Fugas - Vinhos

PAULO RICCA

Um Porto do século XIX para comemorar os 300 anos do Vallado

Por Manuel Carvalho

Uma escritura subscrita há 300 anos é o ponto de partida para um ano de celebração da Quinta do Vallado que culmina com um livro e uma edição de 920 exemplares de um Porto Colheita de 1888.

Esta é a história de um Douro antigo. A Quinta do Vallado existe desde tempos imemoriais, mas uma escritura de renovação de um prazo da Comenda de Poiares, feita em nome de Manuel Rodrigues, pode ser um bom ponto de partida para se começar a sua biografia.

Esse documento foi assinado há 300 anos e a festa de aniversário que se comemora ao longo de 2016 tem uma prenda especial: um Porto de 1888. Os primeiros exemplares deste vinho estão já engarrafados (numa garrafa que replica a que foi servida na recepção do príncipe Frederico de Hesse, em 1830) e alguns partiram já para Macau onde serão servidos num casamento entre vinho e comida de proporções planetárias: o encontro de seis chefs de restaurantes com estrelas Michelin com o crítico de vinhos Robert Parker. Um dos vinhos eleitos para esse jantar, que terá lugar no ballroom do Hotel City of Dreams, na noite de 11 de Novembro, é o Porto do Vallado. O jantar custa cerca de 650 euros por pessoa.

É difícil descrever um vinho como o A.B.F 1888 – A.B.F é uma referência a António Bernardo Ferreira, o antepassado da família que comprou Vallado. E é ainda mais difícil encontrar uma explicação para o facto de um vinho tão velho (é do tempo em que Van Gogh cortou a orelha) conservar tanta intensidade e vida.

Um Porto que vive 128 anos num tonel de madeira e chega aos nossos dias nessa forma é mais do que um vinho. É um mistério ou um milagre. Mostra tons esverdeados, no nariz acusa a idade numa combinação de frutos secos, notas balsâmicas e o vinagrinho característico de vinhos do Porto velhos e na boca é denso, untuoso, com um final longo e arrebatador. “É de vinhos assim que se faz a História do Douro”, diz o jornalista e crítico João Paulo Martins. “Ao abrir a garrafa, ao servir o vinho, ao contemplar a eternidade que este demora a fluir pelo interior do copo, percebe-se que se está perante algo do outro mundo”, diz o master sommelier português João Pires.

Curiosamente, o vinho que celebra os 300 anos do Vallado não é um produto do Vallado. O vinho foi adquirido no Douro a um proprietário local — como, aliás, a maior parte dos vinhos seculares que as principais marcas do vinho do Porto colocaram no mercado nos últimos anos. A compra de um tonel com 650 litros desta preciosidade vai permitir ao Vallado colocar no mercado 933 garrafas. “Este ano estamos a pensar comercializar 300”, diz João Álvares Ribeiro, o membro do clã Ferreira que exerce as funções de director-geral. O preço médio por garrafa vai rondar os 3500 euros.

Outro momento alto das comemorações foi o lançamento da História da Quinta, uma obra da autoria do historiador Gaspar Martins Pereira (o maior especialista da história duriense) com prefácio de António Barreto. Nesse livro fica-se a perceber que a existência da quinta remonta à Idade Média, quando era posse da Comenda de Poiares, da Ordem do Hospital. Até 1818 a quinta foi propriedade dos Taveira de Magalhães. Nesse ano foi comprada por António Bernardo Ferreira, tio de Dona Antónia (e pai do António Bernardo que seria o seu primeiro marido) e, de acordo com Gaspar Martins Pereira, “pode dizer-se que a mudança de proprietário correspondeu à refundação da Quinta do Vallado”. Está na posse da décima geração dos Ferreira.

Como a generalidade das quintas durienses, o Vallado sofreu as agruras do oídio (em 1855 Vallado produziu apenas cinco pipas e no ano seguinte apenas “88 cestos de uvas mirradas pela moléstia”) e da filoxera (em 1891 produzia apenas 16 pipas). O recuperar foi lento. E fez-se já sem a égide de D. Antónia. Venceslau de Lima toma conta da quinta e da empresa até ser convidado para chefiar o Governo, em 1909. Nos anos 20 é Jorge Viterbo Ferreira que gere a propriedade. Jorge Viterbo morre com 49 anos e sucede-lhe o filho Jorge Cabral Ferreira.

Sob a gestão de Guilherme Álvares Ribeiro, um cunhado de Jorge Cabral Ferreira, que em 1993 inscreve a empresa como produtor-engarrafador. Nesse ano Nuno Magalhães lidera um projecto de reconversão de boa parte das vinhas. Ficou com 38 hectares de vinhas novas e manteve 26 de vinhas velhas. Em 1995 entra na casa Francisco Spratley Ferreira, filho de Jorge Cabral Ferreira — hoje gere a produção e reparte a responsabilidade da enologia com o primo Francisco Olazabal, do Vale Meão. Depois de 2007, a gestão está com João Álvares Ribeiro, ex-quadro do BPI, que passa a director-geral e Francisco fica com a parte da direcção de produção

A última etapa do longo percurso do Vallado faz-se com a revolução do DOC Douro. O primeiro tinto é de 1995, com produção de 17 mil garrafas. O branco nasce no ano seguinte. Desde então, o ritmo de crescimento da empresa foi imparável. Construiu-se uma adega nova, em 2005 o Vallado faz a sua primeira aposta no turismo e em 2009 adquire a Quinta do Orgal, no Douro Superior. Se em 2000 a empresa vendia 80 mil garrafas, este ano espera comercializar 950 mil — metade das quais são exportadas. E, dando seguimento à velha tradição dos Ferreira, uma parte importante, cerca de 15%, é vinho do Porto. Sendo uma marca emblemática da nova geração, o Vallado não descura o grande vinho do Douro. Para celebrar três séculos de existência, tinha de escolher um grande Porto.

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