Fugas - Vinhos

Fernando Veludo/nFactos

"Já não fazemos bons vinhos só de vez em quando"

Por Manuel Carvalho; Pedro Garcias

Entrevista com o presidente da Viniportugal. Jorge Monteiro olha para o desempenho do vinho português e conclui que o futuro passa pela aposta no valor, acreditando que as apostas nas castas e na singularidade dos blends vai colocar o vinho nacional entre os mais valorizados do mundo.

Um país pequeno, que já exporta mais de metade do que produz, que tem condições únicas e castas exclusivas, mas que tem baixas produtividades e dimensões médias das vinhas muito reduzidas é um oásis de problemas e de oportunidades.

Jorge Monteiro faz uma avaliação positiva do sector e deixa uma ideia para o futuro: “Se a prazo exportássemos menos mas com mais valor, ganharíamos”. Para lá chegar, há que esperar que a apreciação positiva da crítica chegue aos consumidores e que se mantenha a aposta nas castas autóctones e na arte do blend. “O blend é a nossa força e é uma barreira”, diz

O vinho português ganha muitos prémios em todo o mundo e recebe muitos elogios por parte da crítica, principalmente a dos jornais e revistas anglo-saxónicos. Mas, paradoxalmente, continua a ser um vinho que não aparece nas prateleiras dos supermercados estrangeiros e permanece desconhecido pelo grande público. Porquê?
Eu começava por recordar um editorial da Decanter [uma revista britânica] em 2006, o qual tocava exactamente nesse ponto e pedia ao trade [distribuição e retalho] para fazer o papel que ela, revista, já tinha feito, que era descobrir os vinhos portugueses, avaliá-los de uma forma justa e dar-lhes o destaque que mereciam. A reflexão do editorial era que havia um preconceito, que ainda permanece no trade, que não dá nas prateleiras o destaque que alguns vinhos de facto merecem. Mas há uma outra razão: nós representamos menos de 2% da produção mundial. Portanto, quando chegamos ao ponto de venda não podemos ter a exposição que tem a Espanha, que produz seis vezes ou sete vezes o que nós produzimos. Não se pode ter uma lógica, uma expectativa, de encontrar a mesma frente de exposição que outros têm. Depois, nós somos um país de uma pulverização enorme na produção. A Viniportugal trabalha com mais de 300 produtores e a nossa percepção é que menos de 100 são empresas de dimensão, que estão profissionalizadas e estruturadas para entrar no mercado internacional. Eu admito que tudo isto tenha uma solução, mas exige tempo. Hoje nós sentimos, por exemplo, que os americanos começaram há muitos anos a descobrir os vinhos portugueses e só este ano verdadeiramente é que começámos a ver o reflexo dessa notoriedade nas exportações para os Estados Unidos - vamos com um crescimento acima dos 20%. Há este reconhecimento tardio, porque quando a imprensa reconhece o valor de um vinho e começa a destacar esse valor, inicia-se um processo que é interactivo, em que inicialmente é o vinho é valorizado, mas não é reconhecido pelo trade, que tem medo de o colocar na prateleira por desconhecimento do consumidor.   

Portugal e a Itália foram os únicos produtores de vinho cujos preços não caíram em 2014. Olhando para as características da produção nacional, face à baixa produtividade que apenas deixa de lado o Tejo e os Vinhos Verdes, o preço médio a que o vinho português está a ser vendido (2.55 euros/litro) liberta margens para investimento e modernização? É um bom negócio?
Há percepções de que nós temos um bom preço médio no mercado internacional, mas como temos rendimentos por hectare muito baixos e temos custos associados à baixa escala muito elevados, a suspeita é que um italiano a vender granel a preço baixo ganha mais do que uma empresa portuguesa a vender vinho engarrafado a um preço mais elevado. É uma percepção.

Como é que isso se resolve?
Estou convencido que é uma questão geracional. Nós estamos a notar que há jovens que entram no negócio numa lógica empresarial. Mas as mudanças levam tempo. Seja na adopção das práticas da viticultura moderna, onde as questões da dimensão são críticas, e depois também na verticalização. Nós estamos a assistir ao aparecimento de uma nova geração que não quer ser produtor de fruta, mas quer ser produtor de vinho, começando na vinha, continuando na adega e acabando no mercado. Hoje, provavelmente 15% do que é exportado é produção própria das grandes casas. Há 10 ou 12 anos era metade disto. Aliás, há quem associe o sucesso dos vinhos portugueses e a consistência qualitativa dos vinhos portugueses ao processo de verticalização. Uma empresa quando produz controla o processo de vinificação e o engarrafamento, logo corre menos riscos quanto à qualidade. O que mudou nos últimos anos foi a constatação de que não fazemos bons vinhos de vez em quando, que fazemos vinhos bons. Quando se lê um Wine Enthusiast, onde todos os anos estamos em terceiro ou quarto lugar, ou uma Wine Spectator, onde temos a maior taxa de vinhos outstanding ou classic, nota-se essa consistência.

