Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Vinhos: Portugal e Espanha, iguais mas tão diferentes

Por Rui Falcão

Dois países tão próximos e tão distantes, tão amigos e tão separados, desavindos pelas circunstâncias históricas e recentemente unidos pelas novas circunstâncias.

Portugal e Espanha compreendem uma história prolongada de desavenças e conflitos, pequenos períodos de bonança seguidos por séculos de isolamento e refregas que afastaram e limitaram a convivência entre os dois países. Se exceptuarmos uma meia dúzia de casos de saudável convivência fronteiriça, pouco do que é válido em Espanha é igualmente válido em Portugal, tal como pouco do que é norma em Portugal é adoptado como referência do outro lado da fronteira.

Os dois países viveram separados ao longo de quase toda a sua existência, imposição voluntária que provocou sequelas em todos os planos da vida, da cultural à económica, obrigando a um isolamento luso que se manifestou também no mundo do vinho e da vinha. Na verdade, a vinha foi quem suportou maiores consequências da segregação e isolamento a que Portugal foi sujeito durante séculos. Um isolamento que acabou, curiosamente, por apresentar mais aspectos positivos que negativos, apadrinhando e protegendo a originalidade das castas portuguesas.

Um isolamento territorial e material entre Portugal e Espanha, e consequentemente com os restantes países europeus produtores de vinho, que restringiu a troca natural de castas, delimitando a influências das castas francesas e da Europa central nas vinhas nacionais. Isolamento que manteve o país preso às suas castas autóctones, aquelas que a natureza generosamente nos ofereceu, condição que quando aliada ao conservadorismo nacional, ao apego à tradição que manteve práticas tão raras como as vinhas misturadas, garantiu a riqueza de variedades de que Portugal é fértil e que se converteram numa das maiores bandeiras do Portugal vinícola.

A maioria das variedades que privilegiamos, que usamos e que nos diferenciam são intrinsecamente nacionais, sendo raras as castas de matriz ibérica ou de génese internacional, tal como é rara a presença da mesma casta dos dois lados da fronteira. O Alvarinho é uma dessas raras excepções, presente no nordeste minhoto e na Galiza, casta transfronteiriça de que é difícil confirmar a paternidade. A região conta ainda com outros exemplos de transumância fronteiriça de castas, nomeadamente do Loureiro, Trajadura ou Sousão, embora todas estas castas sejam muito menos relevantes na Galiza que na região do Vinho Verde.

Já o Jaen e a Tinta Miúda, apelidadas de Mencía e Graciano do outro lado da fronteira, funcionam ao contrário, sendo muito mais significativas e decisivas em Espanha, respectivamente no Bierzo (e também Galiza) e Rioja, que em Portugal, onde raramente se encontram entre as favoritas. Estes não são exemplos exclusivos, existindo ainda uma profusão de castas menores, dos dois lados da fronteira, que por vezes cruzam a linha de demarcação, embora sem resultados relevantes em qualquer um dos dois países ibéricos.

A grande excepção é aquela que é a única variedade realmente ibérica, a única que se encontra disseminada por praticamente todas as denominações de origem dos dois países. Em Portugal é conhecida essencialmente por dois nomes regionais, Tinta Roriz e Aragonez. Em Espanha é popular essencialmente sob o nome Tempranillo, embora adopte outras sinonímias locais igualmente reconhecidas, como Cencibel, Tinta del País, Tinta de Toro e Ull de Llebre. Não só está presente na maioria das denominações de origem de Portugal e Espanha como é uma das variedades tintas mais plantadas nos dois países.

Embora seja uma das castas dominantes no Alentejo, Dão e Douro, a verdade é que a sua importância, popularidade e relevância é marcadamente diferente em Portugal e Espanha. Em Espanha o Tempranillo afirmou-se como a identidade do país, como a imagem e a casta modelo sobre cujos ombros assenta tanto a notoriedade como a responsabilidade da promoção do vinho espanhol. Em Portugal a Tinta Roriz/Aragonez é uma casta cada vez menos apreciada e cada dia menos valorizada, encontrando-se em processo de regressão tanto na popularidade como na área plantada.

Em Espanha o Tempranillo costuma terminar em vinhos varietais, muitas vezes entre os mais valorizados do país, com uma presença eventual mas minoritária da Tinta Miúda ou do Cabernet Sauvignon. Em Portugal a Tinta Roriz/Aragonez costuma assumir uma presença minoritária, estando-lhe reservado o papel de complemento do lote numa procura de acrescentar fruta e facilidade ao vinho. Em Espanha a casta foi elevada à condição de vedeta, enquanto em Portugal a Tinta Roriz/Aragonez é cada vez mais desvalorizada.

Existem muitas razões para fortunas tão diferentes dos dois lados da fronteira, desde a tendência tradicional portuguesa para os vinhos de lote, que necessariamente e inevitavelmente desvalorizam o papel da casta até às condições naturais de cada uma das regiões. Mas a principal diferença residirá muito provavelmente no diferente tipo de perfil da planta nos dois países, nos clones diferentes, nas pequenas diferenças comportamentais a que o isolamento e a evolução natural conduziu. Basta olhar para as folhas ou para os cachos, ou beber os vinhos de cada país, para perceber diferenças fundamentais entre o Tempranillo e a Tinta Roriz/Aragonez.

O perfil ADN será seguramente o mesmo, tal como está provado, mas o isolamento e a separação terão eventualmente conduzido a pequenas especificidades locais. E basta recordar que apesar de a semelhança de ADN entre o homem e os grandes primatas ser de cerca de 99%... o perfil é bastante distinto.

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