No ano passado, Matt Kramer, colunista da famosa e influente revista americana Wine Spectator, mudou-se para o Porto, por considerar Portugal “o mais excitante país de vinho do mundo”. Meses depois, a mesma revista anunciou os 100 melhores vinhos de 2014 e em primeiro lugar surgiu um vinho português, o Dow´s Porto Vintage 2011, com 99 pontos. Já era um acontecimento, mas a surpresa foi ainda maior porque o terceiro e o quarto lugar foram atribuídos a mais dois vinhos portugueses, os tintos Chryseia 2011 e Vale Meão 2011, ambos do Douro e ambos classificados com 97 pontos.
Nunca se tinha visto nada assim. Vinhos portugueses classificados com 100 pontos já havia alguns, todos eles fortificados. Por exemplo, a Wine Advocate, do guru Robert Parker – que está a sair de cena, por doença, dizem, ou simplesmente pelo peso da idade -, já atribuiu a pontuação máxima, 100 pontos, a quatro vinhos portugueses fortificados: o José da Maria da Fonseca Moscatel de Setúbal 1947, o Quinta do Noval Porto Vintage 1997, o Taylor´s Porto Vintage 1992 e o Taylor´s Scion, um Tawny de 1855. Por sua vez, a Wine Spectator já deu 100 pontos a nove vinhos do Porto, das colheitas de 1927 a 2007. Um deles, o Porto Vintage Noval Nacional 1931, foi considerado pela revista americana como o segundo melhor vinho do mundo do século XX.
Mas nunca se tinha assistido a uma tão grande concentração de altas classificações num mesmo ano e envolvendo também vários vinhos tranquilos. A Wine Advocate, por exemplo, atribuiu, pela primeira vez, 97 pontos a um vinho português não fortificado, no caso ao duriense Quinta do Fojo 2001; e a Wine Spectator estabeleceu um novo máximo ao classificar com 98 pontos o também duriense Pintas 2011. Este vinho não integrou a lista dos 100 melhores de 2014 da Wine Spectator porquê na elaboração do ranking entram outras variáveis, como o número de garrafas produzidas, por exemplo.
Mesmo com o Pintas de fora, Portugal aparece no top 100 da Wine Spectator de 2014 como o país do mundo com maior percentagem de vinhos pontuados com 95 a 100 pontos. Estes resultados consagram a colheita de 2011 como uma das melhores das últimas décadas, senão mesmo de sempre, e colocam o mundo do vinho a olhar com mais atenção para o que está a acontecer em Portugal, em particular no Douro, a região portuguesa com mais prestígio na actualidade. A também muito influente crítica inglesa Jancis Robinson escreveu que em 2011 não terá havido no mundo outra região que tenha produzido vinhos tão bons como o Douro.
Voltando à Wine Spectator, em 2014, de todos os vinhos provados, e foram muitos milhares, só 33 conseguiram mais do que 98 pontos. Com 100 pontos, só houve um, o Penfolds Grange 2008, o lendário vinho australiano. Para se ficar com uma ideia mais precisa sobre o alcance das classificações dos vinhos portugueses em 2014, basta lembrar que, de todos os vinhos espanhóis provados desde sempre pela revista americana, só o Marqués de Riscal 1945 conseguiu chegar aos 99 pontos. E 98 pontos apenas foram atribuídos aos tintos Marqués de Murrieta 1898 e Marqués de Riscal 1924 e 1964.
Uma façanha com 20 anos
Estas pontuações valem o que valem, até porque na maioria dos casos os vinhos são provados por uma única pessoa. Mas em termos de notoriedade são muito importantes para os produtores e para a imagem da região e do país, porque estamos a falar de revistas lidas em todo o mundo- e a Wine Spectator é a que tem maior audiência. O grande aumento das pontuações registado nos últimos anos é um claro reflexo da melhoria geral dos nossos vinhos. Poucos países terão andado tão depressa como Portugal nos vinhos tranquilos, primeiros nos tintos e agora também nos brancos.
