Fugas - Vinhos

Rui Farinha

Os Porto colheita e o exemplo da Andresen

Por Rui Falcão

A tentação do imediatismo, bem como os condicionalismos culturais, são por vezes demasiado fortes para ser facilmente controlados ou contornados.

Por isso, sempre que falamos das categorias superiores de Vinho do Porto viramo-nos quase instantaneamente para o Vinho do Porto vintage, o estilo mais divulgado e adulado, aquele que faz mover as cotações e classificações de revistas da especialidade e dos guias de vinhos, a categoria que aparece mais mediática e valorizada.

E com isso, num desapego e divórcio que se afiguram incompreensíveis, acabamos por negligenciar o outro grande embaixador do Vinho do Porto, os colheita, vinhos injustamente esquecidos mas que são edificados segundo o mesmo espírito e raciocínio que preside aos vintage, vinhos de um só ano, uma só colheita, expressando de forma objectiva o ano agrícola com todas as virtudes e dificuldades inerentes à caracterização de uma colheita em particular.

Não por acaso, os dois estilos assemelham-se de forma tão clara no espírito e forma que até a designação comercial, vintage e colheita, acaba por reflectir a mesma palavra, mesmo que escrita nas duas línguas dominantes do mundo do Vinho do Porto, português e inglês. Duas palavras semelhantes que identificam de forma clara que os dois estilos traduzem um só ano agrícola. Talvez não seja coincidência que os dois estilos assentem em duas línguas distintas. Se o vintage sempre foi identificado com as casas de matriz inglesa, os colheita sempre se afirmaram como uma especialidade das casas de génese portuguesa numa separação intuitiva quanto à preferência e apetência por cada categoria.

Um Vinho do Porto colheita é um vinho de uma só colheita envelhecido em madeira durante um período mínimo de sete anos, embora na prática a maioria seja engarrafada após um tempo de estágio muito mais alargado que pode, nos casos mais extremos, chegar aos cem anos de espera em pipa. São poucos os vinhos que conseguem engrandecer com a idade ou sequer sobreviver a tamanha provação do tempo. Talvez por isso sejam poucas as casas que arriscam na elaboração de colheitas realmente antigos, uma raridade no universo do Vinho do Porto.

Até porque convém ser realista para perceber os sacrifícios e custos financeiros implícitos ao envelhecimento por períodos de tempo tão alargados, tentando compreender o imobilizado de capital que representa guardar um vinho durante três ou quatro gerações para finalmente receber proveitos ao fim de muitas décadas. Pior quando se sabe que, com o passar do tempo, os vinhos vão evaporando lentamente, perdendo volume, perdas anuais dramáticas que significam custos dramáticos.

O estágio prolongado na madeira, sempre em ambiente oxidativo, favorece a perda de cor, o aparecimento e posterior desenvolvimento de aromas terciários, proporcionando vinhos mais untuosos e gordos, aumentando a intensidade aromática e a doçura. A doçura pode mesmo transformar-se numa das principais dificuldades dos Porto Colheita, o peso da doçura e a untuosidade extrema que rouba frescura e complexidade, tornando alguns vinhos pesadões e previsíveis, quase moles e enfadonhos no final de boca.

Dificuldades de várias razões que explicam por que é tão difícil fazer um Porto colheita. São poucas as casas que se especializaram neste segmento tão peculiar e tão difícil de governar actuando num nicho de mercado onde a paciência, mais que uma virtude, é mesmo uma necessidade absoluta. A maioria dos especialistas neste estilo são casas pequenas e de cariz ainda familiar. Curiosamente, a maioria é também discreta na actuação, optando por exibir o low profile tão característico dos especialistas em Porto colheita.

Entre todos os especialistas do estilo, há um que se destaca pela discrição extrema, pela prudência e circunspecção, o produtor Andresen. Durante anos, durante quase uma geração inteira, a Andresen quase se limitou a comprar e fazer vinho acumulando stocks importantes de vinhos velhos, mantendo-se num limbo comercial em que as entradas de vinho eram muito superiores às saídas. Sempre foi uma defensora convicta dos vinhos tawnies, assumindo sem qualquer tipo de constrangimentos que os colheita e os vinhos datados são a sua marca de identidade.

Os colheita são vinhos de personalidade marcada, de qualidade irrepreensível, que constituem um dos segredos mais bem guardados do vinho do Porto e stocks de vinhos velhos de cortar a respiração. Talvez seja isso que explique que os vinhos brancos datados da Andresen sejam igualmente tão apetecíveis. Para os amantes de Porto velhos, de colheitas verdadeiramente excepcionais, a Andresen é uma das mecas do vinho do Porto. Sim, os vinhos mais velhos não são baratos, nem o deviam ser, mas são autênticos prodígios do homem que levará ao céu quem os provar.

 

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