Fugas - Vinhos

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Os brancos de Milfontes dos dinamarqueses de Cortes de Cima

Por Pedro Garcias

Em 2008, os proprietários de Cortes de Cima, na Vidigueira, compraram uma propriedade perto de Vila Nova de Milfontes para fazer vinhos brancos de qualidade. Os primeiros vinhos não foram totalmente convincentes, mas as últimas colheitas parecem demonstrar que a proximidade do mar pode ser mesmo uma bênção para os brancos do Alentejo.

Há evidências a que não podemos fugir. Salvo raríssimas excepções, não há maneira de fazer grandes vinhos brancos no Alentejo com as castas típicas da região, a começar pela Antão Vaz. Esta variedade é demasiado produtiva e avantajada (como alguém dizia, só os bagos pequenos têm pedigree) e o clima alentejano também não permite sonhar com acidezes altas e vinhos frescos. As tais excepções podem vir da serra de São Mamede, de Estremoz e da Vidigueira, o solar da Antão Vaz. Mas mesmo aqui não é fácil fazer vinhos interessantes.

Hans Jorgensen e Carrie Jorgensen, os donos de Cortes de Cima, herdade situada precisamente na Vidigueira, demoraram alguns anos a chegar a essa conclusão e só depois de terem estudado e comparado minuciosamente as temperaturas no interior do Alentejo com as da zona de Vila Nova de Milfontes, junto à costa. “Quando na Vidigueira fazem 35 graus, em Vila Nova de Milfontes estão 25. Há uma diferença de dez graus entre as duas zonas”, garante Hamilton Reis, o chefe de enologia da empresa.

Com estes dados na mão, os proprietários de Cortes de Cima decidiram plantar vinhas perto de Milfontes para fazer brancos à altura dos belos tintos que produzem na Vidigueira e começaram a retirar os frutos desse investimento com o seu branco 2013, que, depois de ter sido o mais pontuado num concurso internacional, foi transformado por certa imprensa portuguesa no “melhor vinho do mundo”. Um exagero, claro. Este branco, feito com uvas de Viognier da Vidigueira e de Sauvignon Blanc e Alvarinho de Milfontes, até nem é um bom exemplo do salto em frente dado com a compra, em 2008, da Herdade do Zambujeiro Velho, a poucos quilómetros do mar. Nem é um vinho do interior, nem é da costa, nem é um branco de inox, nem é um branco de barrica assumido. Como já escrevemos aqui, “é um branco confuso, tanto no aroma como no sabor”. “Ainda mais porque uma parte do lote fermentou em barrica. Cheira de forma efusiva e é gordo na boca, mas falta-lhe precisão, pureza, harmonia e um pouco mais de frescura.” E a culpa maior reside na madeira (mal assumida) e na Viognier, uma casta que, mesmo no seu terroir de eleição, a zona de Condrieu, no vale do Ródano, em França, origina vinhos bastante alcoólicos e com pouca acidez, embora muito ricos de aroma e sabor (de tipo exótico).

Bem melhores do que o tal “melhor vinho do mundo” são o Cortes de Cima Sauvignon Blanc e o Cortes de Cima Alvarinho, dois monovarietais de 2014 que Hamilton Reis mostrou num almoço cheio de maresia no restaurante Boa Nova, em Leça da Palmeira. O resultado foi magnífico, com o Sauvignon Blanc a mostrar-se tão verde e fresco como o molho de algas que sobressaía num prato com percebes, camarão e outras delícias marinhas, e o Alvarinho a fugir um pouco do seu perfil minhoto, mais cítrico e maduro, e a revelar uma proximidade inusitada ao Sauvignon, na sua vertente mais verde e raçuda. Uma bela surpresa.

A proximidade do mar levanta grandes desafios vitivinícolas: mais doenças da vinha, mais tratamentos fitossanitários, maior despesa. Mas, na ausência de montanhas, a brisa atlântica pode ser uma bênção para os vinhos brancos do Alentejo. Nos tintos é diferente. Com bons terrenos e água para regar as vinhas, é mais fácil contornar o efeito da planura, da baixa pluviosidade e do calor elevado. Mas, mesmo com o recurso à rega e à importação de castas com maior acidez, não é possível fugir à marca climática do Alentejo.

Ora, respeitar a tipicidade da região e saber conviver com isso é um verdadeiro programa víticola. Os vinhos do Alentejo têm um perfil bem definido e ainda bem que são assim. Podem não ter a frescura natural de vinhos de outras regiões menos quentes, mas, em contrapartida, são mais macios e frutados, dois atributos muito apreciados pelo consumidor global.

O Cortes de Cima Touriga Nacional 2012 é, a este respeito, muito didáctico, com uma identidade muito própria, ligada às origens. Enquanto no Dão, por exemplo, a Touriga Nacional dá vinhos mais balsâmicos e delicados, no Alentejo proporciona vinhos mais frutados, volumosos e macios. Este tipicismo está bem patente no Cortes de Cima, um vinho de uma exuberância aromática extraordinária, bem apimentado pelo estágio em barrica e com uma estrutura de taninos sólida mas aveludada.

É o tipo de vinho capaz de agradar a consumidores de qualquer canto do mundo, menos aos enófilos que acham a fruta uma chatice. Moderno na sua polidez e elegância, bebe-se com gulodice a acompanhar qualquer tipo de carne. E não é mais quente do que a maioria dos monovarietais de Touriga Nacional que se fazem no Douro, por exemplo, apesar de ser um vinho com a madureza do Alentejo interior.   

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