Os vinhos portugueses podem continuar remetidos à secção “outros países” nas garrafeiras dos grandes centros de consumo mundiais, mas estão cada vez melhores. E é aqui que começam os nossos problemas: com tantas marcas novas a surgirem todos os anos no mercado e com a qualidade geral a aumentar, é mais difícil saber o que comprar.
Ninguém fica indiferente ao apelo da novidade e não há nada mais aborrecido do que beber sempre o mesmo. Vale a pena abrir os nossos horizontes para lá da região que conhecemos melhor ou de que mais gostamos. Provar vinhos diferentes, para além do prazer que nos pode proporcionar, torna-nos melhores consumidores, porque alargamos os nossos termos de comparação. Mas, com tanta oferta, todos nós precisamos de referências. Como não podemos comprar e experimentar tudo, recorremos com maior frequência a mediadores, que tanto podem ser o amigo mais conhecedor como um bloguer ou um crítico da especialidade.
A crítica que fazemos na Fugas cumpre exactamente esse objectivo de mediação. Como toda a crítica, é subjectiva e vincula apenas quem a faz. Vale o que vale. As notas que atribuímos correspondem a uma avaliação individual, sempre influenciada pelo nosso gosto, e não têm a veleidade de ser definitivas. Na verdade, devem ser sempre relativizadas. A nota resume a valia do vinho na perspectiva do crítico, mas há outras variantes que os consumidores devem considerar, como a relação qualidade/preço, por exemplo. Um vinho que, pela sua valia intrínseca, é classificado com 85 pontos mas que custa apenas 10 euros pode ser uma escolha muito mais interessante do que um vinho pontuado com 95 pontos que custa 100 euros.
Quanto mais referências tivermos sobre os vinhos, mais acertadas podem ser as nossas escolhas. A crítica tem essa função instrumental. Pode influenciar a primeira compra, mas a partir daí é o gosto – e a disponibilidade financeira- de cada um que prevalece. O consumidor tem sempre a última palavra.
Ao longo de 2016, provámos centenas de vinhos, na sua maioria, vinhos acabados de chegar ao mercado. Apesar de não termos provado tudo o que foi lançado este ano, avaliámos os suficientes para ficarmos com a certeza de que a qualidade geral do vinho português nunca foi tão alta. Já quase ninguém faz vinhos maus em Portugal. O desafio principal, hoje em dia, já não está em fazer vinhos correctos e sem defeitos, mas sim em produzir vinhos autênticos, com carácter, que reflictam a casta e o local. Vinhos menos tecnológicos, em suma.
A lista que se segue é um apanhado de alguns dos melhores vinhos que provámos e pontuámos em 2016. Vinhos de “terroir”, todos eles. Em conjunto, espelham bem o estado da arte em Portugal. Os tintos continuam a ter a supremacia e são também os que melhores pontuações têm obtido nas principais revistas internacionais do sector (pontuações essas que têm vindo a subir de ano para ano). Mas é nos brancos que o avanço qualitativo tem sido mais rápido e surpreendente. Podia ser oficial: Portugal já não é só um país de tintos.
Barca Velha Tinto 2008
Pontuação: 98
O lançamento de um novo Barca Velha, pela história, raridade e qualidade deste vinho, é sempre um acontecimento. A curiosidade inicial recai sobre qual o ano de colheita. Revelado o ano, sobra a expectativa sobre se o vinho está mesmo à altura da sua fama. Esquecendo o preço- os vinhos, como tudo, valem o que os consumidores estiverem dispostos a pagar por eles-, o novo Barca Velha, da colheita de 2008, é mesmo um grande vinho. Um vinho de classe mundial. Mais tânico do que o anterior, de 2004, precisa de oxigénio e de paciência por parte de quem o bebe para mostrar todo o seu lastro e profundidade. Já tem oito anos, mas parece ser mais novo, tal é ainda a intensidade de fruta vermelha que exibe. Está muito químico e especiado, mostrando na prova de boca uma complexidade, um nervo e uma frescura portentosos. Felizmente, não é um vinho geométrico, no que isso significa de perfeição, mas é precisamente por isso, por ser esquivo e misterioso, por ter ainda alguma aresta, que nos emociona tanto. Foram cheias 18 mil garrafas e o vinho deverá chegar ao mercado a cerca de 400 euros. P.G.
