No quarto ensaio, chegou a vez de um vinho alentejano vencer a prova organizada anualmente pela Fugas com vinhos tintos das diferentes regiões do país e com preços que oscilam entre os nove e os 12 euros. Desde a primeira edição da prova, em 2013, os alentejanos tinham conseguido, no máximo, a terceira posição do ranking. Este ano o Rocim Alicante Bouschet de 2014 não deu hipótese à concorrência e levou para o Alentejo a primeira vitória numa prova que até hoje foi vencida por um Douro (o Ramos Pinto Collection de 2010) e por dois Dão nas duas últimas edições (um Escudial Vinhas Velhas de 2008 e o Fonte do Ouro de 2011).
A diferença do Rocim para o segundo classificado, um surpreendente Xavier Santana, de Setúbal, ascendeu a 22 pontos; a distância entre o segundo e o terceiro vinho, um Quinta das Bágeiras de 2012, foi de apenas dois pontos. E, para se ter a noção da preferência inequívoca que o painel dedicou ao alentejano, note-se que a diferença entre o terceiro e o décimo vinho em prova é de apenas 44 pontos.
Como é regra, a prova organizada em dois momentos do ano pela Fugas (no Verão, com brancos, e no Inverno com tintos) obedece a uma condição prévia: os vinhos são provados às cegas sem comida, como acontece nas provas com o devido rigor técnico, e depois com um almoço especialmente ajustado à natureza dos tintos – também aqui a prova é cega. O objectivo é procurar identificar os padrões de avaliação que os consumidores utilizam no seu dia-a-dia. Como é evidente, o consumo de vinho em Portugal acontece essencialmente às horas das refeições.
Para assumir as despesas da avaliação, a Fugas reúne um painel que se repete de edição para edição da prova. Desse painel, estiveram presentes Luís Costa, jornalista da RTP, Ivone Ribeiro, com anos de provas no sector e proprietária da garrafeira Garage Wine, em Matosinhos, Lígia Santos, a primeira vencedora do Masterchef Portugal e proprietária da empresa Mastercook e, em representação do PÚBLICO estiveram os jornalistas Pedro Garcias e José Augusto Moreira – por razões profissionais, Beatriz Machado, directora do serviço de vinhos do hotel Yeatman, Álvaro Van Zeller, enólogo, e Joe Álvares Ribeiro, administrador do grupo Symington não puderam estar presentes e foram substituídos por Luís Cândido, da Garrafeira Tio Pepe, no Porto, e pelo enólogo Anselmo Mendes.
A escolha dos vinhos para a prova obedece a dois critérios fundamentais: os vinhos têm de se situar na gama de preços fixada; e devem ser representativos da pluralidade das regiões portuguesas. Dentro destes critérios, a selecção final é feita pelo PÚBLICO em articulação com Jesus Caridad e Hélder Almeida, responsáveis pelo sector de vinhos do El Corte Inglés – ou seja, todos os vinhos estão disponíveis nos supermercados desta rede. Assim, foram escolhidos dois vinhos do Douro, dois do Alentejo, dois do Dão, um da Bairrada, um da península de Setúbal, um de Lisboa e um de Trás-os-Montes. Dentro destas regiões, e tendo em consideração as escolhas finais, procurou-se combinar vinhos com marcas mais conhecidas com outros que possam suscitar o desejo de descoberta por parte dos nossos leitores. Os vinhos eram representativos das colheitas de 2013 e 2014, com excepção do Bairrada, que era de 2012. E as fichas de prova obedeceram ao modelo da OIV (Organização Internacional da Vinha e do Vinho), com uma pontuação entre os 0 e os 100 pontos.
Em termos gerais, o Alentejo foi a região que obteve melhores resultados – para lá da vitória do Rocim, conquistou a quarta posição com o Pousio. O Douro saiu mal na escolha do painel – um sexto e um décimo lugar. E o Dão, até agora dominador na prova dos tintos organizada pela FUGAS, não foi além de uma sétima e uma nona posição.
Mas para lá desta apreciação geral, vale a pena notar o desempenho dos vinhos na prova sem e com comida. Na primeira parte da prova, o Rocim e o Xavier Santana, um vinho produzido exclusivamente com a casta Castelão, foram os únicos que obtiveram mais de 600 pontos, ou seja uma média situada entre os 87 e os 88.5 pontos por provador. O Torreão da Alameda, do Dão, com assinatura do consagrado enólogo Carlos Lucas, registou a avaliação mais baixa (553 pontos). Depois, veio a prova com comida e aí mudou muita coisa.
Esta edição da prova decorreu no restaurante Antiqvvm, do chefe Vitor Matos, no Porto. Para o almoço, o chef preparou uma entrada, um prato de peixe, outro de carne e uma sobremesa ajustadas à harmonização com vinhos tintos relativamente jovens. A entrada consistiu em ravioli de queijo da serra com manteiga de salva, trompetas de morte e folhas de capuchinha. O peixe foi representado por um bacalhau de cura portuguesa com grelos, pil-pil de línguas e presunto alentejano. A carne foi de veado com molho de vinho do Porto LBV, endívias, beterraba e tártaro de cogumelos com balsâmico – este prato, como o anterior, faz parte da nova carta do Antiqvvm. Finalmente, a sobremesa passou por um prato de pêra bêbada, chocolate, cereja, framboesa e balsâmico.
Face ao embate com a comida (elogiadíssima pelos membros do painel), registaram-se algumas boas surpresas. Uma vez que um dos membros do painel não pôde ficar para o almoço, concordou-se que se estabelecia uma média dos pontos atribuídos pelos outros membros para que a média final fosse susceptível de comparação. Assim, no final desta prova com comida, o vinho mais pontuado (622 pontos) foi o Bágeiras, como que a comprovar que os bairradinhos são vinhos difíceis de bater à mesa. Depois, o Fonte do Ouro, que tinha ficado mal classificado na primeira parte da prova, subiu para a segunda posição (609 pontos). E o Rocim conseguiu a terceira posição, um bom desempenho que ajudou a manter a liderança final.
Na harmonização, seis vinhos ficaram para lá da barreira dos 86 pontos (que representa a avaliação de ‘muito bom’). Na primeira parte, só dois o tinham conseguido. O que pode querer comprovar a tese de que, no geral, os vinhos portugueses estão cada vez mais gastronómicos. E, foi consensual, cada vez melhores. Numa gama na qual não entram os vinhos de topo de muitas marcas e ainda menos os vinhos estratosféricos, é possível fazer compras com uma excelente relação entre a qualidade e o preço.