Fugas - Vinhos

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Cockburn’s, o regresso ao passado

Por Rui Falcão

Constituir uma empresa é tarefa relativamente fácil. Fazer com que a empresa sobreviva ao impacto da mudança de gerações, que perdure no tempo, é algo a que poucos conseguem aspirar.

Cruzar a marca de um século é uma barreira quase insuportável que raras empresas conseguem ultrapassar com sucesso. Mas se esta barreira se revela quase inultrapassável, são ainda mais raros os casos de pujança, ou mera sobrevivência, após os primeiros duzentos anos de vida. Um marco histórico que poucas empresas conseguem cruzar, independentemente da actividade a que se consagram. Mesmo no mundo do vinho, que por natureza se distingue por uma elevada dose de conservadorismo, poucos produtores conseguem atingir tal fronteira temporal.

Nenhum sector do vinho nacional mantém tamanho desembaraço como o Vinho do Porto, região que por múltiplas razões históricas abriga a maioria das referências históricas do mundo do vinho. Por aqui mantêm-se empresas com mais de duzentos anos, sabendo-se mesmo que algumas delas se aproximam ou já cruzaram a meta dos trezentos anos.

Entre elas surge o nome de uma das casas mais conhecidas, valorizadas e antigas do Vinho do Porto, uma empresa com uma história atribulada que depois de anos de sombra e apagamento se encontra agora prestes a reviver o sonho de anos de luz e fulgência. Um nome quase perdido que hoje revive e que dá pelo nome Cockburn’s, uma das casas que num passado recente foi um dos nomes mais valorizados entre a família do Vinho do Porto. Durante décadas foi o modelo que todos seguiam para a partir dos anos sessenta do século passado, quando perdeu a sua ligação familiar para se transformar numa subsidiária de uma grande empresa multinacional de distribuição de bebidas, passar a ser encarada como uma marca de supermercado quase sem relevância.

Poderá parecer estranho para aqueles que se começaram a interessar pelo vinho mais recentemente que a Cockburn’s já tenha sido um dos nomes maiores do Vinho do Porto, uma das casas mais respeitadas, que determinava com os seus vinhos e preços a qualidade de cada colheita. Desde a transição do século XIX para o século XX, e até ao período imediatamente posterior à Segunda Guerra Mundial, a Cockburn’s fazia parte da elite do Vinho do Porto, sobretudo no disputado e sempre difícil mundo dos vintage. Com frequência obtinha os preços mais elevados definindo com os seus vintage o sucesso e o patamar qualitativo de muitas das principais colheitas.

Apesar de uma série de colheitas brilhantes que ainda hoje são qualificadas entre as melhores de sempre do Vinho do Porto, colheitas de vintage como 1908, 1912, 1927, 1947 ou 1963, muitas das empresas familiares encontravam-se tão seriamente descapitalizadas que se apresentaram como presas fáceis para as grandes multinacionais de distribuição que embalaram na compra de produtores em dificuldades olhando para o Vinho do Porto e o Jerez como dois vinhos de reputação estabelecida que poderiam ser úteis num catálogo.

Foi assim que, em 1962, a Cockburn’s foi adquirida pela Harvey of Bristol, apenas um ano após a mesma Harvey ter tomado de forma inesperada a Martinez Gassiot, um dos seus maiores rivais no negócio da distribuição de bebidas alcoólicas. Poucos anos mais tarde, a própria Harvey acabou presa de uma companhia rival, a Allied-Lyons, empresa que depois de mais algumas fusões se transformou na Allied-Domecq, uma dos maiores gigantes mundiais no negócio multimilionário da distribuição. Mais tarde a própria Allied-Domecq acabou presa do grupo Pernod-Ricard, que acabou por entregar a marca à Fortune Brands.

Entre tantas compras e recompras, entre tantas fusões entre empresas que não paravam de crescer, a Cockburn’s acabou por se transformar numa casa cada vez menos relevante dentro de enormes conglomerados que não paravam de crescer e de aumentar o número de produtores, regiões e referências. Mas também graças ao enorme poder de promoção inerente a estes gigantes da indústria a Cockburn’s acabou por se transformar no principal produtor de Vinho do Porto dentro do crucial mercado inglês. Apesar da retórica, nem tudo foi mau durante a gestão das multinacionais, sobretudo no capítulo do Douro. Durante o reinado das empresas de distribuição, a Cockburn’s foi comprando algumas quintas no Douro, algumas das quais se transformaram em nomes essenciais na estrutura vinícola do grande vale do Douro.

Em 2010, a Cockburn’s foi adquirida pela família Symington, que decidiu dar o grande passo de a resgatar da longa letargia em que se encontrava. Começaram por adquirir a marca para mais tarde comprarem também os armazéns e o imenso património e stock de vinho que a Cockburn’s mantém em Gaia. Um investimento pesado e melindroso em anos de incerteza económica que a família decidiu assumir para resgatar um dos nomes mais eloquentes do passado. A tarefa de fazer reviver as glórias de uma marca não é fácil, não é imediata e implica um tempo de espera que muitas empresas não estariam dispostas a aceitar. Só mesmo uma empresa familiar inteiramente dedicada ao vinho, uma família que sabe que está a trabalhar para o presente mas também para o futuro das próximas gerações se pode dar ao esplendor de realizar um investimento desta magnitude, sabendo que as recompensas só poderão advir num futuro a médio prazo.

Depois de anos de hiato, é fundamental tentar recuperar os vinhos do passado para descobrir o que seriam as grandes assinaturas da casa, o que diferenciava a Cockburn’s das restantes casas, a identidade única e irrepetível da Cockburn’s, tarefa que a família tem vindo a desbravar com segurança. É bom saber que é possível reconstruir as glórias do passado e que há quem tenha esse misto de arrojo e confiança para recuperar os nomes históricos do Vinho do Porto. Os primeiros testemunhos deste novo despertar estão à vista e os novos Cockburn’s Vintage merecem ser conhecidos e provados com atenção.

 

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