Por vezes parece que o mundo do vinho se movimenta num universo paralelo onde a lógica raramente impera e onde a racionalidade não faz parte dos requisitos vitais para a tomada de decisões.
Por vezes parece que as decisões são casuísticas e desprovidas de estratégia, assentes mais no voluntarismo que em planos reflectidos e acompanhamentos claros das estratégias definidas.
Para tal contribui o facto de o universo do vinho se encontrar tão pulverizado em milhares de pequenas e pequeníssimas empresas, literalmente, muitas delas de cariz familiar e desprovidas de ambição. Uma realidade que é relativamente comum nos vários países produtores mas que atinge o seu zénite em Portugal, estatisticamente o grande país produtor de vinho mais fragmentado na produção, dividido num número infindável e de quantificação duvidosa de minúsculos produtores.
Pelo contrário, os grandes rivais do mundo do vinho, as empresas cervejeiras e as empresas de bebidas espirituosas são grandes conglomerados financeiros, empresas dominantes e muitas vezes multinacionais que, para além de um poderio financeiro invejável, definem estratégias coerentes e estáveis, patrocinam festivais mediáticos, eventos e equipas desportivas, dispõem de uma logística de distribuição poderosa que muitas vezes consegue forçar contratos exclusivos, empresas dinâmicas e com capacidade para investir somas consideráveis em campanhas publicitárias visíveis e duradouras.
Face a esta evidência, o mundo do vinho parece um anão. Sim, é verdade que se agruparmos todos os produtores de vinho do mundo os números passam a ser impressionantes. Sim, é verdade que, mesmo se combinarmos apenas os produtores de Portugal, os números continuam a ser impressionantes. O verdadeiro drama é que os números não podem ser consolidados porque a realidade revela um panorama radicalmente diferente, uma dispersão total que faz com que os dez maiores produtores de vinho em Portugal correspondam a menos de um quarto da produção total nacional. Números que impressionam ainda mais quando comparados com o Chile, país onde os cinco maiores produtores correspondem a um pouco mais de dois terços da produção total do país.
Esta é a realidade e não há muito que se possa fazer para reformar um sector tão dividido na produção e na viticultura com uma propriedade média tão parcelada. Por isso, e conhecendo esta realidade tão particular, muitas das propostas apresentadas dificilmente terão hipótese de sucesso. O mundo do vinho olha com demasiada frequência para o universo da cerveja e das bebidas espirituosas procurando soluções ou caminhos alternativos que pudessem emular um modelo considerado de sucesso. O problema é que as armas não são iguais e as realidades ainda menos iguais são.
Ao contrário do universo da cerveja, os produtores de vinho não conseguem celebrar acordos de exclusividade com a restauração ou hotelaria, não conseguem oferecer copos, caves com temperaturas de serviço, mobiliário, máquinas ou demais formas de pressão comercial. Ao contrário do universo da cerveja, os produtores de vinho competem por um lugar nas cartas de vinho de cada restaurante, competem pelo espaço em prateleira de supermercados com centenas de outros rótulos.
Pior, cada produtor apresenta um número infinito de rótulos e referências, com frequência muitos mais do que deveria, existem dezenas de regiões e sub-regiões para conhecer, memorizar e compreender, dificultando o entendimento do vinho face ao mundo da cerveja nacional que é ao mesmo tempo tão poderosa, clara e virtualmente isenta de confusões.
Por isso, não se podem nem se conseguem estabelecer paralelismos entre os mundos do vinho e da cerveja e por isso o que funciona tão bem para a cerveja e bebidas espirituosas não é necessariamente apropriado ou adaptável para o vinho. Mais que pretender copiar o que outros mais ricos e poderosos fazem, o universo do vinho deveria começar por se compreender a si próprio, por aceitar a sua realidade, procurando encontrar formas de solucionar os seus problemas.
Uma das medidas óbvias seria o associativismo, não necessariamente na versão mais simples e tradicional do cooperativismo, mas no enquadramento da união de esforços, da simplificação de processos, na partilha de custos, na união de esforços. Projectos como por exemplo a Lavradores de Feitoria, uma associação de dezenas de pequenos produtores do Douro que decidiu compartir custos numa união voluntária onde existe uma só adega, um só enólogo, uma só equipa de gestão. Ou projectos como os Douro Boys e Independent Winegrowers, que criaram uniões informais que agregam um conjunto limitado de produtores que partilham recursos e custos na promoção dos vinhos nos principais mercados internacionais.
Mas se o associativismo é uma das medidas mais evidentes para ajudar o sector do vinho, embora tão pouco praticada num Portugal que sempre privilegiou o individualismo em detrimento do colectivo, a imaginação não se esgota aí. A simplificação é outra das necessidades, uma realidade que, apesar de parecer óbvia, está longe de ser assimilada pelo mundo do vinho. Na verdade, assiste-se hoje a um movimento contrário numa tentativa estranha de aprofundamento da complexidade começando a falar de sub-regiões que a maioria nem sabia que existiam.
Num mundo apressado que valoriza o Twitter, que raramente quer perder tempo para aprofundar conhecimentos e em que a maioria escolhe um vinho com o mesmo empenho com que escolhe um detergente ou uma pasta dentífrica, não será um erro aumentar o grau de confusão? Quando ainda lutamos para que um norte-americano, um alemão ou um brasileiro reconheça os nomes Alentejo, Dão ou Setúbal, faz sentido perder tempo com um degrau extra de confusão?