Fugas - Vinhos

Enric Vives-Rubio

A importância de um rótulo

Por Rui Falcão

O rótulo ajuda a vender. Esta é uma verdade insofismável de qualquer produto, uma verdade que é aplicável ao vinho de forma mais que directa.

As compras de impulso, que representam mais de metade do comércio de vinhos vendidos pelo mundo, são determinadas em grande parte pela mensagem transmitida pelo rótulo, pela capacidade de contar uma história, pela aparência, pelo perfil que sugerem de forma directa ou de uma insinuação mais subliminar.

Tantas vezes incompreendido e tantas vezes desconsiderado, o rótulo é a imagem de um vinho, a cara de um produtor, o primeiro e muitas vezes o único intermediário entre o produtor e o consumidor. Há vinhos interessantes que são seriamente prejudicados por rótulos desastrosos, da mesma forma que existem vinhos banais salvos por rótulos geniais que, sozinhos, quase conseguem fazer esquecer a trivialidade do vinho. Há vinhos em que a imagem geral do rótulo corresponde ao estilo do vinho engarrafado, da mesma forma que existem vinhos em que o produto engarrafado nada tem a ver com a imagem sugerida pelo rótulo, independentemente da qualidade intrínseca que ambos possam apresentar.

Seria de esperar que por esta altura já soubéssemos mais sobre os particulares a ponderar quando desenhamos um rótulo. Se outros argumentos não existissem, porque já os usamos há demasiados anos, desde o final do século XVII. Sim, a cola industrial aplicada para os prender à garrafa é uma descoberta bem mais recente, de meados do século XIX, mas a sua existência é bem anterior. Só começámos a necessitar de rótulos quando os vinhos começaram a ser comercializados e servidos em garrafas.

Se os primeiros modelos de garrafas eram tão frágeis que necessitavam de ser envolvidos em palha, prática que alguns vinhos mais folclóricos da região italiana de Chianti ainda exibem, quando se descobriu uma forma de produzir garrafas mais sólidas de vidro, e a preços mais comedidos, foi criada a necessidade dos rótulos. Até ao final do século XVII os vinhos eram comercializados em pipa ou tonel e engarrafados somente para o momento de consumo, identificando as garrafas com pequenas gargantilhas de prata que emprestavam um nome genérico ao vinho, algo como Porto, Madeira, Bordéus ou Jerez.

Pensa-se que o primeiro rótulo de papel terá sido criado em Itália pelo botânico Pier Antonio Micheli, na viragem para o século XVIII, identificando as suas garrafas de Verdicchio, o único nome que constava no rótulo ainda rudimentar. Alguns produtores de Champagne visionários começaram pouco depois a atar pequenos rótulos de papel no gargalo das garrafas, pedaços de papel que se limitavam a indicar o ano de colheita e o local de origem do vinho, afastando essa responsabilidade do consumidor, passando pela primeira vez na história a garantia e dever de identificação dos vinhos para o lado da produção.

Estes primeiros rótulos, de impressão e desenho muito simples dadas as restrições tecnológicas da altura, identificavam os nomes em tinta preta sobre um fundo branco e liso. A descoberta da litografia, já no final do século XVIII, veio revolucionar o desenho dos rótulos, ao permitir a inserção de diferentes tipos de letra com dimensões também elas diferenciadas ao longo do rótulo, possibilitando ainda a introdução de desenhos e da tão desejada cor para realçar a arte. Hoje os rótulos prestam-se a tudo, desde o aproveitamento de algumas inovações tecnológicas à transmissão de mensagens e princípios políticos ou éticos de todos os tipos de credo. Nos vinhos mais tradicionais as garrafas continuam a ser pintadas à mão, pelo menos parcialmente, reforçando o carácter intemporal desses vinhos, técnica que os vinhos do Porto e Madeira adoptaram e felizmente ajudaram a conservar.

Poucos aplicaram a mensagem de forma tão intensa e apaixonada como o famosíssimo produtor Bartolo Mascarello, um dos defensores mais prolíficos e mediáticos da preservação da tradição clássica de Barolo. Um dos seus vinhos mais conhecidos e mais procurados, o No Barrique, No Berlusconi, apresentava-se com um rótulo desenhado à mão que alertava contra o uso de barricas bordalesas novas na elaboração do vinhos de Barolo, quando a tradição privilegiava a utilização de tonéis grandes e de madeira avinhada… e contra as políticas do absurdo Berlusconi, que naturalmente desprezava. Num outro rótulo igualmente pintado à mão, evocou o espírito revolucionário de Robespierre, sugerindo que a madeira não devia ser desperdiçada em barricas… mas antes em barricadas.

Muito menos elaborados, mas seguramente muito mais provocatórios, os rótulos do produtor Alessandro Lunardelli, também ele italiano, conquistaram aquilo a que o produtor se tinha proposto, um espaço mediático de repercussão mundial. Os primeiros rótulos de figuras da história recente já tinham criado algum desconforto, quando libertou uma série de vinhos exibindo as caras de Mussolini, Lenine, Estaline ou Che Guevara em poses mais ou menos dramáticas, conforme a personagem. Mas o verdadeiro estrondo surgiu quando lançou uma nova edição ostentando a figura de Hitler debaixo do nome “Um povo, um império, um líder”. Assim que os rótulos foram proibidos pelo governo alemão, e mais tarde pela União Europeia, o vinho ganhou o estatuto de culto esperado, assegurando assim a visibilidade extrema a que o autor se tinha cometido.

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