Há uns dois anos defendeu a necessidade de apostar em mercados emergentes e deu como exemplo a Polónia, a Colômbia, a Nigéria ou Marrocos. O que foi feito em concreto nesse sentido?
Nós não demos passos nessa estratégia, porque estamos amarrados a um plano até 2016/17. Fizemos este ano uma experiência na Polónia, que era um mercado onde nunca tínhamos trabalhado colectivamente. Estamos a ensaiar trabalhar a Suíça. Mas em mercados como a Nigéria, ou Marrocos, ou Moçambique, nada fizemos porque, ao fazê-lo, teríamos de desinvestir de mercados onde queremos ter continuidade de acções. Nós temos vindo a resistir muito a avaliações precipitadas que nos levem a desinvestir aqui para investir ali. Temos sido teimosos em trabalhar nos mercados escolhidos e só fazemos pequenas extensões: a Polónia foi um desses casos, a Coreia vai ser outra para o ano, como já foi Singapura e Japão. Estamos a procurar mercados mais sensíveis à gama média e média alta de que em mercados, como a Nigéria ou Marrocos, que têm potencial mas onde o mais importante não é o posicionamento. Diversificação sim, mas em mercados de maior poder de compra.

Alguns mercados históricos para o vinho português, como a Bélgica ou a Holanda, não têm ficado desprotegidos?
É natural. Nós admitimos que sim. Mas a manta é curta. A questão é que para se fazer a cobertura desses mercados teríamos de descobrir outros. E diria que talvez todas as apostas que têm sido feitas são apostas ganhas. Nós temos metido um terço do nosso orçamento nos Estados Unidos e o mercado comporta-se de maneira extremamente interessante. Nós temos feito apostas no Brasil e em Angola e não nos sentimos defraudados com os resultados. Se vamos deslocar investimentos desses para outros mercados, corremos o risco de os desproteger ou de descontinuar acções quando os resultados ainda não estão consolidados. De qualquer forma, e por admitir que esses mercados merecem outro tratamento, nós em 2016 vamos lançar um programa de acções de formação, sobretudo centrado nos profissionais da restauração e compradores de lojas independentes na França, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, Dinamarca e Suíça. Nos mercados visados pela nossa emigração, o problema que nós temos não é um problema de notoriedade; é um problema de posicionamento. Se queremos corrigir o posicionamento, a melhor forma de o conseguir é pela via da restauração.  

Portugal já exporta mais do que produz em termos de volume. Vender o mesmo com mais valor é o principal desafio do vinho português?
Se tivermos juízo, temos de trabalhar exclusivamente o valor. Aliás, Portugal já importa vinhos a granel para satisfazer uma certa procura. De facto, podemos dizer que temos um potencial de colocação no mercado acima do nosso potencial de produção, entendendo que potencial de colocação no mercado é aquilo que conseguimos beber mais aquilo que conseguimos exportar. E esse potencial é insuficiente. Mais do que estarmos a importar de vinhos de entrada de gama ou básicos, é valorizar o que estamos a produzir. Se a prazo exportássemos menos mas com mais valor, ganharíamos.

Até certo ponto, é isso que está a acontecer nos Estados Unidos. O que explica esse desempenho nos Estados Unidos?
Há aqui três efeitos. Um primeiro efeito que é a união do sector em torno na marca “vinhos de Portugal”. Há um grande consenso à volta do reforço do envelope financeiro para os Estados Unidos. Foi um exercício de grande risco. Quando vamos para o Brasil ou para Angola, Portugal é conhecido. O vinho de Portugal em Angola beneficia de uma boa imagem, no Brasil ainda assim também, não temos de explicar quem somos nem de onde vimos. Nos Estados Unidos encontrámos um mercado em grande crescimento, primeiro, segundo é um mercado enorme onde tivemos coragem de ir todos e onde aplicámos a maior fatia de investimento e esse investimento foi depois acompanhado por muitas das denominações de origem. Dá-se a segunda circunstância que é o reconhecimento pelas grandes revistas e eu admito que haja ainda outro factor, que pode ser mal interpretado: os EUA têm resistências próprias no mercado. Nem todos os operadores entram lá. A dimensão do mercado não o torna fácil para pequenos produtores. Há aqui quase uma pequena selecção natural. Os operadores que encontramos nos Estados Unidos são os que estão profissionalmente mais bem preparados. É um mercado mais exigente, mais selectivo.

