Uma das melhores notícias do Douro dos últimos anos é a personalização dos seus vinhos. Não apenas sob a égide dos valores da região (que existem e são transversais), mas principalmente ao abrigo das escolhas dos enólogos e das condições únicas de cada vinha. Jorge Moreira ou José Maria Soares Franco há muito que contribuem para essa diversidade, e o Vale Meão, a Ferreirinha (principalmente com o Legado), Roriz ou o Crasto têm vindo a criar vinhos singulares por respeitarem as condições naturais das vinhas. De há dois ou três anos a esta parte, há mais uma quinta duriense que entrou neste desafio exigente e, ao mesmo tempo, enriquecedor: a Quinta Nova de Nossa Senhora do Carmo.
Provemos os 2013 com a chancela da quinta (marcas como Graínha ou Pomares não dependem em exclusivo das vinhas da quinta) e facilmente ficamos com a ideia que nos seus aromas e na sua prova de boca são evidentes as raízes que garantem a singularidade de um vinho: a qualidade da fruta original e a mestria do enólogo Jorge Alves (que deixa também a sua marca de excelência nos Quanta Terra ou na Quinta do Têdo). Todos os vinhos de 2013 conservam a potência aromática, entre o toque floral e a fruta intensa e atraente, a madurez sedosa e a estrutura imponente que são próprios do Douro. Mas todos exibem também uma nota especiada, uma graciosidade e uma textura que são a expressão da singularidade da quinta e das opções da sua equipa de enologia.
Para os situarmos, podemos dizer que os tintos da Quinta Nova não são prodigiosos na finesse nem na facilidade da fruta. São vinhos mais austeros, mais circunspectos, mais impactantes, muito mais talhados de acordo com um perfil clássico que privilegia aromas da adega e da garrafa em detrimento da fruta jovem e óbvia. Mas é essa dimensão que os distingue e os eleva. São vinhos sérios, que pedem comida, que exigem ainda mais tempo de garrafa, que devem ser apreciados pela sua complexidade e não pelo imediatismo das suas componentes.
Claro que o Quinta Nova Unoaked 2013 (130 mil garrafas produzidas; preço: 9,50 euros; pontuação 88) se distingue destas categorias. É o acesso de gama e, deliberadamente, aposta numa versão mais directa, mais sumarenta e fácil. Daí para cima, tudo muda. O Reserva 2013 é um vinho-exemplo do espectro aromático dos tintos durienses (violeta, urze, fruta preta), que apresenta um óptimo balanço na boca (22/24 euros; 91 pontos). O Grande Reserva de 2013 é um tinto de alta estirpe: a sua garra na boca, o seu volume opulento e marcante, a sua estrutura, com tanino ainda rugoso a oferecer uma textura perfeita para a riqueza da fruta, a complexidade dos seus aromas e a sua persistência são notáveis (55 euros; 94 pontos).
Num patamar equivalente encontra-se o Referência Grande Reserva. Um colosso feito a partir de um lote de Tinta Roriz (vinificada sem grainhas), com notas de pimenta no nariz, vivaz na boca com um corpo ainda tão intenso que recomenda mais um par de anos na garrafa, pelo menos (50 euros; 92 pontos). E surge depois o Mirabilis, que, apesar de acusar na sua juventude a concentração do ano de 2013, merece sem dúvida entrar no lote reduzido dos grandes tintos durienses da presente geração (85 euros; 95 pontos). Porque é profundamente original – a Tinta Amarela “faz” aqui o papel que a Touriga Nacional desempenha na nova geração de tintos durienses; porque é um primor nos aromas, com a riqueza da fruta comum ao Tinto Cão, sugestões de terra húmida, tosta discreta, num conjunto sedutor que nos interpela os sentidos; porque é um vinho vibrante na boca, pela sua dimensão tânica musculada mas ajustada ao conjunto, pela sua mineralidade e, acima de tudo, pela marca de especiarias que deixa na boca um rasto de frescura e complexidade intermináveis. Uma obra de joalharia bem pensada e executada.
O Mirabilis é um tinto de uma grande vinha que nasce por obra e graça de uma empresa que se recusa ficar parada e que não desiste de se aproximar do melhor que se faz no Douro. A Quinta Nova já comercializa 400 mil garrafas por ano e está por mérito próprio na vanguarda da vanguarda do Douro. Poderá haver quem, por questões de estilo, questione a opção pelos seus vinhos mais musculados, intensos e por vezes exuberantes, seja no nariz ou na boca. Mas até nisso, haver uma opção é uma virtude. Os Quinta Nova têm uma identidade própria e, no âmbito dessa identidade, são sem dúvida grandes vinhos.