Fugas - Vinhos

Paulo Pimenta

A escolha certa

Por Rui Falcão

A crise económica é uma realidade palpável e indubitável, uma evidência do nosso quotidiano que o tempo parece não conseguir atenuar.

A palavra crise há muito que se inscreveu no léxico diário colectivo nacional, impondo racionalidade nos gastos e tempero nas decisões, condicionando assim qualquer assomo de loucura económica no momento da compra do vinho. Parecem estar afastados, pelo menos no horizonte mais próximo, os casos de histeria colectiva que caracterizaram um período no tempo durante o qual os portugueses se acharam ricos, gastando autênticas fortunas em vinhos vendidos a preços inflacionados e sem correspondência com a qualidade ou com a realidade. Enfim, pelo menos até que os primeiros sinais da recuperação de confiança possam despertar de um sono que se prevê prolongado, embarcando de novo em aventuras de risco elevado.

Vivemos hoje numa época onde impera algum bom senso, uma ponderação que nos foi imposta pelas circunstâncias e que obriga a alguma prudência e sensatez nos gastos não essenciais. E convém sempre relembrar que o vinho está muito longe de poder ser considerado um bem essencial. Depois dos desvarios de um passado recente que vivia refém do lançamento de novidades constantes, sem qualquer capacidade de fidelização e com preços sempre em alta, eis que nos vemos chegados à fase da maturidade, ao remanso de uma época que em vez do desvario prefere as apostas seguras.

Vivemos numa época que privilegia as compras acertadas e razoáveis, em que a racionalidade começa finalmente a superar a futilidade e o sintoma de novo-riquismo. Nunca como hoje vivemos numa obsessão tão intensa pelas melhores relações qualidade/preço. Sim, é verdade que em alguns casos o preço acabou por ser tão esmagado que a dignidade e viabilidade financeira dos produtores começa a ser questionada. Mas entre muitas injustiças podemos igualmente encontrar vinhos espantosos vendidos a preços mais que justos e razoáveis para produtores e consumidores. E isso é realmente o que todos desejamos encontrar, vinhos simultaneamente interessantes e acessíveis, sensatos no preço e certeiros e consistentes na qualidade, vinhos que possamos comprar sem correr o risco de desmaio financeiro.

A maioria dos vinhos que se enquadra neste perfil não são necessariamente vinhos de meditação com predicados que os coloquem entre a elite dos vinhos do mundo. Mas em contrapartida são vinhos muito bem feitos, irrepreensíveis na qualidade e na consistência, agradáveis e harmoniosos, com frequência produzidos em quantidades razoáveis que os tornam fáceis de encontrar nas prateleiras, vinhos capazes de proporcionar alegria pela qualidade e originalidade, vendidos a um preço acessível.

Entre as estrelas maiores desta categoria de vinhos brilha com lume próprio o Muralhas de Monção, um branco verdadeiramente extraordinário da Adega Cooperativa de Monção que nos acompanha há três décadas. Para além de acessível no preço, o Muralhas é produzido em quantidades muito razoáveis, estando presente em praticamente todas as lojas, supermercados e restaurantes de Portugal. Mais que um vinho de Verão, o Muralhas é não só um dos bons brancos nacionais, como um refúgio seguro na restauração. Porém, e convém ressalvar este aspecto, o Muralhas é, acima de tudo, um excelente vinho branco que vale por si próprio, sem necessitar do factor preço para merecer ser considerado.

Mas há muitos outros vinhos que ostentam o predicado sempre desejado da excelente relação qualidade/preço. Se pensarmos em regiões, mais que em produtores, então o nome que prende a atenção será a Península de Setúbal, fruto de um grupo alargado de produtores que oferecem qualidade e consistência embrulhados em produções avantajadas e preços francamente acessíveis. Basta pensar em nomes como Ermelinda Freitas, Adega de Pegões, José Maria da Fonseca ou Bacalhôa. Estes quatro produtores não detêm o exclusivo destes atributos, mas são seguramente os representantes mais claros desta aposta da região.

Qualquer um destes quatro produtores apresenta vinhos de belíssimo recorte que entusiasmam pela bondade e apuro de execução. Qualidades que são verdadeiras para os vinhos brancos, rosados e tintos, mas que em determinados casos são extensíveis aos estrondosos Moscatel que a região produz. Nesse capítulo voltam a brilhar alto a José Maria da Fonseca e a Bacalhôa, recebendo a companhia da Casa Horácio Simões, que brilha igualmente nesta categoria.

Lisboa é outra das regiões que se vangloria dos preços baixos com qualidade elevada, em grande parte por mérito de produtores como a casa Santos Lima ou a DFJ de José Neiva. Talvez a associação seja menos imediata e muitos se esqueçam da região, mas Colares é uma das regiões históricas de Lisboa que prima pela excelência de preços associada a uma qualidade elevada e a um estilo invulgar que confere uma originalidade sem par aos vinhos desta região ímpar. Vale a pena perder tempo na perseguição de vinhos como os invulgares Arenae ou os impressionantes Viúva Gomes da Silva.

Convém ter em atenção que não são vinhos fáceis e que isso se percebe desde a primeira aproximação na total ausência de fruta, na salinidade e nas notas terrosas que estão omnipresentes. São vinhos que estão nos antípodas dos vinhos modernos, tecnológicos e formatados, antepondo carácter, autenticidade, franqueza e a sensação de serem fiéis ao local onde nascem. São vinhos de carácter forte e isso nem sempre é compreendido. O duriense Vallado é outra das celebridades deste capítulo, oferecendo a segurança de beber um vinho admirável a preços mais que comedidos.

Nestas matérias de vinhos acertados nos preços convém não esquecer os vinhos generosos, parágrafo onde Portugal ascende à excelência. As melhores escolhas são geralmente encontradas nos vinhos de 10 e 15 anos da Madeira, bem como nos Colheita. Nos Moscatel de Setúbal a escolha recai sobretudo nos 5 e 10 Anos que são vendidos a preços verdadeiramente modestos. No Vinho do Porto a escolha mais acertada costuma recair nos LBV, segmento em constante guerra de preços, e nos 10 Anos da maioria das casas.

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