Até ao ano passado, a Wine Advocate já tinha classificada 969 vinhos portugueses tranquilos (757 tintos e 212 brancos) com 90 a 100 pontos. Por sua vez, a Wine Spectator tinha distinguido 480 vinhos portugueses com 90 a 94 pontos (450 tintos e 30 brancos). Numa análise mais fina, o Douro aparece claramente como a região mais pontuada: 403 tintos e 73 brancos na Wine Advocate e 405 tintos e 21 brancos na Wine Spectator. Estes números vêm ao encontro do que Matt Kramer escreveu quando decidiu mudar-se para o Porto. O colunista americano confessou-se espantado com a rapidez com que tudo está a acontecer no Douro. Há pouco mais de 15 anos, poucos sabiam fazer bons vinhos tranquilos. Agora, os melhores vinhos durienses são “realmente de classe mundial na sua originalidade, sabor, distinção, carácter, profundidade e finesse”, sublinhou. Mas o mesmo vale também para regiões como a Bairrada, o Dão e o Alentejo (aqui, os tintos Quinta do Mouro Rótulo Dourado 2007 e Quinta do Zambujeiro 2007 já foram pontuados com 97 pontos pela Wine Advocate).
Os cinco vinhos mais pontuados em 2004 pela Wine Spectator
Dow`s Porto Vintage 2011: 99 pontos
Um dos grandes nomes do universo Porto Vintage. Os seus vintages são singulares, revelando uma solidez, austeridade e frescura admiráveis. Ao fim de 30 anos parecem ter metade da idade. Nem sempre nascem com a mesma precisão de vintages como o Graham`s, por exemplo, mas o tempo vai-os refinando, e é ao fim de algumas décadas que se mostram em toda a sua plenitude. Desta colheita extraordinária foram produzidas cinco mil caixas de 12 garrafas, que desapareceram num ápice. Cada garrafa saiu para o mercado a cerca de 65 euros e custa agora perto de 300 euros.
Fonseca Porto Vintage 2011: 98 pontos
Na família de vintages do grupo Fladgate Partnership (Taylors, Croft, Vargellas), o Fonseca tem um estilo muito próprio. Além de ser um poço de fruta, distingue-se pela sua extraordinária frescura balsâmica e mineral (grafite). É mais “rebelde” e “nervoso” do que os seus irmãos. Perfumadíssimo (fruta do bosque, madeira exótica), explode na boca numa série de sabores refinados. Um vintage magnífico. Encontra-se em algumas garrafeiras a cerca de 125 euros.
Quinta do Noval Porto Vintage Nacional 2011: 98 pontos
O Noval Nacional, proveniente de uma vinha velha de apenas dois hectares plantada em pé franco (sem porta-enxerto), é o Porto Vintage mais caro do mercado. O 1963 custa mais de 5500 euros. É o “Ferrari” dos vintages, dado o seu preço e reduzida produção. O 2011 começou a ser vendido a mais de 500 euros a garrafa e quem o comprou vai, decerto, fazer um bom investimento, embora ainda seja muito cedo para se dizer que irá ter um lugar na história semelhante ao do 1931 e do 1963, os mais extraordinários do século passado. Mas promete. A revista americana Wine Enthusiast atribuiu-lhe 100 pontos.
Quinta do Vale Meão Porto Vintage 2011: 98 pontos
A marca da família Olazábal tem sido das mais pontuadas pela Wine spectator nos últimos 15 anos, mas em 2014 conseguiu um feito notável: o tinto Quinta do Vale Meão 2011 ficou em quarto lugar no top 100, com 97 pontos, e o Quinta do Vale Meão Porto Vintage 2011 alcançou 98 pontos, tantos quanto os vintages Noval Nacional, Fonseca e Quinta do Vesúvio do mesmo ano. É uma pontuação extraordinária, tendo em conta o facto de ser um vintage de uma quinta só (berço do mítico Barca Velha). Lote dominado pela Touriga Franca, cheira e sabe a Douro Superior (aroma muito mediterrânico, povoado de fruta e notas campestres, grande estrutura, sabor intenso e complexo). É possível encontrá-lo em algumas garrafeiras a cerca de 70 euros.
Pintas Tinto 2011: 98 pontos
A não ser o Barca Velha, não há vinhos clássicos no Douro. A região só despertou para os vinhos tranquilos nos últimos 20 anos e, desde então, tem tido um crescimento meteórico. O Pintas, do casal Jorge Serôdio Borges e Sandra Tavares da Silva, é um vinho ainda com pouca história, mas parece ser já um clássico do Douro, dada a sua grande notoriedade. Proveniente de vinhas velhas, é um tinto sempre sedutor, na forma como combina concentração de fruta, elegância tânica e frescura. Este 2011 é especialmente opulento e complexo. O vinho sai para o mercado a cerca de 40 euros, mas a colheita de 2011 está à venda em algumas garrafeiras a mais de 150 euros.