Fugas - Vinhos

Rui Gaudêncio

Entrevista com Frederico Falcão: “Portugal tem um preço médio de exportação muito acima de Espanha”

Por Pedro Garcias

O presidente do Instituto da Vinha e do Vinho reconhece que o consumidor mundial ainda não despertou para o vinho português.

Nomeado pelo Governo PSD/PP, Frederico Falcão tem mandato até 2018 e não rejeita uma nova comissão de serviço se for convidado pelo actual executivo. Nesta entrevista, o presidente do IVV e enólogo de profissão reconhece que é preciso investir mais e de forma mais eficiente na promoção do vinho português, mas lembra que em 2014 Portugal teve o 4º preço médio mais elevado na exportação a nível mundial. E defende as novas regras europeias para o sector, mostrando-se convicto que um aumento anual de 1%  na área de vinha até 2030 não irá colocar em risco a estabilidade do mercado.  

O que falta a Portugal para se converter finalmente num país de prestígio no vinho, com direito a ocupar os mesmos espaços da França, Espanha ou Itália nas melhores garrafeiras do mundo?

Portugal é um país com menor dimensão do que os países citados, pelo que levará algum tempo para conseguir chegar aos consumidores de forma mais expressiva. Temos qualidade, temos até muita qualidade, mas estamos reconhecidos apenas ao nível dos conhecedores. Os consumidores ocasionais, por esse mundo fora, ainda não estão despertos para os vinhos portugueses. O trabalho está a ser feito (e bem feito) e acredito que é uma questão de tempo. No entanto, tenho de reconhecer que se Portugal tivesse duas ou três marcas de grande volume, que pudessem estar disponíveis em todo o Mundo, com dimensão, esse reconhecimento chegaria mais rapidamente.

Mas já temos um player de dimensão mundial, a Sogrape, e com uma marca global, o Mateus Rosé. E temos também o vinho do Porto, conhecido em todo o mundo. Não faria sentido aproveitar o destaque que as grandes revistas internacionais do sector têm dado aos vinhos portugueses para lançar uma grande campanha internacional que apresentasse Portugal como um país de sol e praia mas também de comida e vinho?  

Uma grande campanha internacional a promover vinhos de Portugal tem grandes custos e não é uma prioridade do Turismo. Têm sido feitos alguns eventos envolvendo a ViniPortugal e o Turismo de Portugal, como por exemplo a prova de Vinhos de Portugal no Rio de Janeiro ou uma outra acção que decorreu em Bruxelas, mas ainda há muito por fazer. Muito tem sido feito, são disponibilizados anualmente ao sector dos vinhos cerca de 12 milhões de euros para promoção, mas claro que ainda se pode fazer mais e de forma mais eficiente. Talvez possa ajudar se, por exemplo, os vinhos do Porto começarem a ser promovidos juntamente com os demais vinhos nacionais [hoje, a promoção do vinho do Porto é feita em exclusivo pelo Instituto do Vinho do Douro e Porto, cada vez mais descapitalizado].

O preço médio do vinho português tem vindo a subir ligeiramente, mas ainda está muito baixo. Não acha que Portugal perde tempo e dinheiro ao querer impor-se internacionalmente através do preço baixo? Basta ver os preços a que as cooperativas exportam os seus vinhos…

De facto, muitos produtores portugueses assentaram a sua estratégia em comercializar os seus vinhos com preço baixo. Claro que não acredito que o tenham feito por vontade, mas por não terem ainda conseguido vender ao preço mais justo. Mas note que Portugal tem um preço médio muito acima de Espanha e da Alemanha, por exemplo. Tivemos em 2014 a nível mundial o 4º preço médio de exportação mais elevado. Uma das nossas preocupações é essa mesmo: não é vender mais, mas vender melhor. [Em 2015, a Alemanha, com um preço médio por litro de 2,64 euros, voltou a superar Portugal, que registou um preço médio de 2,62 euros, ainda assim superior aos 2,55 euros de 2014. O preço médio de Espanha em 2015 foi de 1,09 euros].

