Fugas - Vinhos

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    Pedro Jorge, o "Pedrão", Garrafeira Alfaia Guilherme Marques
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Garrafeira Alfaia, a casa do vinho como ele deveria ser

Por Rui Falcão

"Um desses heróis, infelizmente pouco reconhecido na crítica nacional ou entre uma parte significativa do circuito enófilo lisboeta, é Pedro Jorge, mais conhecido como Pedrão, dono e animador da Garrafeira Alfaia, no Bairro Alto, em Lisboa."

O mundo do vinho pode ser estranho e pouco amigo de alguns dos actores menos mediáticos. De tão imersos no mundo do vinho, de tão absorvidos pelos grandes nomes e por objectivos que frequentemente são ambiciosos, de tão consumidos por estratégias de comunicação e promoção, de tão embrenhados nos mesmos actores de sempre, passamos por vezes ao lado de alguns dos heróis do vinho.

Pessoas anónimas, ou pelo menos pessoas quase desconhecidas do grande público, pessoas frequentemente esquecidas por aqueles que escrevem as notícias e que ajudam a criar tendências, pessoas mais ou menos discretas que se dedicam à causa do vinho de forma abnegada, empenhada e intensa. Figuras que revelam uma paixão activa que é verdadeiramente digna desse nome tão aclamado mas tão pouco entendido e celebrado na sua versão mais pura.

Continuamos a valorizar e a endeusar produtores e enólogos, por vezes com razão para tal, continuamos a aplaudir estrategas, comissões vinícolas, institutos e instituições de promoção do sector, felizmente e em muitos casos com razões para tal, mas continuamos a esquecer-nos de outros pequenos e grandes heróis do vinho que, com um trabalho diário esforçado e empenhado, ajudam de forma decisiva na promoção e venda directa de vinho, na educação, divulgação e afirmação de uma boa imagem dos vinhos nacionais.

Um desses heróis, infelizmente pouco reconhecido na crítica nacional ou entre uma parte significativa do circuito enófilo lisboeta, é Pedro Jorge, mais conhecido como Pedrão, dono e animador da Garrafeira Alfaia. Apesar do nome, o espaço situado no Bairro Alto, no coração boémio da cidade, não é propriamente uma garrafeira, pelo menos no formato mais clássico ou típico da palavra, mas antes um bar de vinhos, um espaço pequeno e intimista que convida à tertúlia e à conversa animada entre os frequentadores da casa, conversa que se estende entre quem lá passa todos os dias e quem o visita pela primeira vez.

Pedro Jorge, o Pedrão, é o homem ao leme da casa que lhe empresta todo o charme e personalidade em que o Alfaia é pródigo. Foi ele que conseguiu criar e manter esse espírito de assembleia de espíritos, de reunião informal e conversa espontânea que é lançada de forma automática e instintiva entre as parcas e apertadas mesas que compõem o Alfaia. São raros os dias em que não surge uma música no ar, em que não se escapa uma conversa entre mesas de diferentes nacionalidades, em que uma ou mais garrafas não começam a circular de forma voluntariosa entre os diferentes grupos que se formaram.

O português com sotaque do Brasil costuma ser dominante nas noites do Alfaia, mesmo se o inglês acaba tantas vezes por se impor como língua franca que facilita as trocas de prosa entre as mesas ocupadas. Como é tão habitual em Portugal, quem vem de fora cedo se habituou a valorizar aquilo que muitos lisboetas e visitantes nacionais gostam de esquecer ou simplesmente ignorar. Apesar de nada no Alfaia estar orientado para o público turista que subitamente decidiu invadir Portugal, é muito mais fácil encontrar estrangeiros nesta casa tão portuguesa que nacionais à procura de uma boa conversa acompanhada por um bom copo de vinho.

É difícil encontrar uma pessoa mais generosa, humilde e apaixonada pelo vinho, na verdadeira acepção da palavra paixão, que o Pedrão. O sorriso é constante e cativante no prazer óbvio de quem quer mostrar aos amigos e clientes os vinhos de que gosta e que lhe despertam emoções. Sem nunca se exibir, sem nunca alardear a superioridade do conhecimento, sempre com a contenção e alegria de quem se está a divertir ao partilhar e a dar a conhecer mais uma garrafa de vinho.

No Alfaia pratica-se uma mistura explosiva que combina conhecimento, exaltação, entusiasmo, alegria, convivência, bom trato, educação e algum sentimento de uma intimidade que nunca é invasiva, muitas vezes ao sabor de pratos simples que ajudam a fazer brilhar as meninas dos olhos do Pedrão, as muitas garrafas que por lá andam e que vão sendo abertas a pedido ou pelo capricho momentâneo do Pedrão que, por vezes, não se contém e decide ele abrir garrafas para partilhar com os clientes.

Tudo isto num espaço com decoração simples e tradicional, uma decoração que não pretende ser particularmente feliz ou especialmente cuidada, sem investimento em detalhes ou acessórios sofisticados que poderão encher o olho mas que não se reflectem necessariamente naquilo que é mais importante, a sensação de nos sentirmos bem acolhidos. A matriz é claramente mais sincera, mais directa, apostando tudo na arte de bem receber, no envolvimento pessoal, na alegria da partilha, na promoção de um espírito de tertúlia que se foi perdendo nas grandes cidades.

Uma casa que faz mais pela promoção do vinho português, dentro e fora de fronteiras, que muitas campanhas desgarradas que parecem alheadas da realidade. Uma promoção na melhor definição da palavra, juntando o prazer do vinho ao prazer do conhecimento, da conversa, da partilha de emoções e sensações. Porque na realidade é isto e estes valores que o vinho deveria poder transmitir…

 

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