Quinta da Boavista Vinha do Ujo Tinto 2013
Pontuação: 96
Era uma das estreias mais aguardadas no Douro. Os primeiros vinhos tranquilos da Quinta da Boavista, propriedade que os donos da Covela compraram à Sogrape, foram apresentados este ano e, pelo menos um deles, o Quinta da Boavista Ujo, confirmou as (altas) expectativas. Proveniente de uma vinha velha, é um tinto belíssimo, de enorme expressão mineral e super fresco. Um Douro de grande complexidade aromática e gustativa, com uma estrutura tânica robusta mas, ao mesmo tempo, cheio de finesse. Extraordinário. A produção deste Quinta da Boavista Ujo foi muito pequena (cerca de 600 garrafas) e cada garrafa deverá custar perto de 100 euros. P.G.
Casa de Santar Nobre Tinto 2013
Pontuação: 95
O primeiro tinto do Dão a obter a chancela “Nobre”, uma designação que requer a atribuição, no mínimo, de 90 pontos em 100 por parte dos provadores oficiais (nos brancos, o feito foi alcançado pelo Fonte do Ouro 2014, de Nuno Cancela de Abreu). Feito com as castas típicas do Dão (Touriga Nacional, Alfrocheiro, Jaen e Tinta Roriz), este vinho da Global Wines impressiona pela sua imponência e vigor. Possui um aroma muito rico, com um misto de sugestões frutadas, terrosas, balsâmicas e especiadas. Na boca, é intenso, apimentado e musculado, mostrando uma austeridade e uma secura que remetem para certos tintos atlânticos. A acidez é fina mas bem presente, dando ao final de boca um comprimento e uma frescura magníficas. Tem um PVP de 70 euros. P.G.
Arinto dos Açores By António Maçanita 2015
Pontuação: 92
Um verdadeiro vinho de “terroir”. Como aqui se escreveu, é um branco com a beleza e a alma da ilha do Pico, de onde é proveniente. O branco de Terrantez que Maçanita e os seus sócios açorianos fazem pode ser mais original, mas este Arinto é mais tenso e seco. A sua acidez e salinidade são admiráveis. A acidez já induz, por si só, uma sensação de frescura, mas quando se junta ao sal, como neste caso, cria uma nova dimensão sensorial, um maior frescor mineral, uma maior vivacidade e sapidez, que nos deixa arrebatados e emocionados. Quem conhece o Pico, consegue viajar até lá com este branco. Tem um PVP de 25 euros. P.G.
Viúva Quintas Arinto 2014
Pontuação: 92
Uma marca com história na região de Bucelas que está a viver uma segunda vida. Depois de um interregno de décadas, as herdeiras da fundadora retomaram a produção de vinho e lançaram este ano o seu primeiro Arinto, de 2014. É um Bucelas de feição clássica, feito só com Arinto e de uma forma artesanal, fermentando e estagiando unicamente em inox. A natureza argilo-calcário do solo está bem expressa no aroma e no sabor, impressionando mais pela sua vertente mineral do que pela expressão de fruta, embora o lado cítrico do Arinto seja evidente. É um branco sem artíficios e cheio de carácter. Muito fresco, possui uma fantástica aptidão gastronómica. Custa cerca de 12 euros.P.G.
Quinta da Romaneira 2011
Pontuação: 94
Preço: 44€ (em www.creative-gourmet.com)
Na zona de transição entre o Douro mais fresco e o Douro mais tórrido, a Romaneira foi capaz de fazer um reserva que seguramente se enquadra entre os melhores tintos do Douro de 2011. É impossível não gostar muito deste vinho. Os seus aromas florais (a violeta da melhor Touriga Nacional do Douro tem aqui uma expressão magnífica), as notas de fruta vermelha, os toques balsâmicos de caruma ou a discreta contribuição da madeira tornam-no facilmente sedutor. Na boca, é uma maravilha para os sentidos. Taninos finíssimos sustentam um volume preciso. A fruta revela-se num excelente balanço com a acidez no ponto. E no final emerge uma sensação de especiaria que prolonga a prova e deixa um rasto de harmonia e complexidade notáveis. Um vinho magnífico. M.C.
