Fugas - Vinhos

  • Hélder Rodrigues e o sogro,
Modesto Castro, nas vinhas
em Celorico de Basto de onde
sai o Modestu’s
    Hélder Rodrigues e o sogro, Modesto Castro, nas vinhas em Celorico de Basto de onde sai o Modestu’s Fernando Veludo/Nfactos
  • Pedro Cortinhas
(Casal de Ventozela)
    Pedro Cortinhas (Casal de Ventozela) Fernando Veludo/Nfactos
  • os quatro produtores
do Vinho Verde Young
Projects
    os quatro produtores do Vinho Verde Young Projects Fernando Veludo/Nfactos
  • Diogo
Teixeira Coelho,
da Quinta da Raza
    Diogo Teixeira Coelho, da Quinta da Raza Fernando Veludo/Nfactos

Há sangue novo a puxar pelos Vinhos Verdes

Por José Augusto Moreira

Novas gerações, uma nova atitude na região e, sobretudo, vinhos que expressam a riqueza das castas e a variedade do território. As exportações não param de crescer e consomem já metade de toda a produção.

Fez agora dois anos, depois da vindima de 2013, os responsáveis pela Região dos Vinhos Verdes lançaram uma campanha promocional chamando a atenção para o crescimento das exportações dos seus vinhos. “Há quem puxe pelo país”, destacava o slogan numa época em que se vivia o auge da crise económica e o país precisava desesperadamente de aumentar as exportações. A imagem era a de um saca-rolhas a puxar para abrir uma garrafa, associada à informação dos 42 milhões de euros em receita externa com a exportação anual de mais de 70 milhões de litros para 90 destinos internacionais. Números que, nessa altura, soavam quase a milagre: as exportações representavam já 40% da produção e não paravam de crescer desde a viragem do século, quando apenas 10% dos Vinhos Verdes saíam do país, basicamente com destino às comunidades de emigrantes.

O interessante, no entanto, é que desde então as vendas não deixaram de crescer. E a um ritmo cada vez maior: no final deste ano, as exportações devem significar já mais de metade da produção, e, caso praticamente único no mundo, com os preços também a aumentar. Um crescimento ténue, é certo, mas que é constante e sustentado e contraria a tendência geral de queda.

Significativo é o que se passa, por exemplo, com os EUA, que são já o principal destino para os Verdes. É certo que em volume lidera ainda a Alemanha, mas a receita é maior no caso americano, o que significa que são de preço mais elevado os vinhos que para ali são exportados. Um mercado que valoriza os vinhos de quinta, com qualidade e identidade. Que procura a diferença e variedade das castas, as condições e enquadramento em que são criados os vinhos.

É isto o resultado de novos projectos, de muita e cada vez mais gente nova que decidiu dedicar-se à produção de vinhos na região. Nuns casos recuperando e reconvertendo propriedades e produções de família, noutros com investimento de raiz, mas sempre orientados para os vinhos de qualidade. É por isso que, voltando ao slogan, bem se poderá dizer também que há sangue novo a puxar pelos Vinhos Verdes. Uma nova atitude e forma de estar que aposta sobretudo em acrescentar valor e qualidade aos vinhos e que muito tem contribuído para o boom das exportações.

Casos como o Vinho Verde Young Projects (VVYP), que junta quatro jovens produtores que decidiram dedicar-se exclusivamente aos vinhos de qualidade superior, do chamado segmento premium. Apostam na promoção conjunta e presença nos principais mercados de exportação com vinhos de nicho. Pequenas produções que valorizam as castas e os diferentes territórios dos verdes. Do Avesso da zona de Baião ao Alvarinho de Monção e Melgaço.

Paradigmáticos são também os casos da Quinta da Raza, na região de Basto, ou de Casal de Ventozela, no Vale do Ave, propriedades onde a segunda geração tomou conta do negócio e em pouco tempo multiplicou a produção que, em ambos os casos, é já exportada em mais de 70%. Ou ainda o projecto Modestu’s, uma aposta na qualidade que, com apenas três colheitas, arrecada prémios e exporta os seus vinhos para países como Áustria e República Checa.

Há, portanto, sangue novo e uma nova atitude na região, que aposta na qualidade e diversidade dos vinhos, na valorização das castas e nos diferentes territórios. Para trás ficou, em definitivo, o estereótipo dos vinhos baratos, docinhos e gaseificados. Esse, definitivamente, já não é o vinho verde. Ou melhor, o vinho verde é passado e o que a realidade hoje mostra é uma Região dos Vinhos Verdes, com vinhos secos, frescos e leves, que evidenciam a variedade e qualidade das castas autóctones, a diversidade e riqueza de territórios.

