Luís Cerdeira, o nome principal e quase exclusivo da casa. A única excepção é este Allo, um vinho que combina as virtudes do Alvarinho com o Loureiro, juntando a estrutura, peso e vigor do Alvarinho com a delicadeza, emoção e exuberância aromática do Loureiro. Uma combinação que junta o melhor de dois mundos num exemplo de consistência, coerência, solidez e elegância. O vinho é cristalino e exuberante, de uma pureza aromática avassaladora, vibrante, tenso e entusiástico, fresco como a Primavera. Frutado e sedutor, é fácil ficar inebriado perante a alegria, frescura e educação de um vinho que exprime de forma brilhante a paisagem e o estilo dos vinhos da região. É bom encontrar vinhos brancos assim, vinhos que conseguem conciliar frescura intensa com um corpo mais denso e cheio, mineralidade com estrutura, elegância com dimensão.
Preço: 5.90

Niepoort Dócil Loureiro 2014
Poderá até parecer estranho ver o nome de um produtor consagrado do Douro (e agora também da Bairrada e Dão) num vinho que nasce na região do Vinho Verde, mas a verdade é que este Dócil é um dos grandes representantes de um estilo alternativo e original para a casta Loureiro. O projecto é pequeno, muito pessoal e advém do sonho, visão, vontade e obstinação pessoal de Dirk Niepoort. O Dócil junta a enorme e natural exuberância aromática do Loureiro com a frescura tradicional da região oferecendo um vinho branco leve e aromático que, e essa é umas novidades maiores do projecto, deixa alguma doçura residual no fundo do copo que aproxima o Vinho Verde aos magníficos vinhos da região alemã de Mosela. O vinho é particularmente fácil e afável no trato embora se apresente mineral e suavemente perfumado. Uma excelente ideia que poderá oferecer caminhos alternativos para o estilo dominante na região.
Preço: 7.90

Muros Antigos Loureiro Escolha
Anselmo Mendes é um dos nomes mais mediáticos e respeitados de Portugal. Apesar de estar mais conotado com o Alvarinho, Anselmo Mendes é igualmente defensor das virtudes do Loureiro, casta que faz parte da sua trilogia ideal, juntamente com o Avesso. Os seus vinhos nascem nos três vales, dos três grandes rios que cobrem o Vinho Verde… e das três grandes castas do Minho. Este Muros Antigos Loureiro revela um perfil mais austero que o tradicional e esperado para a casta Loureiro, distanciando-se dos padrões por vezes excessivos da casta, revelando notas intensas de cânfora, tangerina e flor de laranjeira. Fresco, mineral, mais floral que frutado, é um Loureiro interessante e harmonioso. Preço: 5.25

 

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