Curtimenta Alvarinho 2014
Pontuação: 94
Preço: 22€
Anselmo Mendes é um devotado observador dos saberes tradicionais e este Curtimenta é prova dessa ligação ao saber antigo. A curtimenta usava-se nos brancos antigos, mas hoje é uma técnica especialmente usada nos tintos. No lagar ou nas cubas, prolonga-se o contacto das películas com o mosto em fermentação para provocar a extracção de compostos da uva. Anselmo usa esta técnica para produzir este vinho e acrescenta-lhe um estágio com as borras finas durante oito meses. A experiência produziu um clássico. Um branco que não obedece à exuberância. É até algo contido na sua expressão aromática, na qual a delicadeza, o requinte da fruta, o toque oxidado ou a nota da barrica se ajustam num balanço que seduz por ser óptimo e não por ser fácil. Na boca a revelação continua, entre uma certa frugalidade seca e a riqueza da Alvarinho no volume ou na acidez. Um vinho elegantíssimo, delicado sem ser mole, intenso e saboroso sem ceder à facilidade da fruta jovem ou à marca da barrica, envolvente e longo na boca pela sua acidez e mineralidade. M.C.
Poeira Ímpar 2009
Pontuação: 95
Preço: 60€
Este vinho com a assinatura de Jorge Moreira é uma obra-prima de definição, de textura e de harmonia. Um daqueles vinhos que requerem introspecção, calma e descomprometimento total dos sentidos. Feito através de um lote de Cabernet Sauvignon, Touriga Nacional (56%) e Sousão, é o produto de uma vinha ímpar num ano marcado pela frescura e pelo capricho. Polido pelo tempo em garrafa, está agora numa fase irresistível, com os seus aromas complexos de fruta ainda presente, um corpo já aveludado, um poder suave na forma como se apresenta e se mantém na boca e uma harmonia reservada aos grandes vinhos. M.C.
Monte d’Oiro ex-aequo 2011
Pontuação: 93
Preço: 50€
Este topo de gama do Monte d’Oiro tinha já revelado todo o seu enorme potencial em edições anteriores, mas em 2011 atinge um nível de qualidade e de sofisticação absolutamente notáveis. As suas sugestões de aromas de fruta preta temperadas por notas balsâmicas da barrica (18 meses em carvalho francês, 30% de primeiro ano), uma certa dimensão vegetal e as primeiras manifestações da evolução na garrafa exigem concentração e cuidado para serem devidamente apreciadas. Na boca, porém, este vinho surge já com outra raça e carácter, com a doçura da fruta a soltar-se sem se impor ao conjunto, deixando espaço para uma boa nota de acidez, taninos bem desenhados e um final longo que deixa transparecer especiaria. Um vinho notável (95 pontos de Robert Parker), que está já numa fase muito interessante de evolução, mas há-de ganhar ainda mais complexidade com um ou dois pares de anos em garrafa. M.C.
Porto Graham’s 90 anos
Pontuação: 98
Preço: 750€ (preço de lançamento. Nas garrafeiras, a cotação actual está acima
dos 1100 euros)
A Graham’s lançou um Porto com uma idade média de 90 anos para celebrar o aniversário da rainha Isabel II. Para o efeito foi ao seu prodigioso armazém e escolheu lotes de 1912, de 1925 e 1935 para o fazer. O 1912 integrava o património da Warre e da Dow’s e destaca-se pela sua complexidade e por um extraordinário volume de boca; o lote de 1924 veio da Quinta do Bom Retiro Pequeno e é o mais exuberante no nariz, com notas de alperce e, na boca, é entre todos o mais subtil e elegante; o 1935 fazia parte dos stocks da Warre e é um prodígio de impetuosidade de acidez e frescura. O lote final conserva o melhor de todos estes mundos e vale mais do que a soma das partes. Um Porto absolutamente extraordinário. M.C.
Quinta da Boavista Vinha do Ujo Tinto 2013
Pontuação: 96
Era uma das estreias mais aguardadas no Douro. Os primeiros vinhos tranquilos da Quinta da Boavista, propriedade que os donos da Covela compraram à Sogrape, foram apresentados este ano e, pelo menos um deles, o Quinta da Boavista Ujo, confirmou as (altas) expectativas. Proveniente de uma vinha velha, é um tinto belíssimo, de enorme expressão mineral e super fresco. Um Douro de grande complexidade aromática e gustativa, com uma estrutura tânica robusta mas, ao mesmo tempo, cheio de finesse. Extraordinário. A produção deste Quinta da Boavista Ujo foi muito pequena (cerca de 600 garrafas) e cada garrafa deverá custar perto de 100 euros. P.G.