No entanto, a importação de vinho a granel de outros países para ser comercializado como vinho de mesa está a puxar os vinhos que se vendem nas grandes superfícies para valores quase ridículos. Há produtores no Douro que conseguem comprar vinho espanhol a 20 cêntimos o litro. Como é que isto é possível?

Isso é possível porque estamos numa economia aberta. A possibilidade de comprar vinho a granel fora do país, para depois embalar em Portugal, é totalmente legal. O que já não será legal é alguns produtores fazerem passar esses vinhos como sendo portugueses. É por isto que estamos a fazer um controlo mais apertado na rotulagem e, em articulação com a ASAE, a ter mais controlo no mercado. Infelizmente entra em Portugal vinho com preço demasiado baixo, vindo de outros países onde há excesso de produção, nomeadamente de Espanha. Esperamos que esta situação não se mantenha, dado que não é sustentável para os produtores de uva e levará seguramente à falência dos que quiserem enveredar por esse caminho.

O IVV faz algum controlo sobre este tipo de vinho? E será que é mesmo vinho de uvas?

O IVV não tem hoje a competência de análise química e organoléptica dos vinhos. Essa competência é hoje da ASAE. E sim, a ASAE faz de facto fiscalização e está a trabalhar para que legislação seja cumprida. O baixo preço dos vinhos prende-se com enormes produções que alguns países europeus têm tido. Ora um excesso de oferta leva necessariamente a uma quebra acentuada de preço, ainda que não seja economicamente sustentável.

As novas regras de plantação de vinhas na União Europeia prevêem um crescimento de 1% na área de vinha dos países membros até 2030. Portugal necessita deste aumento?

Olhando para a evolução de vinha na Europa, Portugal incluído, deparamo-nos com uma clara tendência de diminuição de área de vinha. Por outro lado, é preciso não esquecer que, no novo regime de vinha, a venda de direitos de plantação ficou vedada. Assim, a única forma para os produtores poderem crescer em área seria através de “novas quotas”. Depois, e aqui houve grande debate entre todos os países e a Comissão Europeia, era preciso definir a percentagem máxima de aumento. Pretendia-se que houvesse um crescimento sustentado da superfície de vinha e não uma abertura total e descontrolada, mais uma vez com a preocupação de evitar a desregulação do mercado de vinho. Creio que o valor de 1% é suficiente para o nosso país e não coloca em risco a estabilidade do mercado. E estou seguro que o mesmo se aplica em termos europeus.

Com este aumento da área de vinha, a União Europeia tenta responder às expectativas de um aumento no consumo mundial de vinho até 2025. Não há o risco de estarmos a plantar vinhas para produzirmos vinhos cada vez mais baratos ou, quem sabe, para virmos daqui a uns anos a subsidiar o seu arranque? Não era a primeira vez…

Sim, não seria a primeira vez…. Mas eu estive muito envolvido nestas negociações e estou perfeitamente convicto que a percentagem de 1% não nos traz um risco de excesso de produção e irá responder às necessidades de crescimento de vinho a nível mundial. Creio ser um valor equilibrado. Defendi-o em 2012 e mantenho-me convicto que é um número razoável. 

As novas regras comunitárias contemplam alguma medida sobre a área de vinha que já existe mas que não tem enquadramento legal? Milhares de produtores quando fizeram as suas plantações não tinham GPS, pelo que é normal que muitos deles tenham plantado uma área superior à que os direitos de plantação lhe conferiam. 

Sim, as novas regras são muito claras em relação a este aspecto. A obrigatoriedade de registo das vinhas existe há muitos anos e qualquer vinha que estiver plantada, desde a entrada em vigor do novo regime - a 1 de Janeiro de 2016 – sem uma Autorização Legal, tem de ser arrancada e estão também previstas fortes penalizações monetárias. Todos os viticultores estão obrigados a ter a sua situação regularizada e a falta de GPS não pode servir de desculpa. Dou um forte conselho a quem não tem as suas vinhas registadas no Sistema de Informação da Vinha e do Vinho a deslocarem-se a uma Direcção Regional de Agricultura e tentarem regularizar a situação. Para tal, será necessário que possuam direitos de plantação, caso contrário serão plantações ilegais e o regulamento é muito punitivo para estas situações.

Como explica que em Portugal não exista um sistema único de medição da área de vinha? A área do IVV não condiz com a que o IFAP utiliza para pagar as ajudas, nem muito menos com a das comissões de viticultura. No Douro, por exemplo, as áreas vistoriadas pelo Instituto dos Vinhos do Douro e Porto (IVDP) divergem das áreas do IVV.

Vamos ser claros em relação a este tema. A área de vinha legal é a que está inscrita do IVV, no nosso Sistema de Informação da Vinha e do Vinho (SIVV). Essa área está hoje integrada com o parcelário do IFAP (Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas).

A divergência que existe poderá ser a nível de pagamento de ajudas às agro-ambientais, em que o IFAP considera, de acordo com as regras comunitárias, uma área superior à área de vinha, mas isso é até benéfico para os produtores. A área que IVDP considera prende-se com regras de benefício. São regras próprias do IVDP e sobre as quais não nos compete pronunciar-nos. Mas quero deixar claro que, a nível nacional, a área que conta como vinha e que está declarada junto da União Europeia é a área que consta do SIVV. Já reunimos diversas vezes com IVDP sobre esta matéria e muito em breve teremos os cadastros regularizados. As regras sobre a área que conta para fins de benefício de Vinho do Porto são próprias do IVDP e será esse Instituto que as adaptará.

Como foi passar de enólogo a presidente do organismo que tutela o vinho em Portugal?

Essa é a pergunta mais difícil… São áreas de actuação muito diferentes. Hoje sou quase um jurista. Mas creio que me adaptei bem.

O que mudou com a sua liderança?

Algumas coisas mudaram, mas tenho sempre dificuldade em elogiar as coisas que faço. Posso apenas afirmar que, como estou mais próximo do sector, o IVV está hoje mais aberto e desperto. Foi durante muitos anos uma Instituição muito fechada, que começou a abrir alguns anos antes da minha entrada e que [comigo], naturalmente, se foi abrindo ainda mais ao sector.

E o que (ainda) não fez que gostaria de ter feito?

Creio que internamente ainda há alguns ajustes a fazer. Começámos no ano passado a fazer grandes mudanças: uma com um novo sistema informático, que seja mais um sistema de gestão e menos um repositório de dados; e outra que foi juntar o sector para discutir a sua reforma institucional e encontrar um sistema que melhor responda aos problemas atuais. São duas grandes reformas que esperamos concluir este ano. Melhorar o cadastro é seguramente um dos grandes objectivos e ter um melhor serviço por parte do IVV. O IVV debate-se com alguma falta de pessoas e precisamos de ser mais eficientes, sem que tal implique ter de recrutar mais pessoas. Acompanho muito de perto o nosso Centro de Atendimento Técnico e é importante perceber quais os problemas que chegam no dia-a-dia e tentar evitar que voltem a acontecer. Temos de ser mais eficientes e eficazes.

Foi nomeado por um Governo PSD/PP. Sai quando acabar a sua comissão de serviço ou admite continuar, se o convidarem?

Confesso que não é uma questão sobre a qual me tenha debruçado muito tempo. O meu mandato termina oficialmente em 2018, podendo sempre terminar antes. Posso dizer-lhe que gosto do que faço e faço-o com prazer, pelo que não faria sentido dizer que rejeitaria um convite para ficar. Claro que isso depende sempre de muitos factores e encaro com naturalidade a manutenção ou a saída. Faz parte das regras e creio que não será tanto uma questão partidária, mas mais uma questão de confiança no trabalho que estamos a fazer.

--%>