A par do vinho da Madeira e do vinho do Porto, é um dos vinhos mais surpreendentes e invulgares de Portugal. Apesar disso, ainda são poucos os que o conhecem verdadeiramente e ainda menos os que compreendem o estilo ou que conseguem identificar as nuances dos melhores Moscatel de Setúbal.
Apesar da proximidade a Lisboa, apesar da ligação íntima a um destino turístico, e por muito estranho que tal se afigure, o Moscatel de Setúbal continua a ser um grande desconhecido. Embora talvez seja mais correcto afirmar que é simultaneamente um dos generosos mais conhecidos e um dos mais desconhecidos, um dos mais aceites e um dos mais incompreendidos dos três grandes vinhos generosos nacionais. Sim, o Carcavelos é o quarto dos grandes generosos nacionais mas infelizmente, e por razões diversas, continua a subsistir num circuito comercial tão restrito que o seu consumo permanece quase confidencial.
Não é fácil entender por que é que o Moscatel de Setúbal continua a ser um desconhecido do grande público. Não o é por ser difícil de entender ou por ter uma legislação especialmente complicada. Será porventura o mais fácil de entender dos três generosos, o mais simples na legislação e na segmentação sem se estender por uma lista interminável de estilos possíveis.
Enquanto os vinhos da Madeira se subdividem em infindáveis classes e géneros, em diferentes graus de doçura e em sete castas principais que convém conhecer, o Moscatel de Setúbal assenta raízes numa só casta, precisamente aquela que será um dos nomes mais fáceis de memorizar. Enquanto o vinho da Madeira se divide em famílias de vinhos com indicação de idade de três, cinco, dez, quinze, vinte, trinta, quarenta e mais de cinquenta anos, a que há que acrescentar as famílias Frasqueira e Colheita, o Moscatel assenta num só grau de doçura sem as particularidades dos vinhos com indicação de idade.
Enquanto os vinhos do Porto se distribuem em três grandes famílias, branco, tawny e ruby, entre vinhos de entrada de gama, vinhos com indicação de idade (mais uma vez dez, vinte, trinta e mais de quarenta anos), vinhos com indicação de data de colheita (LBV, Vintage e Colheita), vinhos redutivos e vinhos oxidativos, entre classes e subclasses de Vintage clássicos, single quintas, Vintage de anos não clássicos, o Moscatel de Setúbal é muito franco e directo, sem rodeios quanto ao que se poderá encontrar na garrafa.
O Moscatel de Setúbal limita-se a matizar entre duas declinações da casta Moscatel, a mais habitual Moscatel de Alexandria e a mais rara, interessante e indígena Moscatel Roxo, uma derivação local da casta Moscatel que em algum momento no tempo sofreu uma mutação genética que lhe permitiu ganhar um tom rosado na pele.
Fácil de entender e fácil de explicar. Afinal, o Moscatel de Setúbal trata de uma só variedade dividida em duas matizes, Moscatel de Alexandria e Moscatel Roxo, um só grau de doçura, oferecendo vinhos que são sempre envelhecidos num estilo oxidativo. Podem chegar sem indicação de idade, com indicação de idade ou com data de colheita impressa no rótulo. E nada mais há a acrescentar para se começar a conhecer os fundamentos do Moscatel de Setúbal.
O que não surge na maioria dos contra-rótulos, mas que seria uma das informações mais relevantes, é a indicação da região onde as vinhas estão plantadas, informações sobre o tipo de solos e a origem das uvas. Uma informação vital porque em Setúbal coexistem lado a lado duas realidades distintas que separam os Moscatel da região em dois estilos quase antagónicos. Vinhas plantadas em areia, os solos dominantes na região, e vinhas dispostas na serra da Arrábida, em solos profundamente calcários, duas realidades distintas que dão origem a vinhos igualmente diferentes e com poucos pontos de contacto entre si.
Enquanto as vinhas plantadas em solos de areia permitem maturações significativas com uma concentração de açúcar substancialmente superior, as vinhas da Arrábida mantêm-se mais recatadas, mais frescas, menos intensas e com um grau de acidez substancialmente superior. Aquilo que para um vinho de mesa seria uma vantagem, uma maturação correcta e relevante, transforma-se num inconveniente quando chegamos aos vinhos generosos muito doces como é o caso do Moscatel de Setúbal. Aquilo que para um vinho de mesa seria uma desvantagem, uma acidez elevada e sem tréguas, transforma-se numa vantagem profunda quando chegamos aos vinhos muito doces, onde a acidez é fundamental para temperar e cortar o peso do açúcar.
Por isso, os melhores vinhos Moscatel nascem invariavelmente de vinhas implantadas na serra da Arrábida, expostas às partidas de uma natureza mais inclemente. Também por isso é tão importante que quem desenha um Moscatel de Setúbal tenha a acidez em conta, imaginando o vinho em redor dessa mesma acidez, vinificando e fortificando uvas em menor estado de maturação, preservando o travo de frescura que é absolutamente indispensável a estes estilo de vinhos. Quem o consegue fazer, José Maria da Fonseca, Bacalhôa, Horácio Simões e António Saramago entre outros, tem a fortuna de produzir alguns dos melhores generosos de Portugal.