Uma das estratégias da Viniportugal nos últimos passou pela aposta nas castas nacionais, com destaque para a Touriga Nacional. Os consumidores estrangeiros já sabem o que é a Touriga Nacional?
O enófilo, e já não falamos de profissionais, já começa a perceber. Ainda agora no roadshow que tivemos nos Estados Unidos, onde os americanos pagavam 75 dólares para ir às provas de vinhos portugueses, foi muito agradável ver a facilidade com que eles pronunciam o nome das castas. Algumas são mais difíceis de pronunciar, outras são menos, mas eles demonstram que ter conhecimentos. Touriga Nacional não é novidade, Alvarinho não é novidade, Baga não é também… Sentimos que já estamos a chegar ao consumidor, ao enófilo. Brincamos até um bocadinho, porque Gewurztraminer [uma casta alemã] é difícil de pronunciar, mais difícil que Touriga. Portanto é possível que eles venham a pronunciar a Touriga ou o Encruzado. Mas estamos sempre a falar de um país que produz blends [vinhos com várias castas] num mercado que está habituado a varietais. Temos sempre essa dificuldade. Daí também trabalharmos na educação do consumidor e na formação dos públicos profissionais. Estamos a preparar um grande evento em Londres para o próximo ano em que vamos ainda mais longe. Estamos a pensar em despertar a atenção dos especialistas já não para as 24 ou 26 castas vulgarmente conhecidas ou para as dez que actualmente comunicamos, mas queremos ir um pouco mais longe para dizer: ‘o nosso lote de castas autóctones não acaba aqui’. A Touriga já está na Califórnia, já está na Austrália… pois sim, mas nós temos outras. O Alvarinho está em Espanha? Nós temos outras.

Mas não o incomoda que em anos recentes, mesmo nos concursos da Viniportugal, quem ganha são por vezes vinhos feitos com castas internacionais? Esta situação não é uma contradição à vossa estratégia?
Nós sabemos que as nossas castas são castas difíceis na comunicação. Sabemos que antes de o consumidor entender um determinado taste [aroma, paladar…], é preciso calo. A primeira vez que a Sarah Ahmed [uma jornalista britânica] provou um Baga, achou o vinho horroroso. Mas depois de lhe ser explicada a filosofia e o perfil do vinho, a Sarah Ahmed tornou-se uma apreciadora. Nós sabemos que quando vamos convidar jurados internacionais para um concurso estamos a expor-nos a um risco, porque há pessoas que não têm um contacto mínimo com algumas das nossas castas. E é natural que no resultado final, até porque no grande júri quatro dos seis elementos são estrangeiros, seja muito mais reflexo dos mercados a que eles estão habituados do que nós gostaríamos. Mas o concurso também tem um outro objectivo: a primeira mensagem que quisemos passar foi, ‘venham cá e provem os nossos vinhos sem rede’, porque queremos que eles fiquem com a ideia de que nós produzimos com qualidade.

Que inclui os que são feitos com castas internacionais?
Que inclui todos. O que é importante é que eles digam: ‘Encontrei muito poucos vinhos maus’. Nós gostaríamos que o melhor vinho fosse de uma casta autóctone, mas, se o quiséssemos de uma forma distorcida, não convidávamos estrangeiros. É preciso alguma arte e algum equilíbrio. Nós afirmamo-nos que somos um país de blends, mas procuramos comunicar com varietais. Alguém nos dizia, olhando para a Austrália, que já nos ultrapassaram na viticultura, começaram a ultrapassar-nos na adega, mas na sala de prova ainda vão demorar muitos anos. Na viticultura é sobretudo técnica, na adega é técnica mas começa a haver experiência e quando vamos para a sala de prova, na lotação dos vinhos, é quase sempre a arte, um saber acumulado e intransmissível. O blend é a nossa força e é uma barreira.

Há alguma região portuguesa que se tenha destacado nos anos recentes?  
A região mais exportadora continua a ser o Alentejo e depois os Verdes, tirando o vinho do Porto. Uma região que vale a pena olhar com atenção é o Tejo. As regiões com menos tradição são aquelas que mais facilmente se adaptam aos mercados.

