Fugas - Vinhos

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Herdade do Freixo: a adega Guggenheim

Por Alexandra Prado Coelho

Há no Alentejo uma nova adega que se destaca pela arquitectura. Mas com uma característica muito particular: toda ela é subterrânea, desenrolando-se em espiral até 40 metros de profundidade. Com ela nasce um novo projecto de vinho – o Freixo.

A adega da Herdade do Freixo é muito grande. E, no entanto, quando olhamos à nossa volta a paisagem do Alentejo estende-se a perder de vista e, de adega, nem sinal. Bom, se tivermos um pouco mais de atenção, sim, ao fundo, no terreno, vêem-se algumas aberturas discretas e algo que poderia ser uma chaminé a irromper do solo. Mas mais nada.

E daqui a algum tempo nem mesmo isso será visível. A adega, projecto do arquitecto Frederico Valsassina, é subterrânea e quando a vinha plantada sobre ela crescer vai ser um desafio para os visitantes adivinharem onde ela está.

As ambições não são pequenas para este projecto de perto de 300 hectares junto da aldeia do Freixo, entre a Serra d’Ossa e Évora, concelho de Redondo. “Queremos ser um destino de eleição do enoturismo mundial”, diz a directora de marketing Carolina Tomé. “Um destino obrigatório para os enófilos do mundo mas também para os apaixonados por arquitectura e os eco-turistas. É um espaço muito interessante para a observação de pássaros, por exemplo, passa aqui a cegonha negra, que é muito rara.”

Pedro Vasconcellos e Souza é o proprietário deste terreno, parte de uma propriedade muito maior, de cerca de mil hectares, com uma longa história – tão longa que é difícil dizer exactamente desde quando é que se encontra na família. Sabe-se que, no século XIX, D. Pedro de Sousa Coutinho Monteiro Paim herdou estas terras que já tinham pertencido ao seu trisavô, D. Fernão de Sousa de Castelo-Branco Coutinho e Menezes, 10º Conde de Redondo. O casamento de D. Pedro com D. Eugénia Maria de Assis Castelo Branco e Lancastre uniu várias casas nobiliárquicas, hoje representadas pela família Vasconcellos e Souza.

Chegamos assim a outro Pedro, enólogo, actual proprietário, e que nos recebe neste projecto que, depois de dez anos de preparação, está finalmente pronto para ser apresentado ao público. As visitas à Herdade do Freixo (não confundir com a também alentejana Herdade do Freixo do Meio, produtora em modo biológico) começaram no início de Novembro e serão gratuitas até ao final do ano (as provas de vinho são pagas à parte).

Foi uma longa aventura para aqui chegar e tudo começou à volta da mesa. Pedro Vasconcellos e Souza, que está ligado à Casa de Santar e que já tinha uma grande experiência como enólogo, sempre alimentara a esperança de vir a criar um projecto nesta herdade alentejana que a família perdeu na sequência do 25 de Abril, acabando por a recuperar mais tarde, como aconteceu a muitas outras. Mas precisava de investidores.

Um dia, num jantar com amigos, surgiu a oportunidade. Pedro tinha o terreno, alguns desses amigos a capacidade de investimento. Começava a ganhar forma o projecto da Herdade do Freixo – um investimento de mais de 10 milhões de euros até agora e que, diz Carolina Tomé, “vai continuar com o desenvolvimento da parte de enoturismo”. As obras começaram em 2013 e terminaram este ano.

Mas a paixão de Pedro pela paisagem alentejana levava-o a insistir numa ideia: a adega não podia ser um edifício a destacar-se no horizonte, uma espécie de ícone como várias outras no despique que actualmente existe entre as adegas/peças arquitectónicas. Queria uma adega marcante, sim, mas debaixo de terra. Foi lançado um concurso internacional e a proposta vencedora foi a de Valsassina, esta espécie de museu Guggenheim de Nova Iorque que mergulha a sua espiral pelo interior da terra e no qual agora entramos.

A primeira sala marca imediatamente o ambiente acolhedor que se pretende ter no interior (até porque, mesmo neste início ameno de Inverno, o vento frio que sopra no exterior faz-nos já desejar algum conforto). Embalados por madeiras toscas e tons suaves avançamos até ao início da espiral. O material de construção é o betão, mas que aqui foi misturado com terra. “O arquitecto pediu-nos terra da propriedade”, sorri Pedro. “Assim, a adega tem a cor do Freixo.”

Percorremos a espiral, que permite aos visitantes ir espreitando para dentro das zonas de produção sem interferir com o trabalho que aí possa estar a acontecer, sobretudo em época de vindimas. Nas paredes redondas existem aberturas protegidas por vidros ou entradas que ficam suspensas sobre a sala de baixo com as cubas de inox e toda a maquinaria necessária para receber as uvas, separá-las e pisá-las – é utilizado apenas a gravidade para fazer chegar as uvas aos lagares, preservando assim o mais possível o fruto, que é depois pisado por um robot pneumático que replica a pisa a pé.