“São vinhos espectaculares. E reparem que não disse bons ou agradáveis, disse espectaculares”, assim os classificou Robert Sherman, embaixador dos EUA em Portugal, quando este ano participou num evento da Comissão de Viticultura da Região dos Vinhos Verdes (CVRVV) para assinalar o início das vindimas. Palavras em evidente contexto de simpatia, mas que não deixam de expressar o entusiasmo com que os americanos olham hoje para qualidade e diversidade dos Vinhos Verdes que são distribuídos no seu território.

Projectos jovens

É essa, precisamente, a perspectiva que une os jovens produtores do VVYP. “O que nos junta é a vontade de mostrar que o vinho verde tem excelência, diferenciação, e que tem vinhos fabulosos que fazem a diferença”, sublinha Miguel Queimado, na posição de porta-voz do grupo. Com formação em agronomia, decidiu voltar as costas à sua Lisboa de sempre para rumar ao Alto Minho e relançar a velha propriedade da família dedicada à produção de Alvarinho. É aí que elabora o seu Vale dos Ares, uma pequena produção de 10 mil garrafas que vende a 9€ e exporta para Canadá e Alemanha.

Idêntico é o caso de Joana Santiago, que tem agora que dividir a advocacia, na região de Aveiro, com a produção do seu Alvarinho da Quinta de Santiago, em Monção, cujo negócio decidiu relançar em 2012. O sucesso dos vinhos reclama-lhe cada vez mais tempo e visitas a mercados como Canadá, Alemanha, Bélgica e Suíça, para onde exporta ao preço de 10€ a garrafa.

É da região de Baião que vem o Cazas Novas, um Avesso de perfil moderno que é quase todo exportado para o Reino Unido e EUA. Vasco Magalhães, da área das electrónicas e também ele com vivência urbana e na casa dos 30 anos, apostou na modernização da propriedade de família e o sucesso foi imediato. O vinho custa 7€ e produz cerca de 15 mil garrafas. Idêntica foi a opção de João Camizão, que dentro da estrutura familiar de vinha na região de Amarante decidiu autonomizar a produção do seu Sem Igual, um branco com as castas Arinto e Azal que é distribuído a 12€ a garrafa no mercado nacional.

Além das idades aproximadas, da vivência urbana e das propriedades de família, une-os a vontade de afirmação da região como produtora de vinhos de valor e diferenciados, os chamados vinhos de boutique. “Também uma filosofia de vinha bem trabalhada para garantir a menor intervenção possível na adega. Queremos vinhos naturais, não tecnológicos, que expressem a colheita e as características da vinha”, reforça Miguel Queimado.

A coincidência de todos terem começado em 2012 e de se irem encontrando em feiras e iniciativas de promoção levaram-nos à conclusão de que em conjunto melhor poderiam mostrar uma nova atitude e o melhor da região e, assim, alcançar os seus objectivos. “Temos um vinho cada e podemos representar a diversidade de castas e do território, da margem do Douro à do Minho. Para quem prova, representa uma viagem pela região que assim se torna mais rica e interessante e ao mesmo tempo ganhamos escala e capacidade de intervenção. Podemos mostrar a diversidade e riqueza da região, mostrar orgulho na marca Vinhos Verdes com três membros importantes da família: Baião, Amarante e os Alvarinho de Monção e Melgaço”, sublinha Miguel Queimado.

Procura da qualidade

“A qualidade, e só a qualidade”, foi o que levou Modesto Castro a plantar uma vinha associada à moradia de lazer que quis manter na terra dos pais, numa encosta solarenga voltada ao Tâmega ainda no concelho de Celorico de Basto. “A culpa, em boa verdade, foi dos trabalhadores que aqui andavam, que sempre que bebíamos uns copos me massacravam a cabeça a dizer que aqui é que dava para fazer uma vinha a sério”, lembra o industrial que se dedica, na zona do Porto, ao fabrico de candeeiros e soluções de iluminação interior que exporta para todo o mundo. A vinha foi, portanto, uma brincadeira, “mas sempre com qualidade”, que o industrial quis experimentar, mas que os prémios e a visão do genro de imediato transformaram num projecto de sucesso.

