Fugas - Vinhos

Adriano Miranda

Um problema geracional?

Por Rui Falcão

Não será sequer necessário insistir que Portugal é um país abençoado pela presença de quatro grandes vinhos fortificados do mundo, Porto, Madeira, Moscatel de Setúbal e Carcavelos.

Um quarteto de luxo que, apesar de sortes comerciais diferentes e de reconhecimento mediático bem diferenciado, representam quatro estilos memoráveis que nenhum outro país consegue oferecer. Não só estão entre os grandes do mundo como representam quatro dos vinhos que oferecem maior potencial de longevidade do planeta. São vinhos quase imortais que elevam o nome de Portugal à estratosfera do mundo vínico.

Sim, é indiscutível que os vinhos do Porto e Madeira são infinitamente mais conhecidos e valorizados que os Moscatel de Setúbal ou Carcavelos. Sim, é verdade que, no panorama internacional, Porto e Madeira, juntamente com o omnipresente Mateus rosé, são dos poucos vinhos portugueses reconhecidos e que estão visíveis em garrafeiras de todo o mundo, presentes um pouco pelas cartas de vinhos dos principais restaurantes internacionais.

Fazem parte do imaginário popular, são tema recorrente de artigos em revistas da especialidade ou em meios de comunicação generalistas e gozam de uma exposição mediática confortável.

O problema é que os vinhos generosos portugueses continuam a ser vendidos a preços pouco consentâneos com a sua qualidade e com o seu posicionamento. Enquanto os vinhos das principais marcas francesas de Bordéus, Borgonha ou Côte du Rhône continuam a atingir preços demenciais, enquanto os vinhos californianos de culto atingem preços estratosféricos, enquanto os vinhos italianos se vendem a preços irracionais, os grandes vinhos do Porto ou da Madeira mantêm-se a preços modestos e sem capacidade para se valorizarem.

Quando até os vinhos australianos do “estilo Porto” conseguem atingir preços mais elevados que os verdadeiros vinhos do Porto significa que algo está mal.

Mas pior que a falta de valorização comercial dos vinhos, que recordo estarem entre a elite mundial, é a crescente quebra de popularidade entre os consumidores mais jovens. Não é segredo para ninguém no mundo do vinho que as gerações mais jovens de consumidores se encontram profundamente alheadas do fenómeno dos vinhos generosos aos quais atribuem uma imagem envelhecida e muito pouco excitante. Um problema reconhecido que afecta de forma transversal não só todos os estilos de vinhos fortificados como os vinhos doces de uma forma mais ou menos generalizada.

A ideia de vinho de aperitivo ou de vinho para a sobremesa é um conceito em clara regressão e que afecta de forma substancial o futuro de quatro dos vinhos mais emblemáticos de Portugal. Dentro e fora de fronteiras os vinhos fortificados são encarados como um vinho dedicado a seniores, algo que a avó ou o avô teriam o hábito de beber mas que parece tão pouco apetecível para os novos consumidores. Se o seu consumo não desapareceu por completo dos hábitos sociais das novas gerações é porque ainda se mantém a tradição de o bebericar em ocasiões festivas, datas de celebração que significam a morte progressiva de qualquer região.

Apesar dos perigos evidentes, Portugal nem sequer se pode queixar de estar entre os casos mais dramáticos. O vinho do Porto e o vinho da Madeira têm sido os maiores resistentes à debandada geral dos vinhos generosos, com destaque especial para o Madeira, que até tem crescido de forma sustentável. Mas ser um mero resistente é muito pouco quando falamos de dois dos grandes vinhos do mundo. Sobretudo se essa resistência se limitar a manter quotas de mercado geral com preços demasiado modestos, pouco valorizantes e muito pouco consistentes com a imagem dos vinhos e das regiões.

Pior, apesar de as vendas ainda se manterem relativamente estáveis não é difícil perceber, porque existem informações estatísticas separadas por grupos etários, que a base se está a estreitar e que a idade média do comprador continua a aumentar. E se as gerações acima dos quarenta não forem mais cedo ou mais tarde substituídas pelas gerações subsequentes a base demográfica será erodida progressiva mas garantidamente destapando uma crise endémica da qual será eventualmente tarde de mais para sair.

Os caminhos e eventuais soluções não são óbvios nem são únicos. O vinho do Porto rosé foi pensado como uma alternativa para rejuvenescer a imagem do vinho do Porto e para tentar assegurar uma base sólida que pudesse ser usada na elaboração de cocktails. Os resultados da operação não são conclusivos, mas aparentemente não conseguiram atingir os objectivos a que se tinham proposto. Mas a ideia de tornar o vinho do Porto como um vinho cocktail friendly merece atenção, estudo e alguma imaginação. Jerez tem investido fortemente nesta área e, depois de ter sido declarada morta, a região começa a renascer no mercado norte-americano precisamente como vinho base para cocktails.

O rejuvenescimento da imagem, nomeadamente na rotulagem e no uso de garrafas mais modernas, é outra das necessidades, que em abono da verdade já começou a ser encarada com seriedade. A simplificação será outra das prioridades num universo que pode ser supinamente complicado para os não iniciados. A promoção e incentivo na utilização de copos “normais”, copos de vinho tinto em lugar dos copos pequenos que têm sido indicados, é outra das mensagens essenciais para a simplificação e facilidade de consumo. Para além da evidência, claro, que um copo grande leva sempre maior volume que um copo pequeno, com as vantagens inerentes ao facto. Acima de tudo, é fundamental desmontar a imagem que os vinhos fortificados são vinhos de gente séria que devem ser bebidos com um ar grave e meditativo. São vinhos extraordinários que podem e devem ser desfrutados da forma que apetecer a quem os vai beber.

Por ora, o problema da falta de interesse das gerações mais jovens sobre os vinhos fortificados ainda não é apavorante. Mas convém começar a pensar em formas de inverter esta situação antes que ela se torne demasiado pesada…

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