Por algum estranho acaso, encaramos os vinhos estrangeiros com uma sobranceria que é pouco frequente na sociedade portuguesa, que tradicionalmente se habituou a valorizar o que venha de fora.
Mas quando chegamos ao mundo fechado do vinho continuamos a alimentar a sensação que produzimos os melhores vinhos do mundo, acabando surpreendidos com a mera presença de vinhos estrangeiros nas prateleiras das grandes superfícies ou das garrafeiras especializadas.
Por uma razão que nem sempre é fácil de entender, habituámo-nos a desdenhar os vinhos estrangeiros, assentes na convicção que estes não têm cabimento no mercado português e que nada acrescentam à nossa cultura. E, no entanto, sempre que nos aproximamos do mundo dos vinhos espumantes os sentimentos contradizem-se, para de forma ingénua passarmos a valorizar de forma presumida os espumantes estrangeiros, desdenhando de forma despudorada o que é nacional.
Um sentimento raro e estranho que surge do nada, como se no capítulo dos vinhos espumantes encerrássemos todos os pecados do mundo, como se os espumantes nacionais fossem um subproduto de qualidade inferior, como se os espumantes portugueses fossem vinhos menores e pouco válidos de que nos devêssemos sentir envergonhados.
Ao contrário do que muitos assumem por desconhecimento, temos tradição na área e, sobretudo, produzimos alguns vinhos espumantes de qualidade notável que são capazes de ombrear com os igualmente bons exemplares oriundos de países como a França, Espanha, Itália, Alemanha ou Áustria.
E não subestime estes dois últimos países, Alemanha e Áustria, já que ambos conseguiram entrar no difícil mercado internacional apropriando-se de uma imagem de qualidade muito razoável que lhes permite alcançar preços muito confortáveis.
Para além desta dificuldade de afirmação interna, os vinhos espumantes sofrem ainda de uma contrariedade difícil de superar, a volatilidade e sazonalidade do mercado que continua a associar o consumo de vinhos espumantes com comemorações ou celebrações de datas especiais.
Por muito esforço de comunicação que se tenha feito nesta área, a maioria dos consumidores continua a desconhecer que os espumantes são parceiros ideais para a mesa, para a celebração, harmonização e exaltação dos prazeres da mesa.
Com maior ou menor subtileza, o estilo e qualidade dos vinhos espumantes variam com propriedades e características tão diversas, de resto como qualquer vinho, como a casta ou castas usadas, a localização da vinha, o lote, o ano de colheita, tipo de prensagem das uvas, etc. No entanto, e ao contrário dos restantes vinhos, nenhuma é tão determinante como o tempo de contacto com as segundas leveduras e a dosagem de açúcar adicionada no licor de expedição.
É essa concentração de açúcar presente no vinho reserva que vai ser adicionado após o degorgement que vai definir os vários estilos passíveis de serem comercializados, estilos que têm de estar identificados nos rótulos dos vinhos espumantes. Poderemos assim encontrar numa escala crescente de teor de açúcar espumantes chamados bruto natural, extra-bruto, bruto, extra-seco, seco, meio seco e doce.
Os espumantes mais sérios, aqueles que realmente espelham o terroir e que exaltam as virtudes da terra e do homem, são os das categorias mais secas, identificados como bruto natural, extra bruto e bruto. A categoria bruto natural, que por ora ainda continua a ser pouco visível nas prateleiras, traduz vinhos espumantes sem qualquer adição de açúcar, sem correcções e sem maquilhagem de qualquer espécie.
O resultado de tamanha seriedade e austeridade pode ser demasiado extremo para muitos apreciadores, resultando com frequência em vinhos muito secos, fechados, severos e sisudos, mas que são o retrato mais fiel das vinhas e do vinho base.
As duas categorias principais, extra-bruto e bruto, são aquelas que usualmente representam a ascendência das categorias superiores dos vinhos espumantes. Por tradição têm sido aquelas que a maioria dos críticos, produtores e consumidores mais esclarecidos entendem como sendo as categorias soberanas dos vinhos espumantes. É também onde a escolha é mais variada e onde é possível encontrar vinhos de todas as castas, estilos e regiões de origem.
Os estilos extra-seco, seco e doce, todos eles muito doces apesar de a etimologia dos nomes nem sempre o dar a entender, são relativamente raros, gozando de uma procura extremamente sazonal que quase se resume aos festejos do final de ano.
Apesar de a maioria dos vinhos espumantes se apresentarem comercialmente como vinhos brancos, o recurso a castas tintas na elaboração dos vinhos espumantes brancos é algo de profundamente natural. Se na região de Champagne, terra de origem dos espumantes, elegem-se as castas Pinot Noir e Pinot Meunier, em Portugal é relativamente corrente ver a presença de castas tão diversas como a Baga, Touriga Franca ou Castelão na composição dos lotes.
A opção é tão trivial que acabaram por ser criados dois designativos especiais, blanc de blancs e blanc de noirs, para indicar respectivamente se o espumante foi elaborado com base em castas brancas ou tintas.
Embora a opção seja menos habitual, os vinhos espumantes são igualmente anunciados em versão rosé, ou, ainda menos habitualmente, numa versão tinta que faz mais sucesso nas regiões da Bairrada e mais recentemente do Vinho Verde. Se os congéneres tintos costumam ser pouco estimados por se apresentarem demasiado ríspidos, taninosos, duros e secantes, os espumantes rosados podem atingir o zénite aproximando-se do apogeu da categoria.
Os espumantes conseguem com frequência aliar a frescura e alegria naturais dos espumantes com a euforia da fruta suave e insinuante, juntando o melhor de dois mundos.