Fugas - Vinhos

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Quinta do Mouro, um mundo diferente

'Quando falamos dos vinhos da Quinta do Mouro nada é simples, tradicional, lógico ou simplesmente catalogável segundo as regras habituais que regem o sector.'

Há produtores de vinho mais tradicionais, mais conformados, consistentes, seguros e conservadores, tal como há produtores de vinho mais extravagantes, mais inovadores, desafiadores e menos convencionais. Mas poucos são como o produtor alentejano Quinta do Mouro, um mundo diferente onde nada responde segundo os padrões habituais, onde nada se rege pelas convenções tradicionais do vinho, estejam elas relacionados com a viticultura ou a enologia.

Quando falamos dos vinhos da Quinta do Mouro nada é simples, tradicional, lógico ou simplesmente catalogável segundo as regras habituais que regem o sector. Para a Quinta do Mouro, um produtor localizado nos arredores de Estremoz, tudo é diferente, único, divergente dos paradigmas clássicos do mundo do vinho. Entre as diferenças menos visíveis, mas importante pelo princípio que lhe está implícito, encontra-se a utilização do nome quinta, conceito habitual em todo o país mas que se encontra quase arredado do ideário alentejano, conceito diferente numa região onde quase tudo é grande e medido numa escala que gosta mais de adoptar os nomes Monte ou Herdade.

Mas a originalidade da Quinta do Mouro não se esgota no nome, estendendo-se antes por dezenas de pequenos detalhes e particularidades que se dividem pela vinha e enologia, pela filosofia adoptada e pelas práticas originais perfilhadas, pelos princípios e pelas convicções. Entre as muitas originalidades encontram-se os solos de algumas das vinhas, assentes maioritariamente em xisto, condição menos corriqueira no Alentejo. Para além dos solos pouco habituais, a viticultura será muito provavelmente o principal segredo da Quinta do Mouro, uma viticultura original não só pela escolha de castas, que fogem à escolha tradicional alentejana, como pela condução pouco habitual das vinhas.

Percebe-se um entusiasmo peculiar e quase soturno no prazer de sentido perverso em fazer sofrer as vinhas, de as ter permanentemente em dificuldade, condição que é facilmente visível na opção filosófica e racional de deixar as vinhas agrestes e selvagens, sem o sentido estético de as transformar em jardim paisagístico que outras vinhas demonstram. Vinhas que se querem em sofrimento permanente e sem ordem de soltura, vinhas num esforço perpétuo de sobrevivência na tentativa de com tanto sofrimento obter a melhor fruta.

A adega é surpreendentemente pequena e acanhada, num pequeno anexo da casa, exígua no pouco espaço disponível, e modesta na utilização de peças de tecnologia, tal como modesta no investimento. Uma adega de trabalho dedicada ao vinho e sem embelezamentos desnecessários, sem a panache ou o trabalho de decoração de arquitectos de interior que começa a caracterizar tantas adegas. Na Quinta do Mouro a adega limita-se a aproveitar um pequeno e estreito espaço de trabalho num anexo ao lado da casa, deixando na rua algumas das cubas que não conseguem ter espaço no interior da velha e pequena adega.

Mas acima de tudo a Quinta do Mouro vive da personalidade única de Miguel Louro, proprietário e mentor dos destinos da casa, o timoneiro que determina a doutrina do estilo irreverente e simultaneamente temperamental dos vinhos que lá se produzem. Há que assumi-lo e dizê-lo com clareza, Miguel Louro é um homem de personalidade vincada, um proprietário de espírito forte e percepções firmes, um produtor com ideias próprias e muito pouca tolerância para a trivialidade e para as conversas sem sentido. Miguel Louro é um produtor que vive de forma presente e apaixonada o dia-a-dia da Quinta do Mouro.

Poderá até parecer apenas mais um pormenor, mas esse pequeno detalhe, e os bons vinhos são feitos da soma de pequenos detalhes que se vão acumulando, a presença física e emocional permanente, o acompanhamento ininterrupto das vinhas e do vinho durante todo o ano, o envolvimento directo e emocional em todas as pequenas decisões constitui seguramente um dos maiores trunfos de Miguel Louro e dos seus vinhos da Quinta do Mouro.

A sua sem-cerimónia é outra das grandes virtudes da casa e que é plenamente reflectida nos vinhos, a dúvida constante que acrescenta aos vinhos da casa em todos os seus detalhes, a incapacidade e falta de vontade absoluta em se deixar reduzir à aceitação de dogmas, a incapacidade total em se deixar acomodar no conforto do tradicional. Posturas pessoais e emocionais que obrigam à experimentação e à procura de alternativas sólidas. Talvez este somatório de razões ajude a explicar algumas das opções menos tradicionais, tal como a aposta teimosa no uso de barricas de carvalho nacional, carvalho português de florestas portuguesas, aposta pouco vulgar que assenta na certeza interior da presença de uma afinidade natural entre os vinhos da Quinta do Mouro e a madeira de origem nacional.

Miguel Louro gosta pessoalmente de vinhos sérios e austeros... e é assim mesmo que os vinhos da Quinta do Mouro se apresentam. Vinhos duros e nada meigos, vinhos tensos e austeros temperados por uma frescura intensa e pouco expectável pela veemência, vinhos amplos e monumentais na estrutura, carnudos e densos. Vinhos que na generalidade mostram ainda uma capacidade de guarda muito significativa que poderá ultrapassar sem grandes dificuldades a barreira dos trinta anos.

Uma das características mais curiosas da Quinta do Mouro é a capacidade rara e quase inexplicável para elaborar vinhos extraordinários justamente nos anos mais difíceis e incaracterísticos. Será mesmo fácil afirmar que, por uma qualquer estranha coincidência, os melhores vinhos da casa nasceram precisamente nos anos em que a maioria dos produtores alentejanos sentiram mais dificuldades, anos menores para a generalidade da produção mas que na Quinta do Mouro costumam ser extraordinários. As colheitas 1999 e 2002, por exemplo, duas colheitas consideradas especialmente desafiantes pela generalidade dos produtores nacionais, retratam dois dos melhores anos de sempre para a casa. Mais uma originalidade entre as muitas da Quinta do Mouro.

 

 

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