Fugas - Vinhos

FRANCOIS NASCIMBENI/AFP

Champanhe, marketing, luxo... e vinho do Porto

Por Rui Falcão

É sabido que os vinhos de Champagne são caros, afamados, exclusivos, sinal de um luxo que se quer mais ou menos evidenciar.

Apesar de uma produção que se mede em muitos, muitos milhões de garrafas por ano, a região conseguiu instituir uma aura de prestígio, raridade e exclusividade que reforçam a inveja das demais regiões vitícolas do mundo. Para o bem e para o mal, Champagne é a única região de vinhos em todo o mundo que não depende da opinião de críticos ou jornalistas, uma região que vive economicamente bem e onde os viticultores vivem igualmente bem graças a preços de uva que fariam salivar de alegria a qualquer viticultor português.

Há mesmo quem afirme, sobretudo os produtores de Champanhe, que o preço quase exorbitante dos vinhos da região se deve aos preços igualmente muito elevados da matéria-prima, ao preço quase demencial a que são vendidas as uvas. É o que reclamam as grandes casas que são obrigadas a comprar fora de portas mais de metade das uvas que necessitam para a produção dos milhões de garrafas que produzem anualmente. Alguns produtores chegam mesmo a reclamar que as uvas representam três quartos do preço final, justificando assim os preços ásperos a que a maioria das garrafas é vendida.

Apesar da bondade do argumento, a verdade é que, apesar de elevados e potenciadores de agravos e conflitos, os custos de produção representam uma fatia relativamente magra sobre o preço final. Os artigos de luxo são conhecidos por raramente compreenderem uma relação directa entre os custos de produção e o preço de comercialização. Se atentarmos ao caso público do grupo de luxo LVMH (Louis Vuitton Moët Hennessy), proprietários de um grupo muito alargado de casas de Champagne de prestígio (Moët & Chandon, Mercier, Ruinart, Krug e Veuve Clicquot, entre outros produtores igualmente de nomeada mas fora da região de Champagne), os custos de marketing representam uma fatia largamente superior aos custos de produção propriamente dita.

As principais casas de Champagne investem somas prodigiosas que passaram a ser consideradas lendárias em promoção, marketing e afirmação das suas marcas. O custo de promoção é tão grande que uma parte substancial do preço de Champagne é o rótulo em si, o preço de uma imagem de marca que obrigou a investimentos tão globais e pesados. Tal como em todos os demais produtos de luxo, há que somar margens elevadas de comercialização que fazem parte do jogo do universo do luxo, margens que variam consoante a maturidade dos mercados. Uma realidade que explica algumas das circunstâncias de Champagne e da marcação de preços das grandes casas e de produtores independentes. Tendo em conta que os custos de produção são relativamente estáveis, e se os custos de promoção são tão elevados, será muito mais fácil encontrar bons valores nos pequenos produtores que nas grandes casas, que são obrigadas a cobrar mais pelos custos de promoção.

Grandes casas que representam a quase totalidade de um universo que se encontra concentrado num pequeno punhado de empresas, o grupo anteriormente apelidado como Grandes Marques de Champagne que foi extinto no final do século passado. As 24 Grandes Marques, as chamadas grandes casas, representam cerca de dois terços da produção total de vinho na região, uma concentração que, embora de forma enviesada, nos faz recordar o mundo nacional do vinho do Porto. Um grupo de cerca de trinta empresas e grupos representa o restante terço de produção, sobrando cerca de uns magros 5% para os pequenos e médios produtores que permanecem independentes.

Se quiséssemos manter o paralelismo com o vinho do Porto, seria interessante poder contar com recursos e estratégias semelhantes, uma capacidade de comunicação, influência, luxo e associação a momentos de prestígio que transformassem o vinho do Porto no equivalente fortificado ao mundo mais leve, solto e despreocupado do Champagne. Como seria bom poder assistir a um fenómeno comparável com os produtores de Champagne dentro do universo do vinho do Porto, um mundo em que as guerras de preços não fossem uma constante e onde a depreciação não surgisse por iniciativa própria, onde os viticultores ganhassem dinheiro distribuindo riqueza pela região e pelas famílias, onde a região prosperasse e se sentisse uma vontade real de servir um bem comum.

Como seria bom assistir à defesa de um dos vinhos mais originais e extraordinários do mundo, reservando-se o direito e capacidade para preservar a originalidade e exclusividade dos designativos da região. Recorde-se que Champagne é a região mais litigante do mundo, não hesitando em batalhar numa estratégia agressiva para defender o nome Champagne e demais adjectivos e derivados de possíveis apropriações por parte de qualquer outro país, região ou produtor.

Apesar de se produzirem vinhos espumantes no mundo inteiro segundo o mesmo método seguido na região, o chamado método tradicional que não pode ser referido com “champanhês”, nenhuma outra região consegue rivalizar com a fama e o proveito de Champagne. Ainda menos com os preços e as margens da região, já que todas as reproduções são comercializadas a preços muito mais comedidos onde o factor preço é com frequência a causa determinante para a escolha.

Como seria interessante que o mesmo se passasse com o vinho do Porto, cada vez mais assediado por cópias australianas, sul-africanas e californianas de vinhos tipo Porto que cometem o “desplante” de atingir preços e destaques muito semelhantes ou mesmo superiores aos melhores exemplares do verdadeiro vinho do Porto. Uma realidade pouco alegre que merece reflexão e que deveria fazer reflectir o sector, e sobretudo o tecido produtivo, que continua dividido e sem uma estratégia comum para promover de forma concertada o nome tão extraordinário do vinho do Porto.

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