Fugas - Vinhos

  • DR
  • DR

Um tesouro que o Douro tem guardado há 149 anos

Por José Augusto Moreira

Real Companhia Velha lançou Tawny muito velho para assinalar os 260 anos da empresa. Carvalhas Memories é um vinho único, histórico e verdadeiramente memorável, numa edição limitada de 260 garrafas.

É ao ouro que sempre associamos aquilo que de mais extraordinário e valioso que conhecemos, mas até esta comparação parece curta quando temos pela frente um vinho único e histórico como o Carvalhas Memories. Um Tawny que vem da vindima de 1867, e que para lá da raridade e peso histórico é também absolutamente fantástico e maravilhoso enquanto vinho.

Poderíamos até atribuir-lhe todas as mais altas distinções e pontuações, que sempre ficaria curta a avaliação. É que coisas tão extraordinárias acabam por não encaixar em padrões de normalidade. 

Bastará lembrar que não tinha sido ainda descoberta a penicilina ou o rádio, que não havia comboios no Porto, os automóveis eram uma miragem no nosso país e nem em sonhos a aviação era ainda imaginável, e o vinho, este Tawny, já estagiava nos cascos que o trouxeram até hoje para o saborearmos. Que raridade, que privilégio único!

Foi para assinalar a passagem dos 260 anos da empresa que os responsáveis da Real Companhia Velha decidiram lançar este vinho. Apenas parte da existência desta colheita do século XIX, uma edição limitada de 260 garrafas que custam 2750 euros cada. Pode parecer muito dinheiro, mas a procura acaba por demonstrar o contrário, que se trata de um valor ajustado tendo em vista o historial e a qualidade do vinho, o enquadramento e até a própria embalagem, que consome boa parte do preço.

O lançamento foi feito há pouco mais de um mês e as encomendas são aceites sob reserva, já que haverá necessidade de rateio. Além da natural procura nos principais mercados de exportação, dá-se a coincidência de o vinho resultar da colheita do ano da fundação do Canadá, o que levou a uma demanda muito especial neste destino.

Foi no cenário histórico e sumptuoso das caves da Real Companhia Velha que o Memories foi apresentado. Um enquadramento majestático onde nem faltou o Marquês de Pombal e o seu séquito. Em encenação, claro! Como empresa, é a mais antiga do país e, além do vasto património de vinhas no Douro, guarda nas caves de Vila Nova de Gaia as mais importantes memórias do Vinho do Porto.

Lá estão o mapa original da demarcação do Douro assinado em 1756 pelo punho de Sebastião José de Carvalho e Melo, o Marquês de Pombal, e o alvará régio da criação da Real Companhia das Vinhas do Alto Douro com a assinatura de El-Rei D. José I.

Só neste contexto poderia ser guardado e cuidado um vinho da vindima de 1867. Um vinho que encerra em si memórias do Douro e dos armazéns de Gaia, da Real Companhia Velha e das empresas que a integram. É grande parte da história do próprio Vinho do Porto que está nestas garrafas, como fez questão de frisar Pedro Silva Reis, o actual líder da empresa de família, evocando a memória e o legado do pai, Manuel Silva Reis

O vinho é proveniente da Quinta das Carvalhas, uma das mais proeminentes propriedades do Douro, junto ao Pinhão. A quinta pertencia à empresa Miguel Sousa Guedes & Irmão, e foi lá que pela primeira vez Manuel Silva Reis tomou contacto com ele, num tempo em que era funcionário da empresa. Aqueles tonéis eram uma referência de grande valor, e quando, nos anos de 1960 e 70 do século passado, a dinâmica empresarial de Silva Reis conseguiu juntar na Real Companhia Celha o património da Real Vinícola e da Sousa Guedes, aquele vinho viajou para os armazéns de Vila Nova de Gaia. Começou pelas instalações à beira-rio e andou por umas segundas até repousar definitivamente nos monumentais cascos nos armazéns actuais.

Pedro Silva Reis fala do Memories como uma espécie de tesouro das Carvalhas, mas na realidade trata-se de um verdadeiro tesouro da região, do Douro. Impressiona pela intensidade, frescura e equilíbrio na boca. Desafiante a paleta de aromas e sabores que proporciona (iodo, colas, casca de laranja), com uma intensidade e frescura surpreendentes.

Um tesouro da natureza, tendo em conta a informação de que o último refrescamento (adição de vinhos novos) foi feito com um vinho com mais de um século (colheita de 1900), sendo feitas apenas correcções de aguardente a cada década para manter o nível de álcool. Fabuloso, sem dúvida!

Garrafa de cristal em caixa de pau-rosa

Para um vinho único e histórico, também uma embalagem única e distinta. Logo a começar pela garrafa, especialmente feita pela Atlantis, em cristal, por artesãos vidreiros que a moldam a sopro. Cada garrafa é uma peça de arte com uma rolha igualmente em cristal onde vai inscrita a data e colheita (1867). As garrafas são uma réplica das mais antigas da Real Companhia Velha e cuja identificação levam inscrita a ouro.

A caixa é também de produção artesanal, em pau-rosa e forrada a veludo. Com cada garrafa vai também uma espécie de documento e identidade do vinho. Um livrinho de capa dura, que remete para o alvará régio de criação da companhia, onde está um pouco da história da empresa deste vinho único. Todos são numerados e assinados pelo punho de Pedro Silva Reis.

Grandjó de 1925 e Granton 1958

A par das quintas, armazéns e história, é imenso o património de vinhos que acolhe a Real Companhia Velha. Seguramente um caso único do mundo, até porque se trata de uma organização sem paralelo, com os seus 260 anos de vida.

Como exemplo, dois vinhos absolutamente fantásticos que foram servidos durante o jantar que se seguiu à apresentação do Memories: um colheita tardia Grandjó de 1925 e um tinto Granton de 1958.

O primeiro é das coisas mais impressionantes do mundo do vinho, não só pela idade mas pela incrível limpeza de aromas e equilíbrio de boca. Tudo fresco, fino e voluptuoso, a mostrar que os extraordinários vinhos botritizados que desde 1905 fazem no planalto de Alijó são um caso único no mundo.

Igualmente extraordinário o tinto Granton da colheita de 1958, com concentração, elegância e vivacidade que quase parecia um vinho ainda em plena juventude. Uma marca que foi descontinuada mas que bem demostra a arte do blend que faz a grande diferença nos vinhos portugueses. Neste caso juntando vinhos do Douro e do Dão com uma mestria a que o tempo faz toda a justiça.

--%>