A vinha, com seis hectares, começou a ser plantada em 2009 e a primeira vindima foi em 2013. A pequena adega foi logo equipada com meios e tecnologia adequada, contratado um enólogo reputado (Jorge Sousa Pinto) e o primeiro vinho, Modestu’s, logo chamou a atenção pela qualidade diferenciadora. Ao segundo ano, ou seja, no ano passado, o vinho branco com base de Arinto e um “tempero” de Azal seria logo distinguido com o prémio “Best Off” do concurso da Região dos Vinhos Verdes e a coisa não mais parou.

O genro, Hélder Rodrigues, com a visão comercial da área da indústria farmacêutica a que se dedica, avança para rótulos e design cuidados e uma estratégia de “marketing digital agressivo”, as palavras são dele, nas redes sociais e o vinho está já a ser distribuído na Áustria e na República Checa e há negociações com franceses. O mais interessante é que se trata de canais com posicionamento de mercado de nível superior e de luxo, o que é absolutamente novo para os Vinhos Verdes. No caso austríaco, a iniciativa partiu de uma empresária de origem portuguesa que se dedica à produção e distribuição de caviares, aos quais associa o Modestu’s. O vinho, que tem um preço recomendado de 7€, encontra-se também nalguma restauração de gama alta na área de Lisboa e, a par das evidentes qualidades de aroma, secura e frescura, mostra também interessante potencial de envelhecimento. Basta já provar a primeira colheita, de 2013.

Depois das reduzidas produções das duas primeiras vindimas, a colheita deste ano vai passar para 35 mil garrafas e vai avançar a ampliação da adega. Foram já plantadas novas vinhas, numa encosta com patamares em terrenos de granito e xisto, a lembrar o Douro. Há uma vinha nova com Alvarinho que vai dar lugar a experiências de espumantização, e também um tinto Vinhão que está já em garrafa e promete afinar com o tempo. “A ideia é criar sempre o melhor vinho possível, se o ano for mau não o lançamos”, assegura Modesto Castro.

 

Mudança de geração

Exemplar é também o caso de Casal de Ventozela, uma marca que arrancou apenas há três anos para a exportação e hoje coloca no exterior mais de 70% da sua produção de 350 mil litros. O caminho foi também o da aposta na qualidade dos vinhos e, coincidência, também com intervenção decisiva do genro no desempenho comercial da empresa.

No coração do Vale do Ave, e rodeada de unidades têxteis, a vinha era uma actividade de família mantida em termos tradicionais e na dependência da actividade industrial de têxtil e vestuário, até que os três filhos de José Cortinhas, todos na casa dos 30 anos, aceitaram dar asas à paixão do pai e meter-se no negócio.

“Esta é a terceira vindima a sério. Antes, os vinhos eram vendidos a granel, à porta da quinta ou para as tascas da região”, conta Pedro Cortinhas, que agora divida as tarefas de gestão na fábrica têxtil com a presença na adega. A gestão, a parte comercial e o trabalho com os mercados de exportação cabem ao cunhado, André Miranda, que deixou a engenharia civil para se dedicar em exclusivo ao projecto de reconversão e revitalização das vinhas da família da mulher.

O trabalho começou com a replantação e alargamento da área de vinha, seguindo-se o equipamento da adega e a contratação do enólogo Fernando Moura. Nos 30 hectares de vinha, distribuídos por cinco propriedades, estão plantadas as castas típicas da região. Predomina a Loureiro, seguida pela Arinto, Vinhão, Trajadura e Espadeiro. A vinha mais recente é de Alvarinho, que foi este ano vindimada pela primeira vez.

O principal vinho é o Escolha Branco, um blend tradicional da sub-região onde predomina o Loureiro associado a Arinto e Trajadura que, além do consumo interno, é reclamado por todos os mercados de exportação. Para o Reino Unido vai sobretudo Arinto, enquanto Alemanha, Holanda e Canadá pedem maioritariamente Loureiro.

Caso muito interessante é o do varietal Espadeiro, um rosé natural decorrente das características da casta, que lidera as vendas para os EUA e é crescentemente reclamado na Alemanha e Canadá. A produção ronda os 50 mil litros mas vai crescer nas próximas vindimas, ao contrário do que se passa com o Vinhão, que é consumido apenas na região, e cada vez em menor quantidade.

Também nos Loureiro a ideia é incrementar a produção e a qualidade, com novos oito hectares de vinha no vale do Cávado, em Barcelos, onde dizem que a casta melhor se expressa.

Reconversão de vinhas

A mudança de geração e a reconversão de vinhas foi também o caminho para o sucesso na Quinta da Raza, uma propriedade com história de família há pelo menos quatro gerações e que já exporta mais de 70% da produção. Fruto disso, o crescimento tem sido uma constante e das 15 mil garrafas há menos de uma década hoje saem da moderna e equipada adega 350 mil garrafas por ano.

Foi ainda antes do virar do século que Pedro Teixeira Coelho, então com menos de 20 anos, assumiu a tarefa de tomar conta dos vinhedos da família, sucedendo ao avô Inácio, que foi um agrónomo reconhecido em toda a região de Basto. A grande mudança é, no entanto, mais recente e é Mafalda, mulher de Pedro, que conta como tudo começou: “A primeira vez que tentámos a exportação foi em 2006. Fomos à Prowein [feira/mostra de vinhos na Alemanha] e não vendemos nada. As pessoas provavam e gostavam, mas achavam que os vinhos eram todos caros. Percebemos que precisávamos de um vinho de entrada, que fizesse o efeito de arrastamento.”

Foi assim que nasceu o Raza, um vinho assumidamente leve e fresco que junta Arinto, Azal e Trajadura, que representa hoje mais de um terço do engarrafamento total e esgota nos mercados de exportação. Atrás dele, o Arinto e o Azal estão já também em 17 países, com predominância para Alemanha, Reino Unido e EUA. “Este ano chegámos ao Japão”, conta ainda Mafalda, que, com o crescimento das exportações, teve que abandonar a docência de Gestão no ensino superior para se dedicar em exclusivo ao negócio do vinho.

Depois da visita à Quinta da Raza de importadores japoneses, promovida pela Comissão dos Vinhos Verdes, levaram os vinhos a Tóquio, onde estes foram apreciados, principalmente o Padeiro. Esta é uma casta nativa de Basto que estava em vias de extinção e tem vindo a ser recuperada com base na Quinta da Raza, num projecto incentivado pelos técnicos da Direcção Regional de Agricultura que teve início em 1998.

A casta, precisamente denominada por Padeiro de Basto, dá vinhos rosados que associam à frescura e forte expressão aromática algum corpo e volume de boca. Vem sendo muito apreciada, principalmente nos EUA, e começa a espalhar-se pela região. Mais de 90% das 20 mil garrafas da Quinta da Raza são para exportação, o que faz com que o vinho esteja esgotado muito antes de ser engarrafado.

Em termos de encepamento, nos 40 hectares da propriedade predominam o Azal e Arinto, seguindo-se o Alvarinho, Trajadura, Vinhão, Padeiro e Avesso. Pedro Teixeira Coelho diz que “primeiro foi necessário avançar com a reestruturação e reconversão para arrumar a vinha por castas” e que agora é tempo de avançar com algumas experiências inovadoras. Há já na adega uma experiência com madeira na casta Avesso, mas o grande projecto passa por uma nova vinha a meia encosta com as cepas mais bem adaptadas à região para criar vinhos com capacidade de envelhecimento, designadamente o Vinhão.

E bastará visitar a Quinta da Raza, no planalto de Celorico, e ver o enquadramento com as serranias do Marão, Alvão e Cabreira, para logo se constatar que nem todos os Vinhos Verdes são de influência atlântica. Há uma grande riqueza e diversidade de castas, mas também territórios e condições diferenciadas capazes de proporcionar os tais “vinhos espectaculares” a que se referia o embaixador do EUA.

O mercado internacional já o reconhece. E mesmo internamente, apesar da falta de notoriedade e um certo alheamento da crítica, o consumo de Verdes está em segundo lugar, atrás do Alentejo, mas lidera com larga vantagem no capítulo dos brancos.

Há sangue novo que puxa pela região, mas há, sobretudo, um trabalho de reconversão de métodos e mentalidades, a par da forte promoção externa, que tem vindo a ser eficazmente desenvolvido pela CVRVV, liderada por Manuel Pinheiro. E o sucesso é tal que a região não tem praticamente stock de vinhos e tem já dificuldade em responder às solicitações do mercado. Para resolver a escassez há já quem pense em reconverter campos de milho dos produtores de leite, cujo mercado está em recessão, para aumentar a produção. Perspectiva-se, assim, a substituição do leite pelo Vinho Verde.

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