Fugas - Vinhos

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Casa de Santar, o primeiro “nobre” tinto do Dão

Por Pedro Garcias

A Casa de Santar sempre foi nobre, mas agora é-o mais do que nunca, depois de ter conquistado a mais alta distinção que um vinho pode alcançar no Dão. Para celebrar o momento, mudou a imagem e lançou dois novos topos de gama, um Touriga Nacional e um Encruzado.

No início deste ano, a equipa de enologia da Global Wines, liderada por Osvaldo Amado, submeteu à aprovação da câmara de provadores da Comissão Vitivinícola da Região do Dão (CVRD) um lote de vinho de 2013, resultante da selecção das 15 melhores barricas de um conjunto de 75 barricas novas e 25 de segundo uso, e ganhou a lotaria, ao vê-lo aprovado como “Nobre”, a mais alta distinção regional.

A colheita de 2013 nem foi particularmente celebrada como uma das melhores desta década, mas na Casa de Santar, com os seus cerca de 100 hectares de vinha (é a maior mancha contínua do Dão), é possível fazer todos os anos grandes vinhos. No entanto, e até este ano, nunca ao ponto de chegarem a ser “Nobre”, uma designação que requer a atribuição, no mínimo, de 90 pontos em 100 por parte dos provadores oficiais. Na verdade, nunca nenhum vinho tinto do Dão havido conseguido superar essa barreira.

A designação existe há mais de 25 anos, mas, como explicou Arlindo Cunha, o presidente da CVRD, a exigência burocrática contida na legislação criada para esta denominação de origem quase que impedia que fossem aprovados vinhos como “Nobre”, uma vez que este qualificativo só podia ser atribuído por uma equipa especial de provadores. Há quatro anos, a legislação foi alterada e as aprovações passaram a poder ser feitas pela câmara de provadores que analisa todos os outros vinhos da região.

Mesmo assim, foi preciso esperar quatro anos até que surgissem os primeiros “Nobre”. Nos brancos, a distinção foi conseguida apenas pelo vinho Fonte do Ouro 2014, de Nuno Cancela de Abreu, e nos tintos pelo Casa de Santar 2013. Não deixa de ser um feito, atendendo à história e ao elevado nível geral dos vinhos do Dão, razão pela qual a Global Wines, produtora dos vinhos Casa de Santar, aproveitou a distinção para mudar a imagem desta marca e reforçá-la com dois novos vinhos premium que passarão a ser os topos de gama da casa, sempre que não haja “Nobre”: o Vinha dos Amores Touriga Nacional e o Vinha dos Amores Encruzado. Dois monovarietais das duas castas mais emblemáticas do Dão.

O primeiro Vinha dos Amores Touriga Nacional é de 2011 e o Encruzado de 2014.

A aposta em vinhas de uma casta só já tem alguma tradição na Casa de Santar. Na década de 90 do século passado, chegou a ser comercializada uma gama de vinhas sob o chapéu “Castas de Santar”. Alguns Alfrocheiro Preto e Roriz de 1997, por exemplo, ainda estão extraordinários. Assim como o Casa de Santar Touriga Nacional 2000, um dos melhores vinhos de sempre desta casta.

Estes e outros vinhos da Casa de Santar dão razão a quem defende que a zona de Santar, pelas suas particularidades, devia ser uma sub-região autónoma. Os vinhos deste lugar têm uma identidade própria, possuem uma frescura mineral e uma elegância muito distintivas e são duradouros. Essa distinção e longevidade ficaram bem expressas na apresentação dos novos vinhos da Casa de Santar, durante a qual foi dado a provar um tinto Conde Santar 1974, ainda cheio de vida, muito resinoso e povoado de notas de café e tabaco e com um fundo tânico e uma acidez vigorosas. Um grande vinho. Mas o que realmente surpreendeu nem foi tanto a qualidade deste vinho.

O que causou admiração foi verificar o nível de semelhança entre o Conde Santar 1974 e o Casa de Santar Nobre 2013, apesar dos 39 anos de diferença entre os dois vinhos. A ideia da Global Wines foi colocar o Conde de Santar como testemunho do que o Vinha dos Amores Touriga Nacional 2011 pode vir a ser ao fim de uma ou duas décadas em cave. Mas o efeito acabou por ser outro. Bastou provar o Nobre para encontrar grandes afinidades com o Conde Santar, seja na secura quase salina, seja no vigor tânico e na acidez fina de ambos. Até no aroma há pontos comuns nos dois vinhos. Coincidência? Não.

A chave chama-se terroir e castas semelhantes. Ambos são vinhos de lote e elaborados com as variedades típicas da região. Mesmo que as vinhas da Casa de Santar tenham sido renovadas, como o foram, o carácter do solo (franco-arenoso), do clima (temperado) e das castas locais continua lá.

 

Os vinhos

Casa de Santar Nobre 2013

Um Dão imponente e vigoroso. Aroma muito rico, com um misto de sugestões frutadas, terrosas, balsâmicas e especiadas. Na boca, é intenso, apimentado e musculado. Os taninos, sendo marcantes, estão bem polidos. A fruta surge bem madura mas não há nada de doce a incomodar. Pelo contrário, o vinho mostra uma austeridade e uma secura que faz lembrar certos tintos atlânticos. A acidez é fina mas bem presente, dando ao final de boca um comprimento e uma frescura magníficas. É um vinho extraordinário, já bebível e com uma longa vida pela frente. Foram cheias apenas três mil garrafas.

Castas: Touriga Nacional (50%), Alfrocheiro (20%), Tinta Roriz (20%) e Jaen(10%)
Graduação: 14,5% vol
Região: Dão
Preço: 70€
Nota: 95

 

Vinha dos Amores Touriga Nacional 2011

Os 18 meses que o vinho passou em barrica ainda estão a marcá-lo um pouco e a aprisionar o carácter floral e cítrico da Touriga Nacional. O lado mais tostado da barrica (ainda) tem uma preponderância no aroma e (menos) na boca que não devia ter. É um estilo mais moderno do Dão, com mais barrica nova (opção que o enólogo justificou com a ideia de complexar e oxidar mais o vinho), mas o vinho tem grande potencial. Está apelativo para iniciados. Para os apreciadores de tintos clássicos do Dão, precisa de mais tempo em cave.

Castas: Touriga Nacional
Graduação: 14% vol
Região: Dão
Preço: 24,90€
Nota: 91

 

Vinha dos Amores Encruzado 2014

Um branco gordo, envolvente e arrebatadoramente fresco. É uma pena que as notas fumadas da barrica ainda estejam demasiado presentes. O Encruzado é uma casta tão plástica que aguenta bem a madeira. Mas é preciso dar-lhe tempo. Nesta altura, este Vinha dos Amores ainda não nos deixa apaixonados, mas promete ser um grande vinho.

Castas: Touriga Nacional
Graduação: 14% vol
Região: Dão
Preço: 24,90€
Nota: 91

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