Fugas - Vinhos

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Vinho do Porto Vintage

Por Rui Falcão

Por vezes discorremos de forma mais ou menos erudita e professoral sobre o Vinho do Porto, sobretudo na versão Vintage, discutindo de forma mais ou menos eloquente os méritos e deméritos de cada colheita, arrazoando sobre o historial de cada quinta.

Por vezes trocamos armas e debatemos argumentos sobre o potencial de cada uma das três sub-regiões do Douro, Baixo Corgo, Cima Corgo e Douro Superior esquecendo-nos tantas vezes do básico e da educação sobre as muitas particularidades do Vinho do Porto.

Apesar de falarmos muito sobre o Vinho do Porto Vintage raramente explicamos os fundamentos e as razões de ser para que um Vinho do Porto possa ser considerado como Vintage, do que representa a designação, quais são as suas características e qual o enquadramento legal que define as declarações mediáticas deste vinho ímpar. Esquecemo-nos com frequência da história e das histórias de um dos vinhos mais emblemáticos do mundo. Talvez por isso continue a fazer sentido trilhar um regresso ao passado e aos conceitos fundamentais que regem o estilo tão particular do Vinho do Porto Vintage.

Como sempre nas explicações vale a pena começar a viagem pelos alicerces e pelos conceitos primários. Considera-se que, legalmente, um Vinho do Porto Vintage é um Porto de uma só colheita que é produzido num ano considerado como extraordinário. É além disso um Porto que é engarrafado muito cedo, algures entre o segundo e o terceiro ano após a vindima, um Porto das categorias especiais que só pode ser comercializado com esta designação desde que aprovado pela rigorosa e muito profissional câmara de provadores do Instituto do Vinho do Douro e Porto.

Faz parte dos Portos da família Ruby, parte do triunvirato do Vinho do Porto que se declina nas famílias Branco, Tawny e Ruby. Os Porto Vintage são vinhos que, como prenuncia o nome, apresentam-se numa cor rubi muito escura, vinhos que ao serem engarrafados cedo privilegiam os aromas primários da fruta beneficiando de um envelhecimento que proporciona um contacto mínimo com o oxigénio. Estágio oposto às normas discriminadas pelos Portos da família Tawny, vinhos que ao contrário dos Porto Ruby patenteiam uma tonalidade fortemente aloirada e que são envelhecidos num ambiente declaradamente oxidativo.

Por ser um vinho de uma só colheita o Vinho do Porto Vintage varia consoante o ano, traduzindo de forma rigorosa o clima e ciclo agrícola do ano em que nasceu. Para muitos dentro e fora do mundo do vinho, o Porto Vintage é encarado como o expoente máximo do vinho do Porto, a interpretação mais fidedigna e nobre das diferentes categorias especiais. Embora este tipo de debate seja inútil e necessariamente inconclusivo, há considerações que poderemos ensaiar a partir deste pressuposto.

A argumentação mais imediata, e também a mais tradicional no sector, alega que, precisamente por ser engarrafado tão cedo, o Vinho do Porto Vintage é o único estilo de Vinho do Porto que consegue exprimir de forma real o terroir do Douro. Ou seja, segundo esta linha de argumentação o Porto Vintage conseguiria traduzir de forma mais directa as vinhas, castas, localização, exposição e demais elementos que constituem o terroir afastando o homem da equação. Os restantes géneros, sobretudo os Tawnies com indicação de idade e os Porto Colheita, seriam, mais que um espelho de um terroir e uma localização concreta, o fruto da civilização, do triunfo criador do homem.

Segundo esta lógica os Porto da família Tawny resultariam mais da arte do lote, da intervenção do homem, da mistura de diferentes parcelas, anos ou atitudes. Uma argumentação que parece lógica e é minimamente aceitável mesmo se convém não deixar escapar o pensamento que os Vinhos do Porto Vintage clássicos provêm do lote de várias quintas que se encontram espalhadas ao longo dos muitos vales do Douro.

Por outras palavras, o Porto Vintage é também ele por natureza um vinho de lote, um vinho de mistura de castas mas também uma mistura de proveniências, vinhos de diferentes quintas e localizações. Uma tentativa para obter o melhor de dois mundos conciliando os benefícios de cada localização, de cada altitude, de cada microclima. Nem tudo porém podia ser simples, sobretudo no caso português. Para além dos Porto Vintage clássicos existem ainda os Porto Single Quinta Vintage, Vinhos do Porto Vintage que em vez do lote de diferentes localizações são vinhos que nascem das uvas de uma só quinta, uma só localização. É curiosamente um estilo que continua em franca ascensão de popularidade.

Se, até um passado recente, a designação Porto Single Quinta Vintage quedava reservada para as declarações de anos menores ou de anos não clássicos, as duas últimas décadas permitiram assistir ao irromper de dois fenómenos paralelos. Por um lado a aparição de produtores engarrafadores e por outro lado a ascendência de produtores de Vinho do Porto tradicionais que revelaram a ambição de poder produzir Porto Vintage todos os anos. Seja qual for a qualificação, Porto Single Quinta Vintage ou Vintage clássico, o Porto Vintage consegue envelhecer com elegância e vivacidade. Nos melhores casos poderá viver mais de um século numa evolução lenta e segura.

A dúvida mais inquietante é qual a idade ideal para beber um Porto Vintage, uma pergunta sem resposta universal. Algumas pessoas, culturas e mercados privilegiam a potência, fruta e vigor irrequieto da juventude, enquanto outros contrapõem um apetite pela educação do tempo, por vinhos mais clássicos e amaciados. Enquanto jovens, os Porto Vintage impressionam pela dimensão, estrutura e alegria da fruta. Quando mais maduros no tempo ganham em erudição e complexidade oferecendo aromas delicados e taninos doces, subtilezas e delicadezas que só sabedoria e a tarimba podem brindar.

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