Fugas - Vinhos

BRUNO SIMÕES CASTANHEIRA

Para quando, Tejo?

Por Rui Falcão

Que dizer do Tejo? Talvez começar por dizer que não é fácil fazer vinho na região.

E depois continuar relembrando que o Tejo será muito provavelmente uma das regiões mais mal-amadas do país, talvez a mais incompreendida e uma das menos desejadas, provavelmente aquela que conquistou a sempre a evitar distintiva de patinho feio do vinho português. Ou talvez dito de uma forma mais comedida e menos desabrida, não é fácil vender o vinho produzido na região do Tejo.

Ou dito de forma que continua a ser crua, não é fácil vender dentro de portas o vinho produzido na denominação Tejo. O estigma que marcou o passado do Tejo, bem como um passado mais recente, quando a região ainda era conhecida como Ribatejo, continua a marcar a actualidade e parece estar longe de ser ultrapassado. Seja qual for o ângulo da conversa, sejam quais forem os intervenientes e os argumentos, o Tejo é continuamente avaliado a partir de um preconceito irritante e sob um ar de sobranceria enfadonho, aquele desprezo altivo e irritante com que se desdenham os mais fracos e indefesos. 

Para a maioria dos consumidores nacionais, incluindo infelizmente muitos dos que vivem e trabalham na região, os vinhos do Tejo continuam a ser encarados sob um olhar de desconfiança, debaixo de um pequeno e subtil mas demolidor olhar de sarcasmo, com um ar de sobranceria que derrota todos os esforços da região para descolar dos estigmas que sobrevieram do passado.

Com frequência o argumento aponta para a circunstância de o Tejo ser uma suposta região inferior, uma vítima da natureza quase indefesa, um território sacrificado à quantidade ou sufocado debaixo da procura incessante da melhor relação qualidade/preço. Um desvario tanto no plano teórico como na argumentação lógica. Se olharmos para as estatísticas nacionais e para os índices de produtividade de cada região, rapidamente se percebe que a produtividade das vinhas no Tejo é francamente baixa, inferior mesmo a outras regiões nacionais mais aduladas e badaladas.

A época das vinhas nas zonas mais produtivas da região, no campo ou lezíria, já terminou há muitos anos. Poucos no seu perfeito juízo possuem hoje vinhas na zona da lezíria. E convém não esquecer que os solos do bairro e charneca, as duas zonas de eleição para a implantação da vinha, são solos pobres, paupérrimos em muitos locais. Solos sem água ou nutrientes, por vezes incrivelmente pedregosos, enquanto em outros locais se mostram arenosos, por vezes com declives profundos que os situam em posturas bem distantes do estereótipo a que continuamos a querer colar o Tejo.

É verdade que o Tejo abasteceu durante muitos anos as tascas de Lisboa, inundando a capital e arredores com vinho barato e simples que em mais que uma ocasião se apresentava carrascão e nem sempre de boa reputação. É verdade que por a região estar próxima de Lisboa, e por esta ser uma cidade portuária, os vinhos do Tejo alimentaram o mercado fácil e muito pouco exigente das antigas colónias ultramarinas, territórios que foram conquistados por milhares de hectolitros de vinhos de qualidade duvidosa. É verdade que num passado já distante as vinhas estavam plantadas nos locais errados, no Campo ou Borda-d’água, nos solos mais férteis que tinham sido enriquecidos por séculos de inundações recorrentes e de sedimentação de matéria orgânica e mineral que o Tejo e os seus afluentes foram desgastando ao maciço central ibérico.

É ainda verdade que a viticultura foi tradicionalmente o parente pobre do Tejo e que a selecção das castas sempre se mostrou mais interessada em promover e procurar a quantidade que a qualidade. Uma triste realidade que acabou por condicionar as vinhas da região, forçando a que o Tejo tenha abdicado de ter uma identidade própria na eleição de castas. A escolha da Trincadeira foi um desastre, com a eventual excepção de um caso muito pontual que acabou por ser replicado quase à exaustão mais por cópia que por estudo ou ensaios próprios. O Fernão Pires e o Castelão estão demasiado disseminados pelo país para poderem ser encarados como castas tradicionais da região, embora continue a ser um desgosto ver o desprezo a que estas duas castas têm sido tão injustamente submetidas.

As castas brancas Tália e Trincadeira das Pratas, autêntico símbolo de uma época passada mas menosprezadas na actualidade, dificilmente são equacionadas num projecto novo. Em lugar de se estudar o passado e de se tentar resgatar do esquecimento variedades tradicionais, a maioria dos produtores procura facilidades em castas mediáticas nacionais, como as eternas Touriga Nacional, Aragonês ou Arinto. Em lugar de procurar criar ou recriar uma identidade local, a maioria dos produtores envereda pela comodidade da escolha de castas estrangeiras, promovendo variedades como o Cabernet Sauvignon, Merlot, Chardonnay ou amigas, tentando cavalgar a onda do preço como argumento principal de venda.

Não existe nenhum impedimento natural para que o Tejo consiga produzir vinhos de carácter ou vinhos de qualidade superior. As principais barreiras para o insucesso do Tejo são a imagem modesta junto do consumidor, a dificuldade em quebrar barreiras psicológicas e, infelizmente, a atitude de muitos dos produtores da região. Poucas ou nenhumas regiões mostram uma atitude tão derrotista como o Tejo. Chega a ser penoso ouvir os queixumes constantes, os lamentos recorrentes sobre a incompreensão tanto do público como da imprensa especializada, a recusa e receio em avançar para segmentos superiores do mercado.

Por vezes impressiona o imobilismo do Tejo, a falta de visão e de arrojo na procura de uma identidade própria, a ausência de promoção das diferenças e da sua própria individualidade. Desassossega que o Tejo seja a única região de Portugal que não ofereça produtores ícones, produtores que nos façam sonhar, que sejam diferentes e desalinhados, que produzam vinhos excepcionais, que sejam originais na diferença ou na procura do respeito ou reviver das tradições da região. Todos teríamos muito a ganhar com isso. O Tejo merece esse investimento dos produtores.

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