Mas a que traz mais prestígio é o Douro…
É o Douro. Claramente. Há aqui uma região que tem um potencial enorme, que tem castas muito interessantes mas que ainda tem uma barreira, que é o Dão. Julgo que lhe falta densidade de agentes económicos. Tem castas únicas, desde a Touriga Nacional ao Alfrocheiro, passando pelo Encruzado, tem vinhos muito agradáveis, mas o Dão tem falta de densidade de agentes económicos. É certo que em mercados como o Brasil ou Angola ainda se sente aquela imagem do Dão antigo, que esteve na origem dos problemas que a região atravessou. O novo Dão ainda não chegou a esses mercados. A Bairrada está num plano muito engraçado, por mérito próprio, sobretudo porque tem sabido trabalhar a casta Baga e, seja a Baga vinho tranquilo, seja a Baga espumante, nota-se aqui um esforço colectivo, nota-se que há uma direcção que quase todos vão percorrendo. Os Verdes, tem um problema difícil de resolver, que é o da dimensão. É onde se nota mais a micro-dimensão e a pulverização dos agentes económicos
Mas tem tido bons resultados na exportação…
Tem tido óptimos resultados, beneficia do facto de Verdes ser uma denominação de origem mas também uma categoria de vinho, mas essa notoriedade pode dificultar upgrades no produto, que está muito forte nas gamas média e baixa. De um modo geral, com atitudes diferentes, provavelmente as regiões do Sul estão mais preparadas para combater os países do Novo Mundo, pela escala também.

Quantos anos de investimento vão ser necessários até que uma região portuguesa se compare com Rioja ou Barolo [Piemonte, Itália], isto para não falar das grandes regiões francesas como Bordéus ou Borgonha?
O Douro poderia mais facilmente ter a notoriedade de uma Nappa Valley…

Diz no condicional. Porquê?
Quem vê de fora, essa notoriedade existe. Mas quando olhamos para aquilo que é o potencial do Douro e depois olhamos para os topos de gama, damos conta que representam muito pouco do que se produz no Douro. Estamos a falar de um Douro onde há 80 mil pipas [de 550 litros] sem colocação com denominação de origem. O Douro tem reconhecimento, mas esse reconhecimento não está à medida do potencial de produção da região.

Mas quando é que vamos ter uma região que se compare, por exemplo, a Nappa Valley?
É melhor não responder (risos). É preciso uma cultura diferente. Nós quando vamos a Nappa vemos um esforço colectivo muito grande. Trabalhar pelo valor faz parte da sua natureza e nós aqui ainda não sabemos trabalhar da melhor forma o valor. Julgo que há aqui apreconceitos que é preciso eliminar. No dia-a-dia não deixamos de ver o vizinho como concorrente. Nós temos um excelente exemplo que é o dos Douro Boys. Mas não é repetido. Para lá do marketing colectivo, houve um trabalhar colectivo do mercado. Temos também no Algarve a Adega do Cantor. Era bom que este fenómeno se repetisse em outras regiões e também no Douro. Isso resolvia-nos o problema da escala.

Portugal está a chegar a um limiar crítico em que é preciso uma nova aposta estratégia para continuar a crescer?
Sim, é natural que a produção suba, incrementalmente, por via das reestruturações de vinha que têm sido feitas. É natural que o consumo mantenha esta tendência de decréscimo, e portanto vai havendo aqui uma libertação marginal de vinho para exportação. Mas a percepção que temos é que essa margem é menor do que a nossa taxa de crescimento das exportações. De facto é hora de trabalharmos o valor e muito menos a quantidade. Precisamos de ter profissionais mais bem preparados, que saibam negociar. Nós por vezes questionamos se quando um português entra na sala de um comprador tem o seu discurso devidamente preparado, se tem prontos os seus argumentos negociais. Muitas vezes vamos para um negócio e não saímos da dimensão do preço.  

A Viniportugal conseguiu recentemente o estatuto de organismo interprofissional. Isso serve para quê? O que vai fazer com esse estatuto?
Isto é a mesma coisa que um empregado que trabalha na mesma empresa há 15 anos com recibos verdes entrar no quadro. Ele no dia seguinte vai continuar a produzir e a ganhar o mesmo, com a mesma dedicação, mas apesar de tudo tem um estatuto muito mais estável e sólido. É um reconhecimento que nos dá estabilidade acrescida e nos traz estabilidade. Mas que nos aumenta a responsabilidade.

--%>