Um património único moldado pela generosidade da natureza e pelas consequências do isolamento geográfico e histórico de Portugal.
Um conjunto riquíssimo de castas que são simultaneamente património de Portugal e património da humanidade, herança genética universal de preservação obrigatória para o bem comum das próximas gerações. Uma ventura que acarreta não só deveres, como obrigações, forçando a um esforço real para preservar e salvaguardar o trabalho de séculos de evolução da natureza.
Por que razão Portugal conseguiu acumular um património genético tão rico? Que factores concorreram para que um país tão pequeno fosse tão rico na diversidade ampelográfica? A verdade é que Portugal sempre foi um país de tradições vitícolas tão intensas que é impossível alguém imaginar Portugal sem vinhas e sem vinho. Mas, apesar dessa ligação tão estreita entre homem e vinha, o estudo aplicado do vinho e da vinha raramente fizeram parte das nossas preocupações enquanto povo. Historicamente, sempre convivemos com o vinho e a vinha numa relação natural e despreocupada, sem prestar especial atenção aos valores da natureza, à riqueza e diversidade de castas, num misto de alheamento, candura, ignorância e ingenuidade cultural.
Durante séculos fizemos vinho e fomos multiplicando e transportando as videiras com a espontaneidade própria da inocência dos justos sem perceber ou sem nos preocuparmos especialmente com que diferenciava cada uma das variedades, sem seleccionar as melhores varas, sem prestar especial relevância às diferentes variedades e propriedades de uvas. Incentivámos até o oposto, misturando diversas castas no mesmo espaço físico, promovendo uma espécie de anarquia vitícola que, de uma forma absolutamente casuística, acabou por proporcionar resultados excelentes. De forma absolutamente empírica, fruto de uma ligação muito próxima à terra, sem qualquer abordagem científica ou metódica, o homem foi privilegiando algumas variedades, nem sempre pelas melhores razões, nem sempre de forma sustentada e racional, com o saber da experiência, do ensaio de tentativa e erro.
Durante séculos, poucos ou nenhuns se preocuparam em saber que variedades eram utilizadas nos vinhos do Minho, Dão ou Douro. Durante séculos, poucos ou nenhuns identificavam o nome das castas, inquietação menor para quem tinha de lidar com um clima adverso e tantas outras variáveis da natureza. Durante séculos, ignorámos a imensa riqueza ampelográfica que a natureza generosamente acumulou no território nacional. Durante séculos, vivemos alegres e despreocupados, numa era onde o conhecimento da vinha era tema pouco valorizado.
Nos anos setenta do século passado, pouco sabíamos sobre as castas nacionais, sobre o potencial de cada variedade, sobre a sua distribuição geográfica ou as suas variações, sobre as características individuais de cada clone. Subsistia um enorme trabalho de campo e laboratório para efectuar num sector desesperado por conhecimento, pela inventariação e selecção do património vitícola português. Foi então que começaram os trabalhos de muitos, entre os quais sobressaem os nomes de Antero Martins, professor do Instituto Superior de Agronomia (ISA), Nuno Magalhães, professor da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), e Luís Carneiro, da Estação Agronómica Nacional. Três homens a quem se deve um dos maiores estudos de investigação e sistematização da viticultura nacional.