Percorremos três pisos – o projecto de arquitectura garantiu que toda a adega tivesse luz natural – e chegamos ao fundo da espiral, estamos a 40 metros de profundidade junto à zona onde os vinhos estagiam em barricas de carvalho francês novo. Voltamos a subir para o almoço que é servido numa pequena sala com parede envidraçada e vista para as barricas.

“Queríamos um design arrojado que não podia ficar atrás do que já se vê no mundo inteiro”, explica Carolina Tomé. A arquitectura das adegas é cada vez mais um factor de atracção e este projecto quis claramente apostar nisso – aliás, conta, os primeiros pedidos que receberam para visitas, antes mesmo da abertura, foram de arquitectos e estudantes de arquitectura.

Mas é preciso não esquecer que no centro de tudo isto está o vinho. E, apesar das belíssimas oliveiras com centenas de anos e das azinheiras e sobreiros que vemos no exterior, esta era uma propriedade sem vinha. No entanto, sublinha a directora de marketing, o que poderia ser uma desvantagem pode também ser visto como uma vantagem. “O enólogo pôde escolher a localização e as castas que melhor se adaptavam ao terroir, que aqui tem muito calcário, muito granito, xisto, o que nos permite ter maior acidez na uva.” Existem neste momento 25 hectares de vinha mas o projecto prevê que se chegue aos 23 hectares de castas tintas e 12 de brancas.
O objectivo é fazer vinhos “com um perfil diferente do característico do Alentejo, reunindo o melhor desta região, com muita estrutura e corpo, mas também o melhor dos vinhos do Norte, com a frescura, a elegância, a longevidade”, resume Carolina Tomé.

Para mostrar todo o potencial destes vinhos, o almoço foi cheio de desafios – “ninguém serviria estes pratos com vinho” se não estivesse confiante do resultado, assegurou Pedro. Depois de um queijo de cura longa veio um creme de cogumelos de sabor intenso, uma empada de perdiz e uma sobremesa com marmelo, sendo que, ao contrário do que se esperaria, nenhum dos pratos “matou” o vinho com que foi servido, que foi sempre afirmando a sua personalidade sem, por seu lado, “matar” o prato.  

Deixar os vinhos evoluir a 40 metros de profundidade, com temperaturas muito mais constantes do que à superfície, onde existem grandes amplitudes térmicas, é um dos factores fundamentais para se conseguir essas características. “Noutros projectos é o vinho que se adapta à arquitectura, aqui é a arquitectura que se adapta ao vinho”, diz Pedro. E é assim que aqui neste Guggenheim invertido estão a nascer os vinhos do Freixo.

Os três vinhos (e mais dois)

Existem para já três vinhos desta propriedade à venda em garrafeiras e lojas gourmet (mas não em hipermercados): o Freixo Reserva branco 2015 (6 600 garrafas, 10,50 euros) e o Freixo Reserva Tinto 2014 (33 333 garrafas, 17,50 euros), que chegaram ao mercado em Junho. Em Setembro surgiu o topo de gama Freixo Family Collection (6 600 garrafas, 34 euros). O branco é feito com as castas Arinto, Alvarinho e Sauvignon Blanc, o tinto Reserva com Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon e Alicante Bouschet. E, por fim, o Family Collection com Touriga Nacional, Cabernet Sauvignon, Alicante Bouschet e Petit Verdot. Mas Pedro Vasconcellos e Souza tem mais planos: em breve serão lançados dois monocastas, o Sauvignon Blanc e o Chardonnay.

A imagem dos vinhos do Freixo – que são já exportados para a Suíça, Bélgica e França – foi feita a partir do brasão do Conde de Palma, um dos títulos de D. Pedro Paim, herdeiro destas terras. Para esta finalidade, o brasão foi redesenhado pelo estúdio de design 3H, que trabalhou com o mestre gravador inglês Christopher Wormell. Este usou técnicas e ferramentas idênticas às que se utilizavam no século XIX, incluindo uma prensa vitoriana Albion. A história é contada (e o trabalho é mostrado) no site da herdade.

Herdade do Freixo
7170-001 - Freixo
www.herdadedofreixo.pt
E-mail: freixo@herdadedofreixo.pt
Tel.: 266094830
Visitas: de 2º a 6ª às 11h30 e às 15h (de 1 de Outubro a 30 de Abril) e 10h e 16h30 (de 1 de Maio a 31 de Setembro); aos sábados com marcação prévia e 25% de pré-pagamento; reservas com refeições e/ou tábua de enchidos, com aviso prévio e 50% de pré-pagamento. Encerrado aos domingos e feriados. Loja de 2ªa a 6ª das 10h às 17h.

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