Fugas - Vinhos

ENRIC VIVES-RUBIO

Os vinhos de Lisboa

Por Rui Falcão

Ser produtor de vinho na região de Lisboa não é tarefa que possa ser encarada com a descontracção natural de quem sabe estar inserido numa região de nome feito e reconhecimento imediato.

Inscrever o peso de nomes como Arruda dos Vinhos, Torres Vedras, Óbidos ou Lourinhã no contra-rótulo não é sinónimo de facilidade ou notoriedade que possa captar o imaginário da maioria dos amantes ou consumidores ocasionais de vinho.

Convém que fique claro que não existe nada de errado com estas denominações, nada que possa impedir a origem de vinhos excepcionais, bons ou simplesmente banais. Qualquer uma das muitas denominações de Lisboa, sobretudo as três denominações históricas de Lisboa, Bucelas, Carcavelos e Colares, dispõem de condições naturais únicas que permitem vinhos carregados de personalidade, zonas de eleição, terroirs de excepção, condições naturais que por vezes se avizinham da excelência. Mas, e apesar da bondade da natureza, continua a não ser fácil fazer vinho em Lisboa.

São os preconceitos, essa erva daninha que tolda o julgamento e cria problemas de percepção que minam a região. São esses mesmos preconceitos e frases instituídas que por vezes afastam os consumidores dos vinhos de Lisboa. Uma região que foi associada num passado já distante a vinhos de enorme volume, uma região que uma grande parte de um país que ainda não desapareceu associou a vinhos de taberna, vinhos de casa de pasto, imagem indelével que ficou associada de forma demasiado estreita à região de Lisboa.

Por isso, os vinhos das regiões limítrofes de Lisboa, em tempos conhecida como a zona saloia, continuam a sofrer de um enorme défice de imagem como um todo inscrito sob o nome Lisboa. Seria menos problemático se as denominações individuais permitissem uma respeitabilidade substancialmente mais favorável, mas infelizmente os vários nomes sofrem os obstáculos inerentes a uma reputação duvidosa que foi herdada do passado. A região de Lisboa como um todo continua a padecer de falta de imagem.

Para a maioria dos consumidores continua a ser difícil associar o nome Lisboa ao vinho. Sobretudo quando, para enegrecer o cenário, a região já mudou de designação demasiadas vezes para conseguir ganhar o reconhecimento público. Começou pela tentativa de projectar o nome “Oeste”, que pouco ou nada poderia dizer à generalidade dos portugueses, logo seguida pela opção de renomear a região como Estremadura, nome que chegou a ser confundido com a região espanhola homónima. A subsequente mudança de nome para Lisboa nada mais fez que perpetuar a confusão, apesar da bondade evidente de associar os vinhos a uma cidade de reconhecimento fácil e internacional.

O mais curioso é que a região de Lisboa, tradicionalmente, sempre revelou ser uma das regiões agrícolas e vitícolas mais dinâmicas de Portugal. Historicamente, a região esteve na vanguarda da agricultura nacional revelando alma, arte e engenho para aproveitar os ventos sempre que estes mudavam de rumo. Quando as castas híbridas estavam na moda, quando o tempo apontava para a aposta nos grandes volumes, quando o mercado doméstico se aliava a um imenso mercado ultramarino, a região de Lisboa foi a que soube aproveitar a benesse dos novos cruzamentos, investindo no estudo e propagação destas novas castas. Variedades estudadas para serem produtivas à hipérbole, castas irrelevantes sob o ponto de vista vinícola mas interessantes quando analisadas sob a perspectiva financeira.

Quando o volume deixou de ser um desígnio nacional para se apostar na qualidade, quando o conceito de qualidade e individualidade se instalaram como objectivos definidos, Lisboa foi a região mais célere e entusiasta a adoptar a instalação de castas estrangeiras, variedades de reputação internacional, entre as quais se contavam Cabernet Sauvignon, Merlot ou Chardonnay.

Uma vez mais, quando o mercado e a estratégia dominantes passaram a advogar um caminho de afirmação das castas nacionais, a região de Lisboa, sem complexos de inferioridade e com uma sagacidade notável, inflectiu caminho, apostando nas melhores e mais conhecidas castas nacionais, mesmo que oriundas de outros paradeiros do território. Foi assim que entraram em cena castas como a Touriga Nacional, Touriga Franca, Aragonês ou Alvarinho numa lista que se estende quase até à exaustão.

Apesar dessa resiliência e capacidade de adaptação, a região de Lisboa continua a ser assolada por um conjunto significativo de dificuldades. Por um lado, o abandono do volume e a reconversão aos desígnios da qualidade está longe de gerar consensos ou de se ter transformado num conceito universal aceite por todos. O volume de vinho indistinto continua a ser a filosofia de um grupo significativo de produtores. O movimento cooperativo está de rastos, de resto tal como noutros pontos do país, chegando ao ponto de falência técnica em demasiadas ocasiões. O capital não abunda e ainda subsiste uma agricultura de fim-de-semana que pesa no desenvolvimento da região. Mas a pior notícia é que alguns dos principais agentes económicos continuam a ter dificuldade em acreditar no futuro da região.

Alenquer continua a apresentar-se com o centro nevrálgico da região de Lisboa, pulmão e coração da região, eixo central por onde decorre uma parte substancial da actividade vinícola. É o centro nevrálgico da qualidade, do renascimento da região, o motor que impele o desenvolvimento. Mas para além de Alenquer têm de surgir mais denominações de excelência.

Entre os grandes nomes da região de Lisboa encontram-se três produtores que retratam de forma notável três sentimentos e três diferentes sensibilidades, três horizontes que convergem pela qualidade e pela presença de três famílias. São eles Quinta de Chocapalha, a Quinta de Sant’Ana e a Quinta do Monte d’Oiro. Três produtores que representam uma imagem notável do potencial da região, do que pode ser e de como se pode converter a região de Lisboa.

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