Fugas - Vinhos

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Vicentino, um Alentejo diferente

Por Rui Falcão

De vinhas vizinhas do mar alentejano chegam-nos vinhos que surpreendem. O Vicentino já tem tem quatro rótulos, dois brancos, um rosado e um tinto. Viço, brilho, exuberância aromática garantidos.

Quando pensamos no Alentejo idealizamos quase invariavelmente longas e plácidas planícies, por vezes rasas e sem qualquer tumulto geográfico, por vezes serpenteadas por suaves ondulações que surgem entregues a cereais, olivais, vinhas ou terras de montado. Quando pensamos no Alentejo visualizamos quase invariavelmente imagens cíclicas de ondas de calor, temperaturas tórridas, verões ensolarados, quentes e secos, aragens abafantes que nem o cair da noite consegue refrescar.

Quando pensamos no Alentejo imaginamos quase invariavelmente um interior abandonado e despovoado, aldeias brancas dispersas e apartadas, montes isolados que saudavelmente teimam em manter actividade agrícola. Quando pensamos no Alentejo sonhamos quase invariavelmente com terras de canícula, gastronomia reluzente, vinhos quentes e macios, vinhos fáceis e de apelo imediato, vinhos de consumo jovem e de preço mais que acessível.

O Alentejo é tudo isto mas muito mais. O Alentejo também tem montanhas, climas frios e húmidos temperados por serras altaneiras com uma geografia alterosa, zonas húmidas onde floresce o arroz. O Alentejo também tem uma longa costa atlântica, a costa Vicentina, que domina a paisagem, clima e solos nas proximidades ao mar que nos habituámos a dissociar do nome Alentejo. Sim, muitos de nós acabam por passar férias ou simplesmente veranear em partes da costa alentejana mas poucos são os que associam interiormente esta paisagem ao imaginário alentejano apartando assim a região da realidade atlântica. Por estranho que tal possa parecer num primeiro instante, parte do Alentejo pode ser considerada como uma região de influência atlântica protegida pelas distintivas refrescantes que as brisas marítimas acrescentam ao clima das regiões costeiras.

Se até um passado relativamente recente as regiões costeiras alentejanas eram áreas esquecidas ou pelo menos mesmo irrelevantes para a produção de vinho, faixas periféricas onde as raras vinhas instaladas se limitavam a abastecer os proprietários para autoconsumo, hoje a realidade mudou de figura. Em poucos anos, menos de uma década, assistiu-se a um movimento aparentemente imparável de deslocação de vinhas para a costa à procura da frescura que só as terras atlânticas ou as regiões de maior altitude podem assegurar de forma natural. Se alguns produtores, tanto modernos como clássicos, decidiram acelerar para a sub-região de Portalegre em demanda pela altitude e clima temperado da Serra de São Mamede outros decidiram investir em direcção ao Atlântico em busca de condições semelhantes.

As vinhas distribuem-se de forma mais ou menos uniforme desde Vila Nova de Milfontes até à fronteira com o Algarve, algumas quase na linha do mar outras ligeiramente mais recuadas como que a fugir dos preços demenciais a que a pressão imobiliária pode conduzir na proximidade com o mar e a precaver-se de futuros casos de especulação imobiliária num futuro que poderá não estar tão distante.

Entre os vários projectos já consolidados ou a florescer nesta estreita faixa atlântica contam-se os vinhos Vicentino, uma empreitada improvável de um norueguês que decidiu arribar à costa alentejana vicentina para se dedicar por inteiro à agricultura, a tal actividade que a maioria dos portugueses desconsidera e que considera ser quase impensável ou inviável em Portugal. 

Ole Martin Siem provou que a actividade agrícola de precisão pode não só ser viável como altamente rentável transformando a Frupor numa empresa altamente eficaz que dita cartas em actividades agrícolas tão díspares como plantas ornamentais, couves chinesas ou cenouras. No meio de tantas actividades agrícolas sazonais Ole Martin Siem ainda teve tempo para ensaiar uma vinha plantada quase em cima da Zambujeira do Mar…

Nos primeiros anos as uvas foram vendidas a produtores alentejanos acabando por demonstrar o sucesso da empreitada via o êxito mediático dos vinhos elaborados com estas uvas. Um dia, Ole Martin Siem entrou em contacto com o enólogo Bernardo Cabral para que este fosse dar uma vista de olhos à vinha, como que numa tentativa de sedução do enólogo e como ensaio de validação da viabilidade de uma marca própria. Para Bernardo Cabral foi amor à primeira vista. Um amor tão decisivo que num instante idealizou o que fazer com estas uvas de paragens tão frescas e de carácter tão elegante e simultaneamente tão discrepante da região.

Por ora existem quatro rótulos com o nome Vicentino, dois vinhos brancos, um rosado e um tinto que surpreendem e encantam pelo viço, brilho e exuberância aromática arrebatada. Entusiasmo que quase ronda o descaramento no caso do vinho mais emblemático da casa, o Vicentino Sauvignon Blanc que se apresenta numa versão tão supinamente expressiva e aromática que revela ser capaz de conquistar o coração mesmo dos mais descrentes. Apesar de manifestar um lado aromático mais austero, o Vicentino branco mostra-se igualmente fresco e cristalino num registo pouco habitual em Portugal.

Mas entre os vinhos que mais entusiasmam conta-se o Vicentino rosé, um rosado que apesar de não esconder um timbre evidente de Primavera e Verão consegue ao mesmo tempo ser suficientemente sério e contido para prolongar o prazer para além do período estival. É um vinho rosé como eles deveriam ser, fresco, vibrante, contido, sedutor e leve, um vinho perfeito para a mesa a acompanhar os pratos mais leves que caracterizam a época. Não é um vinho de meditação que nos faça desenvolver teorias profundas, nem é esse de todo o seu propósito, mas sim um vinho rosé muito bem feito, leve e despretensioso mas simultaneamente sério e sem o facilitismo óbvio do açúcar para mascarar problemas. Um vinho que nos faz descobrir um Alentejo diferente que confirma que a região é muito mais quem uma simples colecção